13 Dezembro 2021
Um anúncio inoportuno e uma explicação desconcertante: foi assim que o papa abordou o motivo pelo qual decidiu remover o líder de uma das dioceses mais importantes da Igreja Católica.
O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 10-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Tudo o que ele precisava fazer era esperar cinco dias.
E então, após retornar daquela que acabou sendo uma visita extremamente importante ao Chipre e à Grécia, de 2 a 6 de dezembro, ele poderia facilmente ter feito o anúncio oficial.
Ao invés disso, o Papa Francisco chocou quase todos quando decidiu dispensar Michel Aupetit de seus deveres como arcebispo de Paris no mesmo dia em que a viagem papal começou.
Isso caiu como uma bomba.
E, pelo fato de ter dominado as manchetes em toda a Europa e no mundo, isso quase implodiu um dos principais objetivos do papa ao fazer a viagem aos dois países mediterrâneos – incitar os líderes do Velho Continente a finalmente abordarem a sua deplorável recusa (ou incapacidade) de forjar uma política de imigração coerente e compassiva.
Mas pior do que tropeçar na sua própria mensagem antes mesmo de descer do avião na capital cipriota, Nicósia, o papa garantiu que teria de explicar publicamente – durante a costumeira coletiva de imprensa no fim da viagem – as suas razões para aceitar a renúncia do arcebispo cinco anos antes da idade normal de aposentadoria.
Aupetit havia entregue seu “cargo” nas mãos do papa apenas 10 dias antes, depois que a revista francesa Le Point noticiou que ele teve um relacionamento consensual com uma mulher adulta em 2012, um ano antes de ser nomeado bispo auxiliar de Paris.
Aupetit, um ex-médico ordenado aos 44 anos de idade, admitiu que o caso foi inapropriado. Mas negou que fosse sexual. No entanto, a revista também disse que ele afastou pessoas durante seu tempo como arcebispo devido ao seu estilo autocrático de governo.
Francisco, que nomeou Aupetit para Paris em 2018, sabia que os jornalistas iriam questioná-lo sobre a sua repentina decisão de liberar o arcebispo de suas funções durante a coletiva de imprensa a bordo do avião em seu retorno a Roma no dia 6 de dezembro.
Mas, quando a questão veio à tona, o papa pareceu irritado por alguém realmente ter ousado fazer a pergunta. E, pior, pareceu não ter certeza de como responder.
O que se seguiu foi uma das explicações mais bizarras e problemáticas que este papa ofereceu para qualquer coisa em seus quase nove anos de mandato.
“Sobre o caso Aupetit, eu me pergunto: o que ele fez de tão grave a ponto de ter que renunciar? O que ele fez? Alguém me responda”, disse Francisco, colocando seu microfone diante do rosto de Cecile Chambraude, do jornal francês Le Monde.
A repórter pareceu surpresa por ele devolver a pergunta para ela. Afinal, não foi ela quem decidiu destituir o arcebispo de suas funções, mas sim o papa!
E o resto da sua resposta se tornou ainda mais... estranha.
“Antes de responder, eu diria: investiguem. Porque existe o perigo de dizer: ‘Foi condenado’. Mas quem o condenou? ‘A opinião pública, a fofoca...’ Mas o que ele fez? ‘Não sabemos. Alguma coisa...’ Se vocês sabem o porquê, digam. Caso contrário, eu não posso responder. E vocês não saberão o porquê, porque foi uma falta dele, uma falta contra o sexto mandamento, mas não total, mas de pequenas carícias e massagens que ele fazia: essa é a acusação. Isso é pecado, mas não é dos pecados mais graves, porque os pecados da carne não são os mais graves. Os mais graves são aqueles que têm mais ‘angelicalidade’: a soberba, o ódio... Esses são mais graves. Assim, Aupetit é pecador, assim como eu. Não sei se você se sente [pecadora], mas talvez... Assim como foi Pedro, o bispo sobre o qual Jesus Cristo fundou a Igreja. Por que é que a comunidade daquele tempo havia aceitado um bispo pecador? E era pecador com pecados com muita ‘angelicalidade’, como renegar Cristo, não? Mas era uma Igreja normal, acostumada a se sentir pecadora sempre, todos: era uma Igreja humilde. Vê-se que a nossa Igreja não está acostumada a ter um bispo pecador, fingimos que dizemos: ‘O meu bispo é um santo’. Não, essa é a Chapeuzinho Vermelho. Todos somos pecadores. Mas quando a fofoca cresce, cresce, cresce e tira a boa fama de uma pessoa, esse homem não poderá governar, porque perdeu a fama não pelo seu pecado – que é pecado, assim como o de Pedro, como o meu, como o teu: é pecado! –, mas pela fofoca das pessoas responsáveis de contar as coisas. Um homem do qual tiraram a fama assim, publicamente, não pode governar. E isso é uma injustiça. Por isso eu aceitei a renúncia de Aupetit, não sobre o altar da verdade, mas sobre o altar da hipocrisia.”
Sejamos muito claros: o Papa Francisco não apenas permitiu que Michel Aupetit renunciasse, mas ativamente o removeu do seu cargo de arcebispo de Paris.
E há uma razão para ele fazer isso, mesmo que não a tenha admitido publicamente.
Várias fontes da Igreja me disseram que, não muito depois de o papa nomear Aupetit como chefe dessa diocese historicamente importante no dia 7 de dezembro de 2018, ele percebeu que podia ter cometido um erro.
Poucos meses – senão semanas – após a nomeação, Francisco disse ter expressado pesar privadamente pela sua escolha, especialmente pelo modo inflexível de Aupetit de lidar publicamente com questões morais e bioéticas polêmicas atualmente em debate na França secular.
Depois, vieram as reclamações sobre o estilo gerencial de cima para baixo do arcebispo e do seu afastamento de padres e de outros funcionários da Igreja.
Ficou cada vez mais claro que Aupetit nunca ganharia um barrete vermelho, pelo menos não durante este pontificado, então se tornou uma questão de tirá-lo de Paris. Ao devolver seu cargo ao papa, por assim dizer, o arcebispo forneceu ao papa a solução.
Francisco poderia ter dito simplesmente aos jornalistas no avião que ele e Aupetit chegaram à conclusão de que Paris não era uma boa opção para o ex-médico.
É claro, pode haver outras razões pelas quais o papa decidiu que Aupetit não poderia mais ficar no cargo. E, por discrição ou por um desejo de não constranger o arcebispo, ele decidiu não dizer isso publicamente.
Em vez disso, ele disse que o arcebispo não poderia mais governar porque a fofoca – e não algum pecado (ou erro) seu – arruinou a sua reputação. Portanto, diante daquela fofoca – naquele “altar da hipocrisia”, como o papa o chamou –, Francisco aceitou a renúncia.
Há um problema com essa explicação. Se esse é agora o padrão para dispensar os bispos de seus deveres, poderíamos ver dezenas de dioceses perderem repentinamente seus líderes episcopais.
Bastaria uma campanha organizada, com a ajuda da mídia e de membros do clero, para espalhar acusações (fofocas) para desacreditar o bispo local. Queremos mesmo seguir esse caminho?
A reputação do arcebispo Aupetit não é a única a ser questionada. O papa disse – ao que parece, erroneamente – que Aupetit estava fazendo carícias e massagens na sua secretária.
Embora o Vaticano silenciosamente tenha removido a palavra “secretária” da sua transcrição oficial das palavras do papa no avião, ele não declarou se recebeu ou não informações sobre o fato de o arcebispo estar envolvido com uma secretária.
Se não estiver, ele deve um pedido de desculpas a todas as secretárias que podem ter trabalhado com Aupetit.
Mas, se assim for, o Vaticano – e não os jornalistas – precisa abrir uma investigação sobre as supostas ações, que podem ter sido não solicitadas e predatórias.
O papa também foi questionado sobre o relatório devastador publicado há dois meses pela Comissão Independente sobre Abuso Sexual na Igreja (CIASE) da França, que examinou a situação dos crimes de pedofilia nos últimos 70 anos.
Francisco disse que não leu o relatório nem conversou com os bispos franceses sobre ele, o que parece estranho, já que ele se reuniu com os bispos durante as visitas “ad limina” que ocorreram após a sua publicação.
Mesmo assim, o papa advertiu sobre aceitar com demasiada facilidade as conclusões do relatório, embora a Conferência dos Bispos da França e a Conferência dos Religiosos e Religiosas da França (Corref) tenham feito isso.
Os comentários podem não ser vistos como especialmente úteis para a moral dos católicos franceses, sejam eles bispos, padres, religiosos ou leigos.
Aqueles que se dedicam e estão ativamente engajados na Igreja trabalharam arduamente para enfrentar a realidade do passado e do presente e para caminhar com coragem rumo ao futuro. Eles poderiam se beneficiar muito com um endosso mais sincero do papa.
Francisco não pode desfazer o dano provocado pelo seu anúncio inoportuno sobre a “renúncia” de Aupetit ao desviar a atenção da sua viagem ao Chipre e à Grécia, mas ele ainda tem tempo para ajudar a aumentar a credibilidade e a moral dos católicos na França.
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Francisco e a renúncia do arcebispo francês: não foi o seu melhor momento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU