02 Junho 2022
"A redescoberta das razões e do sentido de celebrar levará a dar vida a novas formas litúrgicas e a criar novas linguagens com as quais celebrar a fé, moldar um ritual eloquente e significativo para a humanidade de hoje", escreve Goffredo Boselli, liturgista italiano, monge da Comunidade de Bose, na Itália, e colaborador da Comissão Episcopal para a Liturgia da Conferência Episcopal Italiana, em artigo publicado por Vita Pastorale, junho de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Agora é evidente para todos que um cristianismo sem liturgia está lentamente tomando forma. Ou seja, uma maneira de viver a fé, mesmo por parte de crentes maduros, que conscientemente renunciou ao momento litúrgico pois foi experimentado como inexpressivo, áfono e, em última análise, desnecessário. Na liturgia, como aliás em qualquer outra esfera humana e espiritual, hoje tudo deve se justificar no presente, no aqui e agora da pessoa, exibir sua própria credibilidade e eficácia, mostrando que incide sobre a vivência e muda a vida, que serve e traz algum bem, caso contrário, resulta irrelevante e pode ser dispensado.
Não é por acaso que da escuta e do debate do caminho sinodal em curso emerge que a celebração da fé é um componente essencial e irrenunciável da vida da Igreja, que exige uma reflexão séria e um repensamento adequado. A pergunta persistente é: mas o que fazer? Por onde começar?
O que é urgente no imediato é redescobrir as razões espirituais e humanas para o fato de que a fé não pode deixar de ser celebrada mesmo nas formas mais simples e elementares. Caso contrário, não seria autêntica fé cristã, mas outra coisa. Desde as suas origens, a fé cristã não só foi professada, testemunhada e vivida, mas também celebrada. Não pode haver uma fé confessada que não seja ao mesmo tempo uma fé celebrada pela comunidade cristã por meio de palavras, gestos, linguagens, posturas, tempos e espaços gerados pelo encontro entre a palavra de Deus e a fé da Igreja.
A fé celebrada é a fé rezada, é a fé alimentada pelo Corpo de Cristo que é Evangelho e Eucaristia, é a fé professada com os irmãos, é a fé protegida pela comunidade na forma da comunhão e da partilha. Uma fé que é apenas professada, mas não celebrada, reduz-se a mero conhecimento para depois se enrijecer em doutrina. Uma fé que pretende ser vivida apenas internamente se transforma em mero bem-estar pessoal e psíquico. Uma fé apenas testemunhada, mas não celebrada, assume o tom da propaganda e o estilo do proselitismo. Uma fé apenas vivida, mas não celebrada, está destinada, a longo prazo, a se explicitar em simples moral, empenho social, promoção humana. Celebrar significa reconduzir a vida de fé à sua fonte única e inesgotável que é a escuta comum da palavra de Deus, a reconciliação fraterna, a ação de graças, a intercessão e a invocação do Espírito.
Deve-se reconhecer que, se hoje a liturgia está em estado de sofrimento e o êxodo da assembleia litúrgica dominical é uma realidade, é também porque, uma vez cessado o entusiasmo da renovação litúrgica pós-conciliar, nas últimas décadas pensou-se em poder educar para a vida de fé sem introduzir o crente ao significado e ao valor da celebração da fé. A redescoberta das razões e do sentido de celebrar levará a dar vida a novas formas litúrgicas e a criar novas linguagens com as quais celebrar a fé, moldar um ritual eloquente e significativo para a humanidade de hoje.
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Celebrar a fé. Artigo de Goffredo Boselli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU