28 Fevereiro 2022
"O perigo do caminho sinodal é que a escuta, que deve se estender a todos e a todas, se limite, depois, à primeira categoria dos fiéis e aos problemas internos da comunidade. Cairíamos, assim, no círculo fechado de uma Igreja que escuta a si mesma, interessada na autopreservação e não na missão para a qual o Senhor a desejou."
A opinião é do teólogo e padre italiano Severino Dianich, cofundador e ex-presidente da Associação Teológica Italiana e professor da Faculdade Teológica de Florença. O artigo foi publicado na revista Vita Pastorale, de março de 2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O objetivo do caminho sinodal no qual a nossa Igreja está se encaminhando com dificuldade não é melhorá-la nem embelezá-la. Em vez disso, ela precisa superar o seu tradicional narcisismo, para olhar para o vasto mundo ao qual tem a dívida de oferecer o Evangelho.
Na “mudança de época” que estamos vivendo, deve-se levar a sério o fato de que há apenas um ato sobre o qual a perpetuação do cristianismo no mundo está em jogo. Trata-se do ato missionário fundamental do fiel, ou seja, a comunicação da fé a quem não crê em Cristo.
Criar novas formas de sinodalidade, como qualquer outra reforma das estruturas, visa a apenas um único propósito: “Fazer com que todas elas se tornem mais missionárias” (EG 27). Todos os fiéis são encarregados de evangelizar, por isso é impensável que decisões importantes sejam tomadas na Igreja sem que convirjam para elas, com autoridade, aqueles que todos os dias, na vida da família, do trabalho e das relações sociais, são chamados a levar ao mundo o testemunho de fé.
Nos primeiros séculos, quem difundiu a fé no mundo não foram principalmente os bispos, os padres ou os diáconos, mas os fiéis comuns. Eusébio de Cesareia (265-340) narra que eles iam “dois a dois” para evangelizar, “contentavam-se em lançar as bases da fé junto aos povos estrangeiros, deixando junto deles pastores aos quais confiavam a tarefa de ajudar aqueles que haviam acabado de abraçar a fé”.
De diversas formas, ainda hoje os pastores da Igreja atuam sobretudo no cuidado pastoral dos fiéis, enquanto os outros fiéis vão todos os dias em missão, vivendo em constante relação com aqueles que são os primeiros destinatários da evangelização.
Em virtude do celibato, os bispos e os padres não enfrentam os compromissos da família. No local de trabalho, não batem cartão, não se envolvem com o comércio e com a militância sindical e política. Os carismas que o Espírito dá aos pastores da Igreja no sacramento da Ordem também são diferentes daqueles que todos os fiéis receberam no batismo e que o Espírito dá a cada um em relação às suas condições de vida.
A riqueza dos carismas dos fiéis se manifesta onde eles vivem e atuam, na fábrica e na escola, no tribunal e no hospital, da loja ao banco, passando pelos ambientes das transações financeiras, da câmara municipal ao parlamento.
“A cada um é dada uma manifestação particular do Espírito para o bem comum” (1Cor 12,6-11). Se a Igreja pretende assumir uma forma que a estenda à evangelização, objetivo principal da sua existência no mundo, como ela poderia fazer isso sem dar voz de autoridade nas suas decisões a quem tem experiência cotidiana, amparada pelo Espírito Santo, do encontro in loco com os destinatários principais da sua missão?
A instauração de uma escuta metódica dos fiéis deveria chamar a atenção também não só para a diversificação dos seus carismas e das suas experiências de vida, mas também para a grande variedade de formas com as quais os fiéis sentem a sua pertença à Igreja.
Um primeiro círculo muito restrito é o dos fiéis que colaboram com a vida interna da Igreja.
Um segundo círculo, mais amplo, é o daqueles que participam apenas no momento da missa dominical.
Um terceiro círculo, que hoje envolve a maioria dos batizados, é constituído por aqueles que reavivam um vínculo com a Igreja apenas no tradicional pedido dos grandes sacramentos para si mesmos ou para seus filhos.
Hoje, porém, também não pode ser ignorado aquele tipo de cristãos, sejam eles transversais ou componentes do quarto círculo, que são as pessoas com um pé dentro e outro fora, de fé incerta e oscilante ou porque estão em conflito com o magistério da Igreja.
Um quinto círculo é habitado por aqueles que, batizados quando crianças, nunca viveram conscientemente a experiência da fé ou se afastaram conscientemente dela.
Um sexto círculo, que pode ser mais bem definido, é o dos não batizados, pertencentes a outras religiões ou não aderentes a religião nenhuma.
Um discurso totalmente à parte, é claro, é o dos cristãos das outras Igrejas, com os quais é preciso se envolver com fraterna cordialidade e sem nenhuma reserva no nosso caminho sinodal.
Um aspecto delicado é constituído pelo quinto círculo. São precisamente aqueles que permanecem às margens da Igreja e aqueles que decididamente se afastaram dela que têm muito a dizer sobre os obstáculos que a própria Igreja corre o risco de colocar no caminho da evangelização e das reformas que hoje lhe são necessárias.
A comunidade cristã nunca poderá responder às suas expectativas se elas envolvessem a renúncia à proposta do Evangelho na sua pureza e integridade essenciais. Isso não significa, porém, que o seu olhar crítico possa oferecer à Igreja um precioso serviço para identificar as deformações, as escórias depositadas ao longo da história e as incoerências.
O perigo do caminho sinodal é que a escuta, que deve se estender a todos e a todas, se limite, depois, à primeira categoria dos fiéis e aos problemas internos da comunidade. Cairíamos, assim, no círculo fechado de uma Igreja que escuta a si mesma, interessada na autopreservação e não na missão para a qual o Senhor a desejou.
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Caminho sinodal. Ampliar os círculos da escuta. Artigo de Severino Dianich - Instituto Humanitas Unisinos - IHU