No filme “Não olhe para cima”, a indiferença dos indivíduos e das instituições diante de uma catástrofe iminente é o que se provou fatal. A banalidade do mal é o que leva, entre um plano que poderia salvar a todos e um plano que poderia enriquecer alguns poucos, mas certamente menos seguro do que o primeiro, a escolher a segunda opção.
A opinião é de Paolo Benanti, teólogo e frei franciscano da Terceira Ordem Regular, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida.
O artigo foi publicado em seu blog pessoal, 04-01-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Seguem aqui algumas reflexões sobre “Não olhe para cima”, um filme que parece ser o mais divertido de 2021 e também o mais deprimente: em duas horas de risadas, ele convence você de que o mundo está prestes a acabar (parafraseando Mick LaSalle, do jornal San Francisco Chronicle).
Essa estranha combinação torna a obra de Adam McKay, diretor e roteirista, uma experiência única no seu gênero, que está gerando discussão particularmente, mas que, na minha opinião, oferece alguns traços interessantes e dignos de alguma reflexão.
Tento listar alguns temas por pontos, correndo o risco de dar alguns spoilers: estejam avisados.
O filme, no qual encontramos uma série de celebridades como Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Jonah Hill, mas também Mark Rylance, Ron Perlman, Timothée Chalamet, Ariana Grande, Scott Mescudi (também conhecido como Kid Cudi), Himesh Patel, Melanie Lynskey, Michael Chiklis e Tomer Sisley, custou 75 milhões de dólares e conta a história de um grande cometa que poderia atingir a Terra e aniquilar a humanidade.
Com essas premissas, poderíamos pensar que se trata de um disaster movie, que, como diz o “Lessico del XXI Secolo”, da Treccani:
“é uma tipologia da obra cinematográfica atribuível ao gênero dramático e aventureiro que tem como núcleo narrativo fundamental a aproximação de um evento catastrófico, natural ou induzido, que consequentemente ativa uma série de dinâmicas destinadas a contrariar a ocorrência do inevitável. Tal evento catastrófico pode ser, por exemplo, a chegada de um asteroide à Terra, uma possível desastre aéreo, uma fatalidade marítima ou a difusão de um vírus letal. Filmes pertencentes a esse gênero são ‘Airport’ (1970), cujo grande sucesso abriu caminho para outras obras como ‘O destino de Poseidon’ (1972), ‘Terremoto’ e ‘Inferno na torre’, ambos de 1974. Normalmente interpretados nos papéis principais por estrelas de Hollywood (de Paul Newman e Steve McQueen a Bruce Willis e George Clooney), esses filmes sempre recorreram a características de notável bravura. Além disso, o aparato espetacular sempre foi assegurado pelo recurso a técnicas de computação gráfica constantemente vanguardistas e por efeitos especiais surpreendentes”.
Ouvindo os nomes do elenco, seria possível esperar uma trama que, graças à bravura dos atores, aos efeitos especiais impressionantes e à narrativa convincente, tira o fôlego do espectador.
Na realidade, não há nada de tudo isso em “Não olhe para cima”. Diante do anúncio do desastre iminente descoberto por dois cientistas de uma universidade secundária – isso, no modelo cultural estadunidense, é muito significativo – constata-se um desinteresse geral por parte de quem deveria tentar prevenir o desastre.
O filme parece pertencer mais à sátira do que a outros gêneros. Talvez precisamente essa pré-compreensão do gênero seja o motivo de reações tão discordantes entre a crítica e o público.
O filme foi indicado a quatro Globos de Ouro e, nos seus três primeiros dias na Netflix, acumulou um total de mais de 111 milhões de horas de visualização. De acordo com sites como IMDb e Rotten Tomatoes, que agregam dezenas de críticas profissionais e votos de simples apaixonados, a nota média dado pelos espectadores que avaliaram o filme é de cerca de sete, enquanto a da crítica gira em torno de cinco.
No jornal La Repubblica, em um artigo intitulado “Obra-prima ou pastiche, o importante é falar de ‘Não olhe para cima’”, Antonio Dipollina resumiu as opiniões conflitantes: “O filme (definido também como ‘obra-prima’ ou ‘descrição perfeita do nosso tempo’) agrada e, ao mesmo tempo, é detestado devido a um didatismo verdadeiramente irritante, tem em seu interior cerca de 20 temas possíveis para dividir aquele mundo que discute tudo o que passa pela sua frente, tem um elenco excepcional e bastante correto (DiCaprio é um ativista total em questões ambientais), sacode as pessoas de algumas gerações atrás e perturba, pela agitação das outras, as de algumas outras gerações”.
A sátira é um gênero da literatura, das artes e, mais em geral, da comunicação muito antigo. O próprio nome deriva do latim: “satura lanx” era o nome da bandeja vazia cheia de primícias oferecidas aos deuses. Os elementos da sátira são a atenção crítica aos vários aspectos da sociedade. Quem satiriza quer mostrar as contradições da vida social e, ao mesmo tempo, quer promover uma mudança.
O estilo da sátira compartilha com o estilo cômico a vontade de fazer rir, mas une uma crítica mirando nos personagens e zombando deles sobre temas políticos, sociais e morais. De fato, a comicidade geralmente não tem como seu objeto fatos relevantes da vida pública e não propõe um ponto de vista específico, mas quer apenas entreter fazendo rir.
Desde a sua utilização na Grécia Antiga, a sátira teve uma marca política: tratava dos eventos de extrema atualidade da polis e tinha uma notável influência na opinião pública ateniense, logo antes das eleições.
Portanto, se olharmos para o filme a partir dessa perspectiva, podemos ver uma perspectiva satírica em vários níveis. Em um nível muito fundamental, o ataque satírico atinge uma sociedade de “pessoas de bem” e das aparências, que mostra em todas as ocasiões a sua superficialidade e uma vida dupla. Além disso, Adam McKay usa a metáfora do cometa e do seu efeito catastrófico para mostrar como diferentes grupos de pessoas reagem a essa notícia:
- os cientistas: a comunidade científica representada no filme de Michael Mann, esses sacerdotes de um saber feito de rigor e certezas, quando inserida no circuito midiático, parecem se corromper. A fama transforma o rigor da ciência em uma espécie de respeitabilidade midiática que visa a parecer sexy e mainstream, deixando em cada um a questão sobre onde termina a ciência e começa o narcisismo (como não pensar nas entrevistas com virologistas, médicos e cientistas em tempos de pandemia?). A ciência é pura pesquisa e verdades demonstráveis ou é um grupo de cientistas que, quando podem obter vantagens pessoais com ela, de fato se aproveitam disso?
- os políticos: a presidente Janie Orlean é politicamente indefinível, parece-se com uma Donald Trump mulher, vinda do mundo dos negócios e do entretenimento, usando um boné parecido com o do ex-presidente. Ela nunca parece competente nos temas abordados, mas sempre intui o que as pessoas querem ouvir. Parece uma silhueta republicana, mas, na mesa do Salão Oval, ela tem uma foto que a retrata abraçada em Clinton: a sátira é sobre toda a classe política de Washington, que parece mais preocupada em desempenhar um papel do que em buscar o bem do país, como que questionando também os democratas. Entre o seu braço direito, que é o filho que parece ser uma cópia ainda mais desajeitada de Ivanka, e o escândalo sexual por ter enviado fotos íntimas ao seu parceiro, que se candidatou para a Suprema Corte, ela também parece mais interessada em si mesma do que no papel que desempenha.
- os membros do aparato governamental: fiéis servidores do Estado usque ad sanguinem ou aproveitadores que revendem os lanches gratuitos da Casa Branca para obter pequenas vantagens pessoais?
- os gurus da técnica: portadores de um novo saber e bem-estar, um novo renascimento, ou pessoas que desempenham, também elas, um papel feito de bondade hipócrita e interesse pelo bem dos consumidores, mas que, na realidade, estão interessados apenas nos seus interesses? Como observa Cazzullo no jornal Corriere della Sera, “o verdadeiro vilão do filme é Peter Isherwell, o terceiro homem mais rico do mundo, rei dos celulares Bash, encerrado em uma frase maravilhosa: ‘Ele é aquele que comprou a Bíblia de Gutenberg e depois a perdeu’. Em suma, Isherwell é um Steve Jobs redivivo, com um toque de Bill Gates (as Bíblias de Gutenberg, na realidade, são dezenas, enquanto o Códice Leicester de Leonardo é um só, e é dele) e de Elon Musk: não por acaso, Isherwell tem a nave espacial já pronta para fugir da catástrofe, em busca de um planeta para transplantar a vida humana, começando obviamente pela sua. Assim como os verdadeiros donos da rede, Isherwell sabe tudo sobre nós, inclusive o modo como iremos morrer. Ele sabe até que quem se acha idealista, na realidade, não faz nada mais do que fugir da dor e buscar o prazer. E é o único que entende imediatamente que o perigo é realmente grave, mas não a ponto de desistir de tirar vantagem dele. Até porque a presidente é cera nas suas mãos de financiador e manipulador”. A sua figura, que põe em crise o saber da ciência em nome de uma técnica que parece oferecer resultados prodigiosos, como se fosse uma nova versão da magia, é uma sátira de todo aquele mundo que promete criar produtos para o bem de todos, mas que, até agora, realizou o bem de pouquíssimos às custas dos consumidores. Como não reler aquilo que as grandes plataformas e os gigantes da tecnologia da informação fizeram à economia estadunidense: Bezos com a Amazon para os pequenos varejistas e o Uber para os taxistas, reduzindo o salário médio de um motorista para baixo da linha da pobreza em nome de serem empreendedores de si mesmos.
- a mídia: um reino da superficialidade e das aparências, onde tudo se torna vazio e soft. Não se pode ser radical nem extremo, mesmo que o que se diga seja extremo por si só, como o fim da humanidade. Além disso, eles são escravos das métricas digitais e dos fatores de impacto. Não importa mais a qualidade da notícia, mas sim o quanto ela “se move” em termos de reações da esfera digital: o “curtir” vence sobre tudo. A rede pega a notícia e a transforma em um jogo sem fim entre lados opostos cheios de ódio e de leões de teclado. Em seguida, partem os complôs e as teorias da conspiração, aos quais a pandemia infelizmente nos acostumou. Uma pergunta permanece para o espectador: qual é o papel e a função da mídia em uma sociedade hiperconectada? Também aqui se trata de figuras que desempenham um papel na busca de vantagens pessoais.
- os grupos contraculturais e a classe média: silenciosa e no pano de fundo, a sociedade de massa estadunidense parece ser não mais aquele grupo de “pessoas de bem”, os caubóis louros e fortes, mas uma barriga mole que perdeu todo o impulso propulsor. Martin Luther King já havia dito: “Eu não tenho medo das palavras dos violentos, mas do silêncio dos honestos”. Mas agora só resta o silêncio. Os grupos contraculturais, artífices das denúncias dos abusos do governo nos anos estrondosos da contestação, ou capazes de dar vida à revolução digital nas garagens dos subúrbios estadunidenses também parecem extintos, e o que resta é apenas uma pequena e sinistra tentativa de lucrar por conta própria com pequenos crimes, como roubar bebidas alcoólicas em um supermercado.
O que, na minha opinião, produz um mal-estar generalizado no espectador e que leva alguns a interromperem a assistência antes do fim do filme, porém, é a manifestação daquilo que Hanna Arendt definiu como a absoluta banalidade do mal.
Antropólogos como Joseph Campbell, cujos trabalhos estão por trás de sagas que fascinaram bilhões de espectadores como “Guerra nas Estrelas”, nos ensinam que precisamos de heróis e de anti-heróis para fazer reviver nas nossas narrativas algo de profundo que habita em cada um de nós.
Campbell observa que há na literatura uma estrutura narrativa muito difundida: a jornada do herói ou monomito. Campbell a descreve no seu livro “O herói de mil faces”. A obra, publicada pela primeira vez em 1949, examina muitos arquétipos e traços comuns nas histórias e nas mitologias de todo o mundo e, desde a sua publicação, tem servido de inspiração para diversos autores e diretores. Entre eles, está precisamente George Lucas, que sempre declarou explicitamente que se inspirou nas teorias de Campbell.
Lucas conheceu Campbell pessoalmente em 1984, quando a trilogia original de “Star Wars” já estava concluída. Um amigo em comum fez as apresentações; depois de um pouco de frieza inicial por parte de Campbell, os dois se tornaram bons amigos. Campbell não tinha visto nenhum dos filmes “Star Wars”, mas remediou e gostou. Os dois ficaram amigos até a morte de Campbell em 1987.
Além desse detalhe, o que importa é que, em “Não olhe para cima”, não existe um estilo narrativo à la Campbell: faltam tanto os heróis – todos eles são demolidos pela sátira – quanto os anti-heróis. Isso nos incomoda. Não é a trama lenta ou a narrativa banal que produz uma espécie de insuportabilidade do filme em alguns, mas sim a ausência não só dos heróis, mas pelo menos também de um vilão a ser combatido.
Podemos entender que não há um herói, mas o teórico da conspiração que habita em cada um de nós não suporta que não haja um mal grande e bem identificável sobre o qual possamos jogar o nosso mal-estar. Isso também é tirado de nós. Como é possível que as coisas sejam assim, então?
Precisamos voltar a ler Hanna Arendt. Há 50 anos, no dia 11 de abril de 1961, teve início em Tel Aviv o processo contra Adolf Eichmann, o “caixeiro viajante” do Holocausto. Exatamente um ano antes, na Argentina, os serviços secretos israelenses haviam sequestrado o autoproclamado Arturo Klement, nascido no Tirol do Sul – assim estava escrito no passaporte de Eichmann – para transportá-lo clandestinamente para Israel.
O processo durou quase um ano e se concluiu com a condenação à pena de morte e o enforcamento do coronel das SS, encarnação – para Hannah Arendt, presente nas 120 audiências do julgamento, posteriormente transcritas e comentadas em um volume que já se tornou um clássico – de uma desconcertante “banalidade do mal”. O “caso Eichmann” tornou-se imediatamente uma espécie de certificação histórica da existência e da força, também comunicativa, do Estado de Israel, determinado a não delegar a mais ninguém não apenas a sua própria defesa, mas também a expiação retrospectiva dos abusos antissemitas.
Mas, ao lado desse significado, que de fato é celebrado constantemente pelo Estado judeu, havia um previsível psicodrama coletivo, originado da confissão, pela primeira vez pública, das perseguições sofridas pelos sobreviventes. Esse psicodrama espetacular, acompanhado pela imprensa internacional, também se tornou o ponto de partida para uma progressiva fabulação do Holocausto, até então inexistente. E, precisamente antes de Arendt cunhar a sua famosa definição, juízes, magistrados e sobretudo jornalistas se admiraram com o baixo perfil do acusado, certamente não construído artificialmente, já que Eichmann não renegaria nada.
Giorgio Bocca, por exemplo, enviado do jornal Il Giorno, escreveria um artigo – com um título significativo (“Ei-lo! Parece um encarregado um pouco tímido”) – sobre esse extraordinário contraste entre a lista dos crimes hediondos lida pelo promotor público e a pacata e serena compostura daquele que, durante cinco anos, havia abastecido os campos de extermínio de grande parte da Europa com “morituros”.
“Não olhe para cima” fala de catástrofes que não são fruto de uma mente superior e má, mas da indiferença de muitos ou, melhor, do pequeno e egoísta privilégio de si que cada um de nós coloca nas suas escolhas diante da vida pública. O que incomoda nesse filme é a denúncia satírica e precisa do fato de que a culpa dessa decadência também é minha e de cada um de nós.
A consumação da sociedade e das instituições parte das minhas pequenas escolhas egoístas que fortalecem e dão poder a um critério geral e generalizado em que as coisas que valem a pena serem feitas são apenas aquelas que trazem uma vantagem pessoal. Adoecemos de um egoísmo hipócrita, um egoísmo que poderíamos definir como prudente no sentido de que não se manifesta de forma grosseira e ignorante: faço o que eu quero e pronto.
O egoísmo que alimenta a absoluta banalidade do mal, até à catástrofe planetária, é feito de um “isso me convém”. Eu observo as regras e os costumes se isso me convém, mas não acredito em nada, só escolho o que me traz uma vantagem. Vemos apenas o nosso interesse, e isso torna o bem comum invisível e insustentável.
O que animou uma época de grande empenho coletivo, os anos 1960 e 1970, não foi apenas cancelado pelo hedonismo dos anos 1980, mas também ridicularizado pelo bem-estar a todo o custo destes “furiosos anos 2020”, como Alec Ross os chamaria, que, precisamente nas reflexões do autor, corroem todas as formas de contrato social.
“Não olhe para cima” responde de uma forma genial e inesperada ao conspiracionismo: simplesmente mostra que não existe um mal grande e secreto que move o mundo, com todo o respeito ao QAnon, mas simplesmente uma série de pequenos e mesquinhos interesses pessoais. Gotas de egoísmo que formam oceanos de destruição em nível planetário.
Não podemos deixar de notar um trocadilho no título do filme. “Look up”, no original, significa olhar, mas também buscar: na minha opinião, alude-se também ao complexo fenômeno da infodemia, a segunda “epidemia” causada pela Covid-19. Em tempos insuspeitos, David J. Rothkopf, jornalista do Washington Post, havia lançado esse neologismo destinado a se tornar muito atual nos dias de hoje.
Em um artigo de comentário sobre a SARS, escrito em 2003 e intitulado “When the Buzz Bites Back”, Rothkopf cunhou a palavra “infodemic” para descrever a patologia que aflige as pessoas que são inundadas por uma quantidade elevada demais de informações a ponto de ir ao encontro de uma verdadeira indigestão midiática. A multidão de notícias nas quais se encontram misturadas a boa informação e as fake news leva à desinformação. Nada mais atual, se pensarmos na dificuldade encontrada nos últimos dois anos de pandemia em desvendar as informações relativas à Covid-19.
Nesse caldeirão, porém, é preciso esclarecer que a desinformação é um conceito complexo que engloba várias nuances. Na verdade, há a desinformação propriamente dita, entendida como uma intenção consciente de jogar fumaça nos olhos, dando notícias falsas com o objetivo de corroborar as próprias teses, mas existem também a “malinformação” e “misinformação”.
No primeiro caso, notícias verdadeiras que deveriam ficar na esfera privada são difundidas para prejudicar alguém. Por outro lado, a misinformação ocorre quando se difundem informações falsas sem a real intenção de desinformar, mas apenas porque se acredita que se está de posse da verdade certificada. Este último caso, sem dúvida, é o que uma boa comunicação político-institucional, coordenada por comunicadores especializados e não improvisados, pode prevenir a fim de oferecer aos seus cidadãos as informações corretas sobre temas ligados à saúde e não só.
Se a malinformação certamente é a principal fonte de desinformação, as mídias sociais são o seu meio principal. De acordo com uma pesquisa por amostragem do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, as mídias sociais, de fato, são a fonte de 88% da misinformação em circulação.
Enquanto está emergindo cada vez mais o grande papel de responsabilidade de empresas como Facebook ou Twitter, e em geral das outras plataformas sociais, em veicularem e darem espaço a mensagens potencialmente perigosas por serem falsas ou ideológicas, os sistemas de mensagens individuais, como o WhatsApp ou o Facebook Messenger, muitas vezes também são veículos de conteúdos que escapam ao controle indireto de terceiros ou da opinião pública em geral e, portanto, se prestam muito bem a difundir notícias não verificadas em benefício desta ou daquela tese.
Algoritmos projetados para recomendar informações e produtos alinhados com as supostas preferências individuais podem criar feedbacks não controlados, no qual as preferências sobre as informações do usuário e a subsequente exposição aos conteúdos se tornam mais extremas ao longo do tempo (as chamadas bolhas). Tais dependências do percurso podem ter efeitos transformadores, modificando as preferências e os valores dos próprios usuários e levando à radicalização.
Mas o problema é mais geral. Em suma, estamos baixando os nossos processos evolutivos de busca de informações em algoritmos. Mas esses algoritmos geralmente são projetados para maximizar a rentabilidade, com incentivos muitas vezes insuficientes para promover uma sociedade informada, justa, saudável e sustentável.
O avanço do vírus caminhou de mãos dadas com um tsunami de desinformação que ainda hoje, entre antivacinas, negacionistas e ferozes opositores das medidas de precaução necessárias para evitar o aumento dos contágios, contribui para criar desconfiança e preocupação entre os cidadãos.
“Não olhe para cima” é uma sátira feroz ao que a verdade faz hoje: o sujeito que busca e encontra coisas em que gosta de acreditar é o árbitro último de uma verdade que se tornou mera emoção capaz de me convencer.
O fim do filme talvez represente a chave de leitura da obra e a perspectiva do autor, que faz dessa película (termo obsoleto no mundo digital, mas ainda cheio de fascínio) uma verdadeira sátira. A indiferença dos indivíduos e das instituições diante de uma catástrofe iminente é o que se provou fatal. A banalidade do mal é o que leva, entre um plano que poderia salvar a todos e um plano que poderia enriquecer alguns poucos, mas certamente menos seguro do que o primeiro, a escolher a segunda opção.
Os protagonistas, depois de atravessarem a tempestade de fake news, ignorância, alinhamentos e desinteresse por parte da política, entenderam que tudo estava acabado. Avistado o cometa, todos se reúnem para uma última e grande “ceia de família”, na qual decidem desligar a TV e simplesmente passar um tempo juntos. Tudo isso enquanto a operação montada pelos ricos e pelos políticos para salvar a Terra e para ganhar dinheiro vai indo aos pedaços, e, aos poucos, estes vão deixando a base para se refugiarem em uma astronave e assumirem seus lugares em uma série de cápsulas criogênicas que os levarão (com vida) para um planeta habitável, quando isso for novamente possível: cerca de 22.740 anos depois.
A colisão ocorre, e a Terra vê seu fim. No entanto, pouco antes, enquanto os protagonistas continuam conversando como se nada estivesse acontecendo, quando o impacto já é iminente, o personagem de DiCaprio diz uma simples frase, mas que nos faz compreender muito: “O fato é que nós realmente tínhamos tudo, não é mesmo?”.
Segundo Jennifer Lawrence, esse momento é um “tapa na cara” do espectador e, definitivamente, o coloca diante da realidade crua. Trata-se certamente de um discurso muito próximo de DiCaprio, muito interessado nas temáticas ambientais. Segundo ele, a partir de um ponto de vista metafórico, o filme fala precisamente disto: da falta de intervenção das instituições diante das mudanças climáticas, algo que está ocorrendo e que podemos ver com os nossos olhos, mas em relação à qual não podemos muita coisa como cidadãos individuais, se não houver um compromisso em nível nacional e mundial. Portanto, o que está no centro é precisamente essa sensação de impotência.
Entretanto, também parece haver alguma referência à pandemia em curso, com todas as teorias, os alinhamentos, a ignorância galopante, aquelas pessoas que optam por acreditar e aquelas que optam por não acreditar, as fake news e assim por diante.
Em suma, um verdadeiro resumo do nosso hoje.