17 Fevereiro 2022
É possível partir de um evento decididamente menor, para acabar falando de grandes temas. E é possível aludir a algo que nos interessa, falando de outra coisa. Por exemplo, falar sobre o papel das mulheres na Igreja, no passado, mas olhando para o presente e, sobretudo, para o futuro. É o que está sendo feito pela historiadora e teóloga Adriana Valerio com as colegas Angela Russo, Nadia Verdile e Cristina Simonelli no livro coletivo L'Anticoncilio del 1869. Donne contro il Vaticano I (O Anticoncílio de 1869. Mulheres contra o Vaticano I, em tradução livre, editora Carocci). Elas analisam um pequeno evento secundário, mas porque estão interessadas em falar sobre o concílio, aquele verdadeiro.
A reportagem é de Francesco Grignetti, publicada por Donne Chiesa Mondo, fevereiro de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que foi o Anticoncílio, realizado no teatro San Carlo de Nápoles em 8 de dezembro de 1869, coincidindo com a abertura do Concílio Vaticano I, foi basicamente isto: uma iniciativa de pura contraposição, gerida por maçons, livres pensadores e os mais variados anticlericais. Durou dois dias: em 10 de dezembro, durante a segunda sessão, o Anticoncílio foi dissolvido pelas forças da ordem.
L'anticoncilio del 1869. Donne contro il Vaticano I
A época era o pleno Risorgimento. Pio IX, o último papa-rei, soberano do estado pontifício, convocou o concílio que enviou um sinal ao mundo inteiro com o dogma da infalibilidade do pontífice romano em matéria de fé e moral.
Os inimigos da Igreja, que a consideravam o último obstáculo à unificação nacional, interpretaram o Concílio em sentido "político". E assim o deputado garibaldino Giuseppe Ricciardi convocou todos os seus contatos na Itália e no resto da Europa para que houvesse um contraponto. Um Anticoncílio, justamente. Em particular, apelou às mulheres, considerando que fossem aliadas naturais na luta contra a tirania e pelo triunfo, como se dizia então, "da verdade e da razão".
De fato, na segunda metade do século XIX, já havia começado aquele movimento emancipacionista das mulheres, que algumas décadas mais tarde veria os primeiros sucessos das sufragistas. E, assim, para Ricciardi e os livres pensadores, a mulher precisava primeiro escapar totalmente da influência das hierarquias eclesiásticas.
Este é o ponto de partida para a reconstrução de Adriana Valerio e das demais historiadoras e teólogas. Do movimento de opinião feminina que seguiu o apelo de Ricciardi. Centenas de mulheres se agregaram "e pediram - escreve ela - entre outras coisas, trabalho para todos e educação obrigatória para combater a ignorância, laicidade como garantia da liberdade de consciência, separação entre Igreja e Estado, emancipação da mulher, a quem conceder os mesmos direitos do homem". Muitas delas, inclusive, eram fiéis que pediam à Igreja igual dignidade por serem batizadas da mesma forma que os homens. Instâncias e desejos que "foram desatendidos", comenta Valerio.
Algumas abandonaram a prática religiosa. Outras aderiram a diferentes formas de vida eclesial. Uma foi Cristina Trivulzio, patriota e intelectual de Milão. Outra foi a nobre napolitana Enrichetta Caracciolo, freira que já havia saído do mosteiro e retornado à vida secular movida pelo ímpeto garibaldino, e que aderiu à igreja cristã metodista. Outra ainda foi Amalie von Lasaulx, irmã Augustine, admirável enfermeira nas guerras germano-dinamarquesas e depois germano-austríaca, diretora do hospital de Bonn, que foi marginalizada por se opor ao dogma da infalibilidade e, não tendo se retratado, foi expulsa da congregação.
A história das mulheres no cristianismo e na Igreja e da exegese feminina é tema dos estudos de Adriana Valerio há décadas. Sempre com um olhar projetado sobre a atualidade. Mesmo agora que está em andamento o processo sinodal que levará à celebração do Sínodo dos Bispos prevista para 2023 com um tema absolutamente exigente como "Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão". Adriana Valerio declara: “O Sínodo é uma das grandes ocasiões para envolver toda a comunidade eclesial. A questão feminina, à qual está ligado o debate sobre os ministérios, é um dos problemas fundamentais”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Mulheres no Anticoncílio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU