27 Junho 2022
"A documentação recém disponibilizada inclusive na internet por decisão do Papa Francisco contribuirá a esclarecer alguns desses aspectos. E para cancelar alguns velhos roteiros interpretativos", escreve Matteo Luigi Napolitano, professor de História das Relações Internacionais da Universidade de Molise, em artigo publicado por La Repubblica, 25-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os pontos de discussão que levantei sobre o livro de Kertzer no Osservatore Romano foram apenas três por razões de espaço, como declarado. Sobre a "negociação secreta" (eu também li a ata em alemão), confirmo que ela era conhecida desde 1965, ainda que não em detalhes.
Não se tratava apenas de revisar a Concordata de 1933. Hitler queria estendê-la aos territórios conquistados em 1938 (Áustria, Boêmia e Morávia); mas, distraído pela crise em Gdansk e pela deflagração da guerra, não fez propostas concretas. A visita de Ribbentropin ao Vaticano foi, portanto, decepcionante (aparentemente planejada como uma visita à Itália, mas com o único propósito de ser recebido por Pio XII). Sobre a Summi Pontificatus se expressam os arquivos alemães.
Kertzer, que inclusive os consultou, nada diz das ferozes críticas feitas pelos nazistas (em nível partidário e governamental) àquela encíclica. Por quê? Não sou eu a dizer que a Summi Pontificatus era um ataque à Alemanha nazista; os nazistas o escrevem, repetidamente e extinguindo o oportunista otimismo de seus diplomatas no Vaticano. Os arquivos do Vaticano nos falam também sobre a operação de falsificação da encíclica: os alemães mudaram os períodos favoráveis aos poloneses para mostrar que era um documento a favor dos alemães. Por quê? Isto Kertzer não diz. E se poderia continuar. Alguns documentos, além disso, são citados como se fossem descobertas de arquivo.
Eles são conhecidos desde a década de 1970 e agora disponíveis até na internet. Por que essas diferenças metodológicas?
Vamos à blitz de 16 de outubro de 1943. Kertzer se debruça sobre um relatório do Vaticano, mas corta precisamente a frase “a Santa Sé não deveria ser posta na necessidade de protestar. Caso a Santa Sé fosse obrigada a fazê-lo, confiar-se-ia, para as consequências, à Divina Providência”. Palavras bastante significativas, dados os tempos e as circunstâncias.
Por que essa omissão? E por que não dizer que o representante britânico no Vaticano confirmou a perspectiva de um protesto papal em Londres? Mesmo uma única vida é importante; tragicamente, a blitz no Gueto levou mais de mil para os Campos de concentração. Mas para onde acabou a maioria dos seis a sete mil judeus romanos? Aqui entram em jogo as redes de salvação: a abertura de sedes extraterritoriais do Vaticano, de conventos e de institutos religiosos católicos, a cooperação entre o Vaticano e várias organizações de socorro, inclusive judaicas. Há amplos vestígios disso nos arquivos e também nos papéis do Yad Vashem. Esse aspecto não é abordado no livro.
Por quê? E, novamente, em um contexto tão trágico, Kertzer está certo de que Pio XII se preocupasse apenas com judeus batizados?
A documentação recém disponibilizada inclusive na internet por decisão do Papa Francisco contribuirá a esclarecer alguns desses aspectos. E para cancelar alguns velhos roteiros interpretativos.
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“Caro Kertzer, sobre Pio XII e o nazismo há demasiadas omissões em suas teses” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU