23 Fevereiro 2022
“Em um momento em que nosso mundo lida com tantas questões difíceis, ver Hollywood imaginando os jovens como nossos salvadores levanta muitas questões. Será que nós, os mais velhos, tentamos encorajar os mais jovens a serem melhores do que nós? Ou estamos jogando fora qualquer senso de responsabilidade pessoal pelo mundo para eles? Poderia haver algo mais profundamente autoindulgente do que se recusar a fazer os sacrifícios necessários para que as gerações futuras prosperem e, em seguida, colocar essas mesmas gerações futuras no papel de nossas salvadoras?”, escreve o jesuíta Jim McDermott, escritor e roteirista de cinema em Los Angeles, em artigo publicado por America, 11-02-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As indicações ao Oscar de 2022 foram anunciadas. É a primeira vez em muito tempo em que filmes biográficos não dominam as indicações. Dos 10 melhores filmes deste ano, apenas dois são baseados em histórias reais – Belfast e King Richard.
Essa também pode ser a primeira vez que o vencedor a melhor ator pode ser um praticante dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Andrew Garfield, que teve um expressivo ano com atuações em “Os Olhos de Tammy Faye” e “Homem-Aranha: Sem volta para casa” e “Tick... Tick... Boom!” (pelo qual ele foi nomeado), passou seis meses com o nosso jesuíta James Martin, fazendo os Exercícios Espirituais como parte da sua preparação para atuar como um padre jesuíta no filme “Silêncio”, de Martin Scorsese, em 2016. Embora todas as indicações para melhor ator sejam ricas e incríveis, esses fatos são suficientes para dizer que a direção da revista America está com Garfield.
Mas o que se destaca este ano é quantos dos filmes indicados contam histórias de jovens lutando para encontrar seu lugar no mundo. Dos 10 filmes indicados para melhor filme, sete têm jovens como protagonistas, e um oitavo, “King Richard”, é sobre o pai das estrelas do tênis Serena e Venus Williams, quando treinavam para se tornarem profissionais do tênis. Todos os cinco indicados a melhor filme de animação também são histórias de jovens. E os indicados ao Oscar “Tick…Tick…Boom!” e “Spencer”, embora focados em personagens na faixa dos 30 anos, têm temas semelhantes.
Claro, histórias de jovens lutando com a vida são perenes. A maravilhosa volta aos anos 70 de Paul Thomas Anderson, “Licorice Pizza”, é um conto de John Hughes sobre jovens tateando em direção à idade adulta, e “Tick…Tick…Boom!”, de Lin-Manuel Miranda, é um musical clássico da variedade “Como faço para realizar meus sonhos?”.
Os indicados de animação “Encanto” e “The Mitchells vs. the Machines” e o indicado a melhor filme “No Ritmo do Coração” oferecem versões da história de jovens tentando estabelecer uma vida para si mesmos em meio às expectativas de suas famílias, assim como a cinebiografia da princesa Diana, “Spencer”. O remake de “Amor, sublime amor” de Steven Spielberg e as memórias irlandesas de Kenneth Branaugh, “Belfast”, também contam histórias familiares de jovens presos por forças sociais muito além de sua capacidade de se opor ou mesmo entender.
Mas o que torna a safra de indicados deste ano única é a persistência de sua ênfase no papel dos jovens como salvadores. No caso de “No Ritmo do Coração”, este é o dilema do personagem principal: como o único membro ouvinte de uma família de pescadores surdos, Ruby passou a vida inteira tendo que se comunicar em nome deles. Perto do final do ensino médio, ela luta para acreditar que está tudo bem, para ela seguir uma vida própria.
Mas na maioria dos outros filmes indicados, salvar o mundo é apenas o lugar apropriado para os jovens no esquema das coisas: o príncipe Paul Atreides, de “Duna”, estava destinado a ser o salvador do universo. O adolescente estudioso Peter, em “Ataque dos Cães”, é a única pessoa que vê o mal causado à sua mãe pelo cruel irmão de seu padrasto e, portanto, o único que pode agir. A estudante de pós-graduação nerd de Jennifer Lawrence, Kate Dibiansky, em “Não olhe para cima!”, também é a única capaz de permanecer fiel à causa de tentar salvar a Terra de um cometa que se aproxima; seu orientador de doutorado é seduzido pelo fascínio da mídia (e Cate Blanchett).
Tony e Maria, em “Amor, sublime amor”, são os únicos que têm alguma chance de prevenir a violência que se aproxima em suas comunidades.
Alguns dos filmes indicados acenam para o custo de serem colocados nessa posição. Kate Dibiansky é presa, humilhada e socialmente difamada. “Spencer” vê Diana, que uma vez foi imaginada como a salvadora da família real, feita para parecer louca por Charles. Tony e Maria perdem tudo.
Mas a maioria desses filmes acaba reafirmando o acerto de seu papel. “Encanto” é um exemplo disso: mesmo que o filme destaque os efeitos debilitantes de pedir aos jovens que sejam responsáveis por proteger ou salvar suas famílias, no final a salvação tanto do clã Madrigal quanto de toda uma comunidade de refugiados colombianos recai sobre os ombros da filha mais nova Mirabel. Ser o herói pode ser difícil ou injusto, mas ainda é sua vocação. Peter, em “Ataque dos Cães”, também acaba sendo perturbadoramente bom em derrubar seu tio adotivo. Os sacrifícios de Tony e Maria acabam com a guerra em sua comunidade.
Em um momento em que nosso mundo lida com tantas questões difíceis, ver Hollywood imaginando os jovens como nossos salvadores levanta muitas questões. Será que nós, os mais velhos, tentamos encorajar os mais jovens a serem melhores do que nós? Ou estamos jogando fora qualquer senso de responsabilidade pessoal pelo mundo para eles? Poderia haver algo mais profundamente autoindulgente do que se recusar a fazer os sacrifícios necessários para que as gerações futuras prosperem e, em seguida, colocar essas mesmas gerações futuras no papel de nossas salvadoras?
Também não se trata apenas de questões difíceis de entender, como as mudanças climáticas. A política de terra arrasada de Washington e de muitas casas estatais hoje está prejudicando a capacidade de nossas comunidades de funcionar e fornecer serviços apropriados e também arrasando seus espíritos. Se não tomarmos cuidado, não restará nenhuma sociedade significativa para nossos filhos viverem, muito menos salvar.
Alguns políticos adoram gritar que Hollywood não é os EUA. E, no entanto, “Encanto” foi um dos maiores filmes de animação de toda a pandemia; sua música “We Don’t Talk about Bruno” acabou de chegar ao primeiro lugar nas paradas globais da Billboard. “Não olhe para cima!” quebrou recordes de streaming da Netflix; “Ataque dos Cães” também foi bem. “Duna” arrecadou 400 milhões de dólares em todo o mundo, além de uma estreia forte na HBOMax.
Na verdade, as histórias que escolhemos assistir e celebrar dizem algo sobre nossas crenças e desejos. E as indicações ao Oscar são um espelho desafiador, não apenas para a indústria da mídia, mas para nós. Talvez nossas crianças possam ajudar a corrigir alguns dos problemas no nosso mundo. Mas elas não são super-heróis, e nós não somos espectadores. Certo, boomers?
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A mensagem que o Oscar deste ano deixa: cabe aos nossos filhos salvar o planeta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU