13 Dezembro 2021
De todos os hábitos tolos e autodestrutivos que o Vaticano adquiriu ao longo dos anos – e, encaremos a realidade, não é uma lista curta – censurar as palavras que o papa fala durante suas coletivas de imprensa no avião talvez seja o mais absurdo.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 12-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Afinal, o papa fala essas palavras na frente de cerca de 70 jornalistas que viajam com ele a bordo do avião papal, e virtualmente cada um deles as grava fielmente do início ao fim e, depois, as transcreve meticulosamente, ponderando cada sílaba em busca de sentido.
Então, quando o Vaticano revisa a sua transcrição oficial alguns dias depois, geralmente tentando fazer um erro desaparecer, eles realmente acham que ninguém vai notar?
O caso mais recente em jogo envolve a entrevista coletiva que o Papa Francisco concedeu em seu voo de volta de uma viagem entre os dias 2 e 6 de dezembro ao Chipre e à Grécia, na qual ele abordou o caso do arcebispo de Paris, Michel Aupetit, que renunciou recentemente.
Aupetit apresentou sua renúncia, que foi prontamente aceita por Francisco, depois que uma exposição midiática na França sugeriu que ele estava envolvido em um relacionamento com uma mulher adulta. Aupetit negou que houvesse qualquer elemento sexual, mas admitiu que a relação era “ambígua”.
Eis o que Francisco realmente disse sobre o caso, conforme registrado e publicado pelo jornal italiano Corriere della Sera, considerado o jornal mais importante do país:
“Foi uma falta contra o sexto mandamento, mas não total, mas de pequenas carícias e massagens que ele fazia na secretária: essa é a acusação. Isso é pecado, mas não é dos pecados mais graves, porque os pecados da carne não são os mais graves.”
Os jornalistas acharam a resposta intrigante, porque, antes dessa questão, não havia nenhuma indicação de que Aupetit tenha massageado inapropriadamente uma de suas secretárias. A questão central na reportagem original era que o relacionamento com a mulher, chamada “Colette”, veio à tona porque Aupetit, em vez de enviar uma carta privada a ela, enviou-a à sua secretária.
Na realidade, os repórteres revisaram as gravações várias vezes para ter certeza de que Francisco realmente havia usado a palavra massaggi, “massagens”, em vez de messaggi, “mensagens”, já que há apenas uma vogal de diferença. De fato, ele disse “massagens”.
Agora, se você verificar a transcrição oficial no site do Vaticano, porém, as palavras do papa foram editadas da seguinte forma: “... pequenas carícias e massagens que ele fazia”. Não há mais nenhuma menção a uma secretária e nenhuma outra indicação sobre quem pode ter recebido essas massagens.
(Como nota de rodapé, a edição de gravações parece estar em voga no Vaticano neste momento, já que a questão-chave no megajulgamento envolvendo o cardeal italiano Angelo Becciu é a eliminação pela acusação de cerca de duas horas de material das gravações de áudio e vídeo dos interrogatórios de testemunhas-chave.)
Nesse ínterim, outra reportagem sobre Aupetit apareceu na imprensa francesa, sugerindo que há outra mulher, uma leiga consagrada e teóloga chamada Laetitia Calmeyn, com quem o arcebispo também mantinha uma relação secreta. Nesse caso, o advogado de Aupetit rapidamente divulgou um comunicado chamando a nova reportagem, que utilizava fotos tiradas com teleobjetivas, de “caluniosa e nauseante”, e sugeriu que podem entrar com uma ação judicial contra a publicação.
Mesmo nessa última notícia, no entanto, não havia nada sobre o fato de Aupetit fazer massagens em ninguém, deixando sem resolução o mistério sobre o que, exatamente, Francisco tinha em mente quando usou aquela palavra na segunda-feira passada.
Apenas duas conclusões parecem possíveis.
Primeiro, o papa simplesmente errou. Nunca houve nenhuma massagem inconveniente, mas, de alguma forma, Francisco enfiou isso na cabeça e depois disse isso em voz alta. Se esse for o caso, obviamente, a coisa mais simples para o Vaticano fazer seria admitir isso e inserir um asterisco na transcrição, dizendo que o papa cometeu um erro e que o erro foi corrigido, que é a forma como as organizações de mídia responsáveis lidam com erros semelhantes no trabalho de reportagem.
Uma possibilidade relacionada é que Francisco estava falando coloquialmente, como se poderia dizer de um funcionário que, ao inflar o seu currículo, “dourou a pílula”. Nesse caso, você não se refere a uma pílula de verdade, e talvez Francisco não quisesse sugerir que houve massagens de verdade, mas simplesmente intimidades físicas relativamente menores que não equivalem a um pecado mortal.
Novamente, se for esse o caso, por que não dizer isso simplesmente?
A outra possibilidade é que Francisco saiba algo que nós não sabemos, e talvez isso ajude a explicar por que ele agiu tão rapidamente ao aceitar a renúncia de Aupetit, em comparação com outros casos de bispos problemáticos que apresentaram a própria renúncia.
Ironicamente, Francisco estava tentando argumentar que o direito de Aupetit a ter uma boa imagem foi prejudicado por fofocas maliciosas na imprensa. No entanto, ao injetar essa referência a “massagens” que pareciam surgir do nada, Francisco realmente parece ter alimentado especulações sobre o que mais Aupetit pode ter feito, e não reprimido tais especulações.
Em todo o caso, o que o esforço desajeitado do Vaticano em reescrever a história parece ter conseguido foi garantir que a questão do que mais o papa sabe provavelmente se agravará por muito mais tempo.
Em outras palavras, a massagem se tornou a mensagem. E, no mínimo, essa é uma frase que você não consegue escrever todos os dias sobre os assuntos vaticanos.
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Em tentativa desajeitada de censura vaticana, a “massagem” é a mensagem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU