27 Abril 2022
“O problema com o altar da hipocrisia é que o peso da opinião pública se torna insuportável. E isso também influencia os critérios para a seleção de novos bispos, porque suas posições devem ser aquelas que a opinião pública possa entender para que a Igreja não seja atacada. É um pecado original que nos acompanha desde a eleição do Papa Francisco, que foi chamado a mudar a narrativa sobre a Igreja após uma temporada de constantes ataques. No entanto, para mudar a narrativa, confiamo-nos a um Papa que vem do fim do mundo e não tem o senso de Igreja como instituição, mas apenas de pastor universal”, escreve o jornalista italiano Andrea Gagliarducci, em artigo publicado por Monday Vatican, 25-04-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A nomeação de um novo arcebispo de Paris parece iminente, e o jornal francês Le Figaro aponta que o arcebispo de Lille, Laurent Ulrich, é um possível candidato – bem, na verdade, quase certo que será o sucessor. O perfil do arcebispo parece ser perfeito, considerando os tempos atuais: atento à emergência migratória e muito preocupado com as questões dos abusos na Igreja.
Características necessárias, considerando o predecessor, dom Michel Aupetit, que caiu no altar da hipocrisia (dixit Francisco) depois de uma campanha contra ele por uma suposta relação imprópria com sua secretária, uma situação que data de muitos anos e que já era conhecida por seus superiores. Uma campanha que nasceu depois do relatório da CIASE sobre os abusos na Igreja francesa de 1950 até a atualidade. Aupetit não tomou posições fortes contra os abusos. Em vez disso, ele pediu que os dados fossem lidos com sabedoria, sem se proclamar culpado. Ele estava em um posto inaceitável na Igreja que agora tem que decidir aceitar o jogo da opinião pública para pedir o perdão pelos abusos, mesmo quando as acusações não parecem ser razoáveis.
Antes de dom Aupetit, o cardeal Rainer Maria Woelki, arcebispo de Colônia, na Alemanha, também caiu. Ele, também, não aceitou um relatório sobre abusos e pediu por outro. Como resultado, o Papa suspendeu Woelki da liderança de sua Igreja particular por seis meses, oficialmente, devido ao erro de “má comunicação”, como disse a nunciatura. Logo do seu retorno à administração da arquidiocese, no entanto, Woelki imediatamente pediu ao Papa para aceitar sua renúncia. De fato, depois seis meses de suspensão, sua credibilidade estava agora em risco.
Haverá, portanto, a necessidade de encontrar um novo arcebispo para Colônia? Talvez, e é preocupante, numa Igreja, como a da Alemanha, abalada pelo Caminho Sinodal que não deixa de suscitar tensões, não só em Roma, mas também em muitos episcopados locais.
Se seguirmos o rastro de abusos e encobrimentos, reais e acusados, existe a possibilidade de uma mudança geracional significativa em algumas dioceses cruciais ao redor do mundo. Em Milão, o arcebispo Mario Delpini parece estar no centro de um caso de má gestão. Lyon já perdeu seu arcebispo, o cardeal Philippe Barbarin, que renunciou após um longo julgamento que, de qualquer forma, o inocentou de quaisquer acusações de encobrimento de abusos.
O problema com o altar da hipocrisia é que o peso da opinião pública se torna insuportável. E isso também influencia os critérios para a seleção de novos bispos, porque suas posições devem ser aquelas que a opinião pública possa entender para que a Igreja não seja atacada.
É um pecado original que nos acompanha desde a eleição do Papa Francisco, que foi chamado a mudar a narrativa sobre a Igreja após uma temporada de constantes ataques. No entanto, para mudar a narrativa, confiamo-nos a um Papa que vem do fim do mundo e não tem o senso de Igreja como instituição, mas apenas de pastor universal.
Funciona para quem quer uma Igreja menos presente no mundo. E também responde à lógica totalmente anticlerical, segundo a qual a imitatio imperii (a imitação do império) do bispo de Roma, simbolizada pelas vestes vermelhas que o Papa Francisco tem recusado constantemente a usar, fazia parte de um projeto de secularização da fé. Como chefe de governo e, portanto, igual aos imperadores, o Papa é sensível à lógica do poder.
Mas aquelas vestes vermelhas representavam antes uma autoridade espiritual. Essa herança imperial não apontava para um império material, mas sim para uma instituição que pudesse defender os cristãos e a evangelização. Não que erros não tenham sido cometidos em 2 mil anos de história da Igreja. Ao mesmo tempo, a propaganda contra a Igreja levou a uma má interpretação do que é a Igreja, quais são seus interesses e qual é seu lugar no mundo.
Assim, o Papa Francisco talvez esteja a caminho da última mudança geracional significativa de seu pontificado com esse pecado original. A pressão da opinião pública e os sacrifícios no altar da hipocrisia, e o carreirismo que não falta nem mesmo no pontificado de Francisco – que afirma combatê-los vigorosamente – desempenham um papel decisivo nas decisões.
O Papa Francisco, ao longo dos anos, tornou-se o protagonista do que foi definido por muitos como “um turning point, ponto de virada, pastoral”. O perfil de alguns novos bispos imediatamente feitos cardeais testemunha isso: nos Estados Unidos, Blaise Cupich, transferido para Chicago; Wilton Gregory, mudou-se para Washington; e Joseph Tobin, transferido para Newark. Na América Latina, a criação do arcebispo de Huancayo, Pedro Barreto, como cardeal; e a promoção do franciscano Celestino Aós a arcebispo de Santiago; assim como a crescente influência de dom Robert Francis Prevost, de Chiclayo (Peru).
Em muitos casos, o Papa depositou sua confiança em membros de ordens religiosas, particularmente jesuítas e franciscanos, porque provavelmente sente que conhece melhor sua mentalidade e os considera imunes aos excessos do carreirismo. A importante arquidiocese de Turim na Itália foi para o teólogo Roberto Repole, até então carente de experiência pastoral, enquanto ainda está aberta a sucessão do cardeal Vincent Nichols em Westminster, Inglaterra.
Essa mudança pastoral, que também se reflete nas intenções da reforma da Cúria, não garante, no entanto, uma boa governança. Na tentativa de mudar a abordagem a todo custo, corre-se o risco de uma inexperiência no poder que nem sempre é boa.
Pode-se dizer que esta é a Igreja que o Papa Francisco quer, uma Igreja não viciada em poder, mas pastoral. Talvez seja verdade. Mas é este o caminho? E sobretudo, se este é o modelo de Igreja procurado, por que o Papa, em todo caso, não tem escrúpulos em assumir as prerrogativas do Papa Rei – e isso é demonstrado pelos quase 40 motu propio emitidos no seu pontificado – e tomador de decisão universal?
Essa mudança geracional iminente mostrará qual Igreja o Papa Francisco deixará. E assim será o próximo consistório, que novamente parece iminente e mostrará que tipo de cardeais, para eleger seu sucessor, o Papa deseja.
O que parece uma constante, até agora, é a atenção a questões específicas, impulsionadas mais pela opinião pública do que pelas necessidades da Igreja. Pode ser uma coisa pequena. Ou pode ser providencial. Só a história dirá.
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Papa Francisco e a mudança geracional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU