14 Março 2022
Severino Dianich, um dos mais famosos teólogos italianos, se questionou em recente reflexão sobre os limites morais da resistência armada. Um assunto delicado e escorregadio nos dias da trágica agressão de Putin à Ucrânia. “Estou impressionado - escreveu no site de informação religiosa Settimana News - (...) pelo fato de persistir na opinião pública uma certa mística da defesa armada”. E ainda: “Fui rever o Catecismo da Igreja Católica e observo que se aconselha a 'considerar com rigor as condições estritas que justificam uma legítima defesa pela força militar. Tal decisão, pela sua gravidade, está sujeita a rigorosas condições de legitimidade moral'“.
A entrevista é de Tommaso Rodano, publicada por il Fatto Quotidiano, 13-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Você contesta a resistência de um povo agredido?
Acredito que a exaltação da pátria e da independência nacional como um valor absoluto, a ser defendido também através do massacre e do sacrifício de vidas humanas, seja uma praga do nacionalismo oitocentista. É preciso encontrar um equilíbrio entre o valor da independência de um povo, que é inegável, e o preço a pagar em vidas humanas para reivindicar esse valor.
Quem pode estabelecê-lo?
Acredito que a transição da independência nacional para uma forma de dependência nem sempre seja igual. Há dependências destrutivas, humilhantes para as pessoas que as sofrem, e outras em que a dependência - negativa em linha de princípio - pode evitar o massacre de centenas de vidas.
Pode-se negar o sentimento coletivo do povo ucraniano e seu direito à independência?
Do ponto de vista étnico e cultural é difícil negar que existe uma proximidade entre as populações ucraniana e russa. Eu venho de Rijeka, minha família fugiu do regime de Tito. Para alguns, aquela fuga também foi inspirada pelo sentimento nacional: queríamos permanecer italianos. Mas a maioria da população saiu para fugir de um regime opressor e da fome.
Você considera que o nacionalismo ucraniano é um artifício?
Parece-me errado exaltá-lo conferindo-lhe um valor místico. Acredito que a transformação religiosa do sentimento pátrio seja perigosa. Eu me pergunto: quem se encontrou com filhos, pais ou marido morto, pensa neles como heróis da pátria?
Você está dizendo que os ucranianos deveriam se render?
Acredito que a avaliação da duração da resistência armada deve ser em função da possibilidade efetiva de vitória. Que preço, quantas mortes podem ser sacrificadas para conseguir esse resultado? Uma passagem do Evangelho volta-me à memória: até um rei avalia se pode travar uma guerra com um exército de 1.000 soldados contra um de 20.000.
Você é contra o envio de armas para a Ucrânia.
Armar o povo ucraniano prolonga a guerra. Com que hipótese? Existe uma previsão de que a Ucrânia possa vencer? Ou se quer alongá-la exaltando o heroísmo dos ucranianos? Penso em Bertolt Brecht: feliz do povo que não precisa de heróis. Enviamos armas, mas quem perde a vida são eles: quando esse povo nos pede para participar de sua resistência, a decisão também recai sobre as nossas consciências.
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“Enviar armas é ético apenas quando se pode vencer, caso contrário é um massacre inútil”. Entrevista com Severino Dianich - Instituto Humanitas Unisinos - IHU