24 Mai 2022
"Como Adepto à Teologia da Libertação, [Reginaldo] se destacou ao longo de sua vida pela atuação política junto às comunidades eclesiais de base", escreve Felipe de Assunção Soriano, formado em Filosofia (2007) e Teologia (2013), graduado pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE, Belo Horizonte/MG.
Felipe de Assunção Soriano defendeu seu Mestrado em Teologia com ênfase em mariologia pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, Recife/PE (2020). Atualmente é doutorando no PPG em História da UNISINOS, e é autor do livro Maria Tupansy. O Auto da Assunção de São José de Anchieta, Edições Loyola, 2022.
Nascido em “Piquete” (município de José da Laje) na zona da mata de Alagoas (AL). Ai viveu os quatro primeiros anos da sua infância, passando a viver em Quebrangulo (AL) com mais três irmãos devido à saúde de sua mãe (abril, 1941). O primeiro filho do casal, que faleceu, se chamava Reginaldo, nome escolhido para ele, com um acréscimo (José), José Reginaldo Veloso de Araújo (3 de agosto de 1937). Seu pai, João Veloso de Melo (1904 - 1972), era agricultor do Agreste pernambucano. Aos 15 anos deixou o campo e foi para Alagoas atuando no comércio (padaria). Sua mão, Sebastiana Veloso de Araújo (1919 - 1945), muito molestada pela tuberculose, causa da sua morte, é o principal motivo de sua formação religiosa. Desde pequeno destacou-se por sua facilidade com línguas e notável criatividade prática.
O pai é a figura que o introduziu na esfera social e política favorecendo seu engajamento contra o regime militar. De fato, seu João Veloso tinha profunda preocupação com os destinos políticos do país, mesmo não sendo ativista nos movimentos trabalhistas. É da experiência com o seu pai que ele sempre se preocupou com temas do trabalho e a situação dos trabalhadores. Foi com sua avó, em Palmeira dos índios, onde estava cursando o Ginásio, que Reginaldo se tornaria um “rezador popular”, puxando os cantos e as orações no mês de maio. Foi aí no final do Ginásio que recebeu o convite para entrar no Seminário indo morar no Recife – Escola Apostólica da Várzea - com os padres do Sagrado Coração em 22 de janeiro de 1951. Depois de dois anos de estudos em filosofia, em 2 de fevereiro de 1956 (Água Preta), fez seus votos na Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, indo fazer teologia em Roma.
Reginaldo foi indicado para estudar história da Igreja, mesmo querendo fazer liturgia. Chega a Roma no dia da morte do Papa Pio XII, vivendo o clima de um conclave difícil que dará a Igreja o Papa João XXIII. O Concílio Vaticano II foi convocado num mundo polarizado, num clima de tensão nuclear. Neste clima foi ordenado presbítero dois dias antes do início do Concílio Vaticano II (23 de dezembro de 1961). Nessa ocasião, o pensamento do Papa Leão XIII com o tema do trabalho e a dignidade humana foram retomados na Igreja, sem questionar o poder e a autonomia dos senhores do mercado. A ditadura militar foi uma resposta das elites ao movimento cultural dos trabalhadores que descobria no letramento caminho de libertação com o método de Paulo Freire e pelas práticas da educação popular. Retornou ao Brasil em 1966 e, no Recife, Dom Hélder Câmera já trazia à pastoral esse novo frescor do Concílio Vaticano II.
Reginaldo Veloso. (Foto: Irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre)
Em 1963 o documento dos bispos do nordeste “Eu ouvi os clamores do meu povo” (Ex 3,7), depois da morte do Pe. Henrique (Secretário de Dom Hélder), foi altamente censurado pelos militares sendo mais conhecido fora do que no Brasil. Neste tempo, no calor do Concílio, decidiram ir morar junto ao povo no bairro de Macaxeira – Paróquia da Mãe de Deus e, depois, na Paróquia do Morro da Conceição (Recife), P.
Adriano e Reginaldo começaram na Macaxeira a ouvir as pessoas em sete áreas do bairro preparando o Natal de 1966. Deste movimento nascerá, com o patrocínio de Dom Hélder Câmera, o Grupo de Irmãos. Em pouco tempo, dos 7 grupos primeiros, passaram-se a 24. Chegou a ser enquadrado pela Lei de Segurança Nacional no caso do P. Vito Miracapillo (italiano que se posicionou politicamente contra a ditadura), sendo condenado a dois anos de prisão na Cavalaria da Polícia do Recife, mas, como era réu primário, respondeu em liberdade. Essa experiência serviu de incubadora para o laboratório do canto popular que marcou toda a sua vida litúrgica. Neste contexto, o canto litúrgico pastoral e a leitura orante da bíblia eram os melhores instrumentos que dispunham para animar o povo massacrado e empobrecido.
Reginaldo Veloso partilhava sua experiência com o canto gregoriano e monástico. Como esses sons e formas evocam uma tradição e uma memória afetiva de gerações enquanto canto oracional. Voltando ao nordeste ele percebeu haver nos interiores do Brasil um cantochão, com métrica e poética próprias, que vem do coração do povo.
Para a dinâmica de tradução dos conteúdos, imagens e narrativas bíblicas esse canto do povo devia ter lugar privilegiado. Assim nascem as melodias e motes poéticos que marcam seu canto bíblico.
Numa primeira fase como paródia a textos e motes conhecidos e, numa segunda fase, finalmente, canto bíblico pastoral, reaproveitado na versão da Liturgia das Horas do Brasil, isto é, no Ofício Divino das Comunidades. As opções de sua adaptação, principalmente aqueles produzidas em parceria com P. Geraldo Leite, mereceriam um estudo adequado, pois elas são uma tradução alegórica do imaginário bíblico ao contexto local.
Ofício Divino das Comunidades. (Foto: Reprodução da Capa)
Com a melodia de “Luar do sertão” de João Teixeira Guimarães, inúmeras comunidades pelo Brasil cantavam o Salmo 8 se perguntando: “o que é o homem para que Deus por ele tenha tanto carinho”.
A influência de ditirambos, lamentações e refrãos de romaria no imaginário nordestino serviram de matéria para suas composições.
Nos poemas alfabéticos da poesia medieval encontrou melodia como cantiga de amor e exultação a Mãe de Deus e a Jesus crucificado.
Entre suas composições no Hinário Litúrgico da CNBB, destaca-se a conhecida melodia da versão popular do Precônio Pascal “Exulte de alegria dos anjos a multidão”, em parceria com o também já falecido frei Tito Figueiroa de Medeiros.
Soma-se a versão popular da sequência de Pentecostes “A nós descei Divina Luz” e o “Canto da Paixão do Senhor”.
Uma de suas ações não aproveitada pela reforma litúrgica, mas assumida nos instrumentos pastorais para a celebração do “Dia do Senhor”, são as louvações em substituição aos prefácios do missal.
No instrumento para a presidência dos leigos na celebração da Palavra aí se encontram, entre outras, as melodias de Reginaldo Veloso. A parceria na criação do Ofício Divino das Comunidades com Ione Buyst e Penha Carpanedo nos ofereceram vários instrumentos didáticos para as comunidades, os jovens e crianças.
Destacam-se produções próprias como o Ofício da Mãe de Deus e o Ofício das Romarias, feitos por Reginaldo Veloso. Seus principais companheiros de produção foram os P. Geraldo Leite, Josy Rodrigues, o P. José Weber, Silvio Milanez e outros.
No dia 19 de maio de 2022, aos 84 anos, vitimado por um câncer, morre Reginaldo Veloso na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital da Unimed, no Recife. Seu velório foi realizado na Escola Municipal Padre João Barbosa, no bairro onde ele morava no Morro da Conceição. Como Adepto à Teologia da Libertação, ele se destacou ao longo de sua vida pela atuação política junto às comunidades eclesiais de base. Como diz em nota a CNBB: “Seu legado musical e poético é, sem sombra de dúvida, um tesouro e inspiração do cantar da Igreja: um rico patrimônio no campo do Canto Pastoral e Ritual, solidário com todos os sofrimentos da humanidade. Seu canto, ao longo destes anos todos, foi descobrir como cantar e como fazer cantar: cantando a vida!”.
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Reginaldo Veloso: uma voz que segue cantando no Hinário Litúrgico do Brasil. Artigo de Felipe de Assunção Soriano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU