26 Setembro 2018
Equivocadamente, ela passou em silêncio. Ofuscada, por um lado, pelo discurso libertador do papa sobre o sexo aos jovens de Grenoble; por outro, pelas últimas atualizações sobre o escândalo sem fim da pedofilia na Igreja.
O comentário é do jornalista italiano Giovanni Panettiere, publicado em Quotidiano.net, 25-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No entanto, a reforma do Sínodo dos bispos, aprovada na semana passada, com a constituição apostólica Episcopalis communio, a algumas semanas da cúpula sinodal dedicada aos jovens, tem mais de um motivo para chamar a atenção da posteridade como a autêntica herança do pontificado bergogliano.
Mais do que a exortação pós-sinodal Amoris laetitia, que descerra um olhar finalmente realista e misericordioso sobre a coabitação e o casamento apenas civil, mais ainda do que o documento “Como uma mãe amorosa” sobre a tão esperada remoção dos bispos culpados de terem encoberto casos de abuso sexual contra menores.
A escolha da fonte de produção normativa da constituição, que por si só expressa o grau maior de autoridade do magistério ordinário do pontífice, sela a centralidade do novo texto.
Não é nenhum segredo que a sinodalidade, o caminhar juntos na Igreja – o papa com os outros sucessores dos apóstolos (isto é, a colegialidade episcopal cum Petro et sub Petro, relançada pelo Vaticano II), os bispos com os padres, diáconos e leigos – é a característica deste papado. Os grandes desafios da pós-modernidade são enfrentados em concerto, é a tese de Bergoglio. No respeito aos diversos carismas, mas com a participação mais ampla possível de todo o povo de Deus.
O duplo Sínodo sobre a família, que contou com um inédito envolvimento da base católica, também via web, foi paradigmático nesse sentido. Especialmente à luz das décadas anteriores, nas quais a instituição sinodal, desejada com função consultiva por Paulo VI em 1965, se arrastou ao longo de uma série de encontros clericais bastante asfixiantes. E de conclusões seladas ao público em geral.
Agora, as boas práticas lançadas por Francisco se tornam direito canônico. Normas inovadoras, contidas na constituição Episcopalis communio, que vão além deste pontificado e blindam um novo exercício do ministério petrino. Sob a marca de uma efetiva sinodalidade, de uma valorização das Igrejas locais e de um protagonismo concreto do laicato.
No novo documento, o ditado do papa é muito claro sobre esses aspectos. Mesmo que o Sínodo, “na sua composição, se configura como um órgão essencialmente episcopal” – escreve –, ele não é “separado do resto dos fiéis”.
De fato, sendo “um instrumento apto a dar voz a todo o povo de Deus”, é desnecessário dizer que é “de grande importância” que, na preparação de assembleias individuais, “a consulta de todas as Igrejas particulares receba uma atenção especial”.
Mas examinemos as reformas introduzidas pela Episcopalis communio. Acima de tudo, as tipologias do Sínodo dos Bispos – cuja convocação permanece firmemente nas mãos do pontífice – passam de três para quatro. Às formas ordinária (com um tema de caráter universal), extraordinária (a reflexão diz respeito a casos urgentes) e especial (o debate diz respeito a uma área geográfica específica), o artigo 1, parágrafo 3 da constituição acrescenta uma versão de natureza ecumênica. Será que os irmãos e irmãs separados também poderão participar de um sínodo não mais exclusivamente como convidados? A sugestão é reforçada pelo posterior artigo 2, parágrafo 2, que amplia a composição do Sínodo (até agora os membros eram bispos ou, no máximo, religiosos, como estipulado pelo artigo 346 do Código de Direito Canônico) também para sujeitos desprovidos do múnus episcopal. Traduzindo, presbíteros, diáconos, leigos, incluindo mulheres. E, por que não?, cristãos de outras confissões.
As assembleias também poderão ser celebradas não mais em uma única solução, mas também em períodos distintos (artigo 3). Torna-se lei (artigos 6-8) o envolvimento de todo o povo de Deus na preparação do Sínodo, incluindo uma reunião pré-sinodal, como a que ocorreu nos últimos meses para a já iminente assembleia dedicada à fé e ao discernimento dos jovens.
A novidade mais significativa, porém, diz respeito ao documento final de uma assembleia (artigo 18). Este, quer o Sínodo permaneça consultivo, quer o papa lhe reconheça poder deliberativo (cânone 343 do Código), uma vez encerrado o consentimento do bispo de Roma, participa do seu magistério ordinário. Em outras palavras, ninguém poderá mais argumentar que se trata de um texto secundário.
A disciplina detalhada de uma assembleia decisional (a hipótese, até agora, permanecia no papel) permite entrever a possibilidade, em um futuro próximo (talvez já a partir do encontro de outubro), de que o Sínodo realmente possa deliberar sobre os desafios da Igreja universal ou particular. Com um ato final imediatamente vinculante e, portanto, sem uma exortação apostólica subsequente do pontífice que tire as conclusões dos trabalhos da assembleia. Talvez com alguns impulsos pastorais a mais... Amoris laetitia docet.
O Sínodo nunca poderá substituir a assembleia de todos os bispos do mundo, o Concílio, o único órgão que goza, com o papa, da soberania sobre todo o universo católico. No entanto, na atual contingência histórica em que ainda urge implementar plenamente o Vaticano II, redescobrindo não só os seus textos, mas também o seu espírito (pelo menos pouco valorizado por João Paulo II e Bento XVI), a reforma de uma instituição representativa e, no fim das contas, pequena como o Sínodo é mais do que salutar.
O Vaticano III ainda pode esperar. Um novo impulso à colegialidade episcopal e a participação de todo o povo de Deus no governo eclesial não podiam. Precisavam ser escritas claramente, como se fez. Para o presente e, principalmente, para o futuro da Igreja.
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Reforma do Sínodo: o legado (oculto) do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU