12 Novembro 2021
"Não haveria pior desastre para o seu povo", observa o Dr. Liet-Kynes, lembrando as palavras de seu pai, em um momento dramático de Duna, “do que cair nas mãos de um Herói”. Enquanto jaz quase morto na areia do deserto que cobre o planeta Arrakis, o Planetólogo Imperial e Juiz da Transição, um dos personagens mais complexos e controversos do romance de 1965, ressalta de várias maneiras o aspecto mais incompreendido - em favor do tema ambiental e ecológico - de todo o ciclo de ficção científica concebido por Frank Herbert. O escritor estadunidense, de fato, pretende alertar seus leitores sobre o perigoso fascínio do herói messiânico.
O comentário é de Luca G. Castellin, professor associado de História das Doutrinas Políticas na Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Católica do Sagrado Coração, em artigo publicado por VPlus e reproduzido por Settimana News, 11-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A recente adaptação cinematográfica de Denis Villeneuve talvez represente uma oportunidade de retornar brevemente a refletir sobre a política "de" e "em" Duna. Porque a política - mas sobretudo a relação entre política e religião - é central nessa obra-prima da literatura de ficção científica, ganhadora do Prêmio Nebula e do Prêmio Hugo.
O romance de Herbert, em um futuro neomedieval e repleto de constantes referências à cultura islâmica, narra a luta pelo poder entre os valorosos Atreides e os brutais Harkonnen, tendo como pano de fundo as maquiavélicas maquinações políticas do imperador Shaddam IV da casa de Corrino. Mas também não faltam os interesses mercantilistas da Guilda Espacial, os obscuros objetivos eugênicos da ordem feminina Bene Gesserit em busca do "Kwisatz Haderach" e, acima de tudo, a força revolucionária do povo dos Fremen.
Depois da ambiciosa mas inacabada tentativa de Alejandro Jodorowsky, e do decepcionante blockbuster de David Lynch, o filme do diretor canadense - do qual aguardamos com curiosidade o segundo e decisivo capítulo, recém anunciado pela produtora - segue com paciência a ascensão inicial do jovem Paul Atreides (interpretado por um excelente Timothée Chalamet) como líder político-militar.
O filme de Villeneuve, que pelo perfil visual e sonoro é realmente notável, certamente não pode competir com a obra de Herbert na tentativa de descrever o "destino" messiânico de Paul Muad'dib (nome com o qual o descendente da casa Atreides, em busca de vingança, é venerado entre as tribos dos Fremen). Ainda assim, em alguns takes curtos, que colocam em cena os "pesadelos" que assombram o jovem, nos quais exércitos de fanáticos cantam hinos em seu nome e acendem a chama da jihad por todo o universo, até mesmo em Villeneuve podem ser percebidas - e esperemos não ficar desapontados com a sequência - justamente aquelas preocupações sobre os "falsos messias" ou "super-homens" que Herbert pretendia transmitir.
A história de Paul Atreides (Muad'dib) não é simplesmente uma tragédia grega em escala individual e familiar, mas uma tentativa de alertar sociedades inteiras contra confiar muito poder a um líder militar e carismático, a um herói aparente que pode conduzir através de suas arrogâncias também as comunidades políticas à ruína e o mundo inteiro à destruição.
“Os líderes carismáticos”, observa Herbert em entrevista à televisão, “amplificam os erros”, e as “estruturas de poder” constituídas por seus seguidores “tendem a ser dominadas por pessoas que são corruptíveis”, porque não é apenas o “poder absoluto” que corrompe o ser humano, mas é o “poder” em si mesmo “que atrai aqueles que se deixam corromper”.
Como todo romance de ficção científica, também Duna representa uma crítica à realidade existente, um apelo lúcido para prestar atenção ao fato que uma utopia feliz não se transforme logo em uma distopia violenta. De fato, não é por acaso que, após sua obra prima, Herbert publicou dois outros romances, Messias de Duna (1969) e Os filhos de Duna (1977), nos quais continua a história de Paul Atreides (Muad'dib), mas em que regista sobretudo os resultados fracassados. Precisamente nesse fracasso é possível apreender um motivo distintivo que aparece em toda a narrativa do escritor estadunidense: isto é, a figura do "falso" messias.
Por isso, relembrando a inspiração original de Duna, Herbert observa como a obra de 1965 "começou com uma ideia", ou seja, "fazer um longo romance sobre as convulsões messiânicas que periodicamente atingem as sociedades humanas". "Eu tinha esta teoria", continua ele, "de que os super-heróis eram desastrosos para os seres humanos, que mesmo que um herói infalível fosse postulado, as coisas que esse herói colocava em movimento acabavam caindo nas mãos de mortais falíveis." E, portanto, Herbert conclui, "que melhor maneira para destruir uma civilização, uma sociedade ou uma raça do que levar as pessoas para as oscilações selvagens que se seguem a entrega de seu juízo e de suas faculdades de decisão a um super-herói?".
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“Duna”. O perigoso fascínio do herói messiânico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU