11 Abril 2022
Se serrássemos o ramo da árvore-religião em que nos sentamos, não encontraríamos o vazio, o nada, mas sim a possibilidade de buscar a humanidade de Deus em Jesus de Nazaré e no seu Evangelho. No reduzir-se quenótico de Deus, somos convidados a buscar caminhos de ágape, de misericórdia, a única ontologia que pode governar o mundo.
A opinião é de Flavio Lazzarin, padre italiano fidei donum que atua na Diocese de Coroatá, no Maranhão, e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em artigo publicado por Settimana News, 10-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O que sou e o que penso – quer eu saiba ou não – é um resultado provisório, parcial e limitado da história. Não se trata simplesmente da história recente, mas de processos que atravessam séculos.
Como diziam Paulo Coelho e Raul Seixas: “Eu nasci há dez mil anos atrás”. Ou como afirmava Jacques Lacan: “O sujeito não diz, não fala. O assunto é dito e ‘falado’ sem o seu conhecimento”.
Assim, entendo que não posso brincar com pensamentos e discursos, presumindo neutralidade e imparcialidade. Sou precisamente eu que decido livremente, mas continuo como um resultado de eventos, contradições, dialéticas que raramente mostram na história uma aliança com uma possível evolução ética e política da humanidade, que, ao contrário, quase sempre, desposam caminhos de injustiça e destruição.
Entre outras coisas desconhecidas e nebulosas, uma herança recente me parece indiscutível: sou um filho da modernidade capitalista e eurocêntrica, que é ao mesmo tempo o objeto primeiro das minhas críticas.
Assim, desde que o paradigma derridiano da desconstrução se tornou quase hegemônico nas últimas décadas, houve uma tentação muito forte, certamente presunçosa e até um pouco estúpida, de pensar que não havia nada de novo debaixo do sol.
Entendo que a desconstrução em Derrida não é uma intervenção humana nem um método de investigação. É a constatação de um fato: o declínio de certezas, conceitos, valores, orientações ideológicas e religiosas no âmbito do processo de pensar. Desaparecem, morrem e deixam vestígios da sua preexistência, mas não preenchem o vazio, o nada. E o nada não aparece provocado e escolhido, mas contamina e desafia novamente o pensamento.
Desconstrução que nada tem a ver com desmontagem ou destruição, mas sim com solipsismos estéticos distantes da materialidade da história, como mostra Paulo Arantes na sua visita ao museu da ideologia francesa, farsa que repropõe na atualidade a falsa radicalidade crítica dos jovens hegelianos criticados por Marx na “Ideologia alemã”.
E Arantes continua mostrando que os resultados subjetivistas e meramente estéticos dos intelectuais franceses, após a temporada sartreana, aparecem claramente nos Estados Unidos, onde a escola de Yale se reconcilia com o pensamento continental e recicla, no âmbito da crítica literária, a desconstrução derridiana, em obediência canina ao sistema vigente.
O risco – absolutamente moderno ou, se quiserem, pós-moderno – é cultivar essas derivas subjetivas e intimistas. De fato, capitalismo e Estado, com os seus anexos e conexões, como o fascismo, não são meros processos subjetivos. São processos históricos, materialmente históricos, e como tais devem ser enfrentados. Se a desconstrução como paradigma ignora a destruição, afasta-se culposamente da tragédia das vítimas da história.
Para mim, está consolidado o conceito de que a liberdade humana é a causa do mal, e, por isso, indiscutivelmente, a palavra crítica e ética oferecida às subjetividades é insubstituível. Mas, se as armas da crítica e da ética nos traem e se põem a serviço do establishment, em um cenário de submissão ao nada, quem – e como? – poderá contribuir para a causa da justiça e para a transformação da realidade, junto com a conversão das consciências?
Arantes, em uma recente entrevista, fala-nos ironicamente sobre o declínio do comunismo soviético e, a partir da sua desconstrução, devido à já insustentável irrelevância dos valores soviéticos, define a Perestroika como uma reconstrução em que Mikhail Gorbachev e seus associados simplesmente serraram o ramo da árvore em que estavam sentados. E assim aceleraram o processo de nadificação e o fim do regime.
Confesso que, no fim, é esse galho serrado que gira na minha cabeça. Se – e não renego nada do que disse acima – descobríssemos processos de desconstrução, de desaparecimento de dogmas, valores, conceitos, tradições no âmbito do cristianismo e serrássemos o ramo em que estamos sentados, o cristianismo começaria a desaparecer e a morrer como o comunismo em 1991?
Jean-Luc Nancy vem em meu auxílio com os seus textos sobre a desconstrução do cristianismo. Processo que, para ele, é constitutivo do monoteísmo cristão. Um deus que não está presente, que se retira e que, observando bem, sempre se retirou quenoticamente. Um evento crucial que pertence também à tradição judaica: o tzimtzum, o retirar-se e o subtrair-se de Deus, desde o início dos tempos. Desconstrução que é antiga, original, que inspirou Lutero antes mesmo de Nietzsche.
Desconstrução não ocorrida a partir do Iluminismo e dos seus atuais herdeiros, que se obstinam em negar um Deus pensado como fundamento, cuja verdadeira característica, ignorada pelas Luzes, é negar-se desde sempre. E assim, como resultado, deparamo-nos com uma secularização forjada a partir de equívocos e amnésias filosóficas. O Ocidente, portanto, não teria entendido nem o monoteísmo cristão nem a sua trajetória, certamente distinta da religião, mas inegavelmente ligada a ela.
Enfim, se serrássemos o ramo da árvore-religião em que nos sentamos, não encontraríamos o vazio, o nada, mas sim a possibilidade de buscar a humanidade de Deus em Jesus de Nazaré e no seu Evangelho. No reduzir-se quenótico de Deus, somos convidados a buscar caminhos de ágape, de misericórdia, a única ontologia que pode governar o mundo.
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O Ocidente e o cristianismo. Artigo de Flavio Lazzarin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU