15 Junho 2022
"O catolicismo sustenta que sua doutrina dogmática e moral, bem como sua organização hierárquica, são imutáveis na medida em que se fundamentariam em uma revelação divina. A socióloga explica como as descobertas científicas a partir do Renascimento até os dias atuais varreram as representações sobre as quais o catolicismo fundava suas doutrinas e sua organização há décadas e o desconectaram da cultura moderna", escreve Jacques Musset[1], biblista francês, em artigo publicado por Baptises.fr e reproduzido por Fine Settimana, 11-06-2022. A tradução do italiano é de Luisa Rabolini.
Danièle Hervieu-Léger & Jean-Louis Schlegel, Vers l'Implosion? - Entretiens sur le présent et avenir du christianisme (Seuil, 2022). O livro ("Rumo à implosão? - Conversas sobre o presente e o futuro do cristianismo") escrito por um sociólogo e uma socióloga das religiões: o primeiro (Jean-Louis Schlegel) faz perguntas às quais a outra (Danièle Hervieu-Léger) responde com reconhecida competência, de que dá prova em cada um de seus livros há cinquenta anos. E encara de frente a atual crise do catolicismo.
Vers l’implosion? Entretien sur le présent et l’avenir du catholicism
O tema é de extrema importância. A Igreja Católica, com vinte séculos de existência, está prestes a afundar? Atualmente no Ocidente - mas tudo indica que o fenômeno deveria se espalhar para outros lugares - vive dificuldades inegáveis para ser levada a sério, desta vez não mais de fora, mas de dentro de si mesma e por uma maioria de seus fiéis. Estes não podem admitir que uma hierarquia autossacralizada lhes imponha uma doutrina e uma moral pré-fabricadas, apresentadas como Verdades caídas do céu e, portanto, indiscutíveis.
Diante deles, uma minoria de católicos defende essa hierarquia: católicos visceralmente apegados à forma tradicional do catolicismo; que se empenham com voz e militância para que sua religião sagrada de sempre não mude nem uma vírgula. Nesta situação de múltiplas tensões que não param de se exacerbar, o catolicismo não estaria à beira da implosão? Essa é a pergunta básica do livro.
O minucioso trabalho de análise sonda "até o osso" as razões da atual vacilação do catolicismo em seus baluartes históricos. É um trabalho que tem o grande mérito de analisar os fatos sem indulgência e com uma lucidez tanto mais implacável quanto os líderes católicos tendem mais a se refugiar na negação. Estes, com efeito, mascaram a realidade, por exemplo, agrupando paróquias em torno de um único padre ainda disponível; ou esperam que o Espírito Santo responda às fervorosas orações dos fiéis despertando vocações; ou se reúnem em torno de comunidades animadas por um zelo missionário de reconquista; ou ainda multiplicam sua visibilidade com manifestações públicas entre católicos para se sustentarem somando números; etc.
Danièle-Hervieu Léger quebra essas telas ilusórias da realidade e revela suas causas profundas. Na origem, há o que ela define o fenômeno da "exculturação". O catolicismo sustenta que sua doutrina dogmática e moral, bem como sua organização hierárquica, são imutáveis na medida em que se fundamentariam em uma revelação divina. A socióloga explica como as descobertas científicas a partir do Renascimento até os dias atuais varreram as representações sobre as quais o catolicismo fundava suas doutrinas e sua organização há décadas e o desconectaram da cultura moderna.
Essa percepção da exculturação da Igreja está presente em nossos contemporâneos com maior acuidade, pois adquiriram um espírito crítico e agora sustentam legitimamente sua autonomia de pensamento. Danièle Hervieu-Léger também volta os projetores para o outro obstáculo que é o clericalismo. Este último se manifesta em manter e impor em todas as esferas de poder uma estrutura hierárquica sacralizada composta pelo papa, bispos e padres. Os fiéis, por outro lado, são reduzidos a cumprir.
No campo, a figura do padre que tudo governa é uma ilustração permanente disso. Então, quais são as perspectivas futuras diante dessa situação de impasse institucional?, pergunta Danièle Hervieu-Léger ao final do livro. Ela não vê solução por parte dos atuais "observantes" (os "praticantes" regulares) nem das novas comunidades sedentas de reconquista.
Esse caminho corre o risco de levar a Igreja a se tornar um agrupamento sectário.
As forças que também dentro do catolicismo, como atualmente o sínodo nacional alemão, estão pressionando por mudanças, seriam então portadoras da esperança de uma esperada renovação?
A socióloga, que se sabe ser prudente em se expressar, acredita poder concluir assim: "Devo dizer-lhes meu extremo ceticismo sobre o choque de mudança que pode surgir dessas operações sinodais". A razão, para ela, está na impossibilidade, para os vértices da instituição, de acolher tal revolução, pois para eles, como para aqueles que os seguem, o existente é parte integrante da própria essência do cristianismo.
Quanto à multidão de iniciativas criadas à margem da Igreja pelos cristãos, também sob a forma de pequenas comunidades de estudos de evangelho, orações, celebrações, inclusive eucarísticas sem padres, algumas das quais se associam com outras, declara a socióloga: "Olho com maior atenção a proliferação de pequenas iniciativas que acabarão inevitavelmente por afrouxar, de baixo, a camisa de força em que o sistema clerical encerra a vitalidade do cristianismo. Mas isso não acontecerá, com toda probabilidade, sem passar por uma fase de implosão do sistema, da qual ninguém pode prever o que emergirá no final”.
A situação atual é, portanto, muito grave. Mais uma razão para aumentar a vigilância. O Jesus de Mateus não fala justamente: “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (Mt 6,22-23)?
[1] Jacques Musset é um biblista francês, nascido em 1936. Foi capelão de escola de ensino médio, animador de grupos bíblicos e formador no acompanhamento de doentes em hospitais. Ex-presbítero, casado, escreveu vários livros sobre sua jornada espiritual. Anima encontros da Associação Cultural dos amigos de Marcel Légaut.
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Um exercício de implacável lucidez. Um comentário ao livro “Rumo à implosão? Presente e futuro do cristianianismo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU