04 Abril 2022
No ano que vem, recordaremos os 60 anos da Sacrosanctum concilium, e uma avaliação será inevitável. Poderemos ficar satisfeitos, porque os objetivos da reforma litúrgica foram alcançados, mas não poderemos continuar diminuindo a generalizada e crescente insatisfação com a liturgia.
A reflexão é de Goffredo Boselli, liturgista italiano, monge da Comunidade de Bose, na Itália, e colaborador da Comissão Episcopal para a Liturgia da Conferência Episcopal Italiana.
O artigo foi publicado na revista Vita Pastorale, de abril de 2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em várias ocasiões, eu disse e escrevi que a Igreja Católica celebra hoje uma liturgia mais fiel ao Evangelho.
De fato, os princípios fundamentais da reforma litúrgica são verdades que vêm do Novo Testamento: o mistério pascal, a dignidade batismal, a participação ativa, a introdução das línguas vivas, a nobre simplicidade dos ritos e outros ainda.
A maior conformidade da liturgia ao Evangelho desejada pelo Concílio é sua maior qualidade, mas, ao mesmo tempo, é o seu limite mais evidente. Em que sentido é um limite? No sentido de que quanto mais a liturgia é evangélica, mais ela se afasta do culto religioso e da sua tríade constante: sacerdote, sacrifício, templo.
Um rito religioso é oficiado por um sacerdote em uma língua e em um espaço sagrados, o povo assiste passivamente, mudo e à distância, perscrutando gestos misteriosos e entreouvindo fórmulas incompreensíveis. A participação consciente, ativa e fácil dos fiéis na liturgia do Vaticano II é um princípio que vem do Evangelho, e por isso é exatamente o contrário da presença em um rito religioso descrito acima.
Continuar na intuição evangélica do Concílio assusta, porque pede a todos, pastores e leigos, o enorme esforço daquela radical mudança de mentalidade que infelizmente ainda não ocorreu. Pede aos pastores que soltem o rito, abandonando a mentalidade clerical e a concepção sacral de si mesmos. Pede aos fiéis que exerçam os direitos e os deveres que lhes vêm do batismo e assumam a responsabilidade de serem celebrantes do mistério e não eternos espectadores, sentados em um banco como se estivessem na frente de uma tela, na igreja como se estivessem em uma transmissão ao vivo no Facebook.
Ser evangélica é o limite da reforma litúrgica e por isso ela encontra as resistências de quem custa a se converter ao Evangelho: o presbítero que custa a não ser sacerdote, e o batizado que custa a não ser homem religioso.
No ano que vem, recordaremos os 60 anos da Sacrosanctum concilium, e uma avaliação será inevitável. Poderemos ficar satisfeitos, porque os objetivos da reforma litúrgica foram alcançados, mas não poderemos continuar diminuindo a generalizada e crescente insatisfação com a liturgia.
Na Igreja, registra-se uma espécie de aceitação mitigada do Vaticano II, e as celebrações parecem ser uma padronização da reforma litúrgica, em uma espécie de mornidão constante e desenfreada. Provavelmente, é essa mornidão em seguir até ao fim a intuição evangélica do Concílio que cria em muitos fiéis uma indiferença opaca em relação à liturgia e os convence a abandonarem silenciosamente as nossas assembleias.
É urgente colocar novamente em movimento a dinâmica evangélica do Vaticano II com reformas concretas e retomar o caminho de conversão da liturgia ao Evangelho. É verdade, evangélico é sinônimo de difícil e exigente, mas não parece haver outro caminho viável. Não se pode voltar para trás, mas também não se pode ficar parado.
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Liturgia segundo o Evangelho. Artigo de Goffredo Boselli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU