Um olhar sobre o passado talvez possa ajudar a compreender os motivos profundos dessa emoção primária de defesa que os homens expressam ativando práticas de negação ou de marginalização das mulheres. Principalmente porque nem sempre foi assim.
A opinião é de Adriana Valerio, historiadora e teóloga italiana, professora de História do Cristianismo e das Igrejas na Universidade Federico II de Nápoles, autora do livro “Donne e Chiesa. Una storia di genere” [Mulheres e Igreja. Uma história de gênero] (Ed. Carocci), e “Il potere e le donne nella Chiesa” [O poder e as mulheres na Igreja] (Ed. Laterza).
O artigo foi publicado no caderno Donne Mondo Chiesa, do jornal L’Osservatore Romano, de março de 2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No fim dos anos 1300, um preocupado confessor, Jean le Graveur, começou a transcrever as visões de Hermínia de Reims, uma jovem viúva considerada “fora de si”. A partir daqueles sonhos imaginativos, emergia uma mulher que desejava sair dos estreitos muros domésticos e girar o mundo, que esperava se casar de novo e desejava se libertar do severo controle do confessor para ter um diálogo mais livre com Deus.
O estudo desse antigo manuscrito, que chegou até nós com o comentário do refinado historiador André Vauchez, destaca o medo dos homens do passado em relação a qualquer manifestação da autonomia feminina, isto é, a dificuldade de aceitar espaços de liberdade para as mulheres: os sonhos de Hermínia, de fato, foram julgados como o resultado de tentações demoníacas.
O medo em relação às mulheres foi, e ainda é em muitos contextos, um dos grandes medos do Ocidente. Isso também é verdade na Igreja? E em que medida?
Já a partir do Concílio Vaticano II, o Magistério mostrou uma nova atenção e sensibilidade para com as mulheres, defendidas na sua dignidade e valorizadas por aquilo que João Paulo II definiu como “gênio feminino”, mas ainda resta muito a ser feito para superar resistências e preconceitos.
O próprio Papa Francisco afirmou recentemente que “devemos seguir em frente para inserir as mulheres nos postos de conselho, também de governo, sem medo”, mostrando, nas entrelinhas, quantas dificuldades ainda existem em aceitar uma plena, autorizada e responsável participação feminina na vida da Igreja.
O medo ainda existe. Mas em que consiste esse temor em relação às mulheres?
Um olhar sobre o passado talvez possa ajudar a compreender os motivos profundos dessa emoção primária de defesa que os homens expressam ativando práticas de negação ou de marginalização. Principalmente porque nem sempre foi assim.
Certamente, Jesus não tinha medo das mulheres. Pelo contrário, a partir dele teve início a liberação feminina mais radical. De fato, ele entrou em um diálogo empático com as mulheres, oferecendo escuta, participação afetiva, espaços de ação; a elas, assim como aos homens que o seguiam, ele dirigiu mensagens de salvação, anunciou as exigências do Reino, pediu escolhas radicais.
As mulheres não eram consideradas uma categoria à parte, a serem marginalizadas ou dignas de pena, e, com o Mestre da Galileia, elas compartilhavam vida, expectativas e ações. Por isso, os discípulos se constrangiam e não entendiam o seu modo de se relacionar maduro e equilibrado com o gênero feminino e, sobretudo, tinham dificuldade em aceitar o fato de ele ser livre de condicionamentos e tabus.
De fato, se na cultura judaica o corpo feminino era mantido sob controle para não contaminar o sagrado (Números 15,38) e, portanto, era excluído das atividades de culto por meio de rígidas normativas, com Jesus ele não é mais lugar e causa de segregação e de exclusão, porque nada pode tornar impura uma pessoa, senão o mal que ela faz e que nasce do íntimo do seu coração desviado (Marcos 7,15).
Do mesmo modo, ele se mostrou alheio a qualquer limitação preconceituosa: hoje, nós o chamaríamos de um homem inclusivo. Ele expressa isso bem no diálogo com a samaritana, no qual explicita como a presença de Deus não está ligada a um lugar sagrado (o Templo) e como a relação com o transcendente não é privilégio de uma etnia (a judaica), de uma condição social ou religiosa (o ministro do culto) ou de um sexo (o masculino), mas é possível a toda pessoa que saiba acolhê-lo “em espírito e verdade” (João 4,23).
Posteriormente, os seguidores de Jesus nem sempre foram coerentes com o seu comportamento livre: “Ficavam admirados de ver Jesus falando com uma mulher” (João 4,27), ressentiam-se e mostravam ciúme da autoridade da Madalena (vejam-se também os textos gnósticos), repropunham papéis tradicionais (“Vocês, esposas, sejam submissas a seus maridos”) e antigas estruturas patriarcais (“A mulher deve ficar em silêncio, com toda a submissão. Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem”, 1Timóteo 2,11-12). Porém, nas comunidades das origens, encontramos mulheres, como Lídia de Filipos, Tabita, Priscila, Cloé, Ninfa, que ofereciam hospitalidade nas suas casas, verdadeiros lugares de acolhida, de oração e de evangelização, ou cristãs comprometidas no campo da caridade, do diaconato, da catequese, da evangelização, da missão e do apostolado, como as mulheres mencionadas com respeito e gratidão pelo apóstolo Paulo: a diaconisa Febe, as missionárias Priscila, Evódia e Síntique, a apóstola Júnia, as evangelizadoras Trifena, Trifosa e Pérside, as benfeitoras Ápia e Ninfa.
Mas nem essa presença de mulheres ativas e colaboradoras, nem o exemplo de Jesus foram determinantes para dar uma estrutura inclusiva à Igreja nascente, que abraçou a cultura e as estruturas patriarcais dominantes nas sociedades vizinhas, com as quais entrou em contato. Madalena logo foi esquecida (São Paulo sequer a menciona) e deturpada (de discípula, tornou-se, a partir de Gregório Magno, uma prostituta arrependida), as diaconisas se revestiram ao longo do tempo de um papel cada vez mais marginal, a profecia feminina foi sufocada, as mulheres foram devolvidas ao seu papel de esposas submissas, o corpo das mulheres voltou a ser um tabu.
Os antigos autores cristãos compartilhavam substancialmente a antropologia da cultura greco-romana, que colocava no centro a superioridade do homem e foram substancialmente concordes em reiterar a imperfeição e a insuficiência da natureza da mulher, nascida para ser submissa ao homem. E, para Santo Agostinho, se os dois sexos haviam sido criados à imagem de Deus em uma substancial igualdade espiritual, a subordinação feminina, no entanto, era determinada pela ordem da criação. Essa concepção atravessou o cristianismo, fortalecida pelo encontro com a antropologia de Aristóteles: o gênero masculino era modelo do humano, e a mulher, um homem fracassado.
Tal visão foi acolhida e integrada na filosofia escolástica e, especificamente, na teologia de Tomás de Aquino, constituindo, ao longo dos séculos, o fundamento da inadequação do gênero feminino tanto para desempenhar as tarefas de poder, quanto para representar a própria imagem de Deus.
O escasso conhecimento da fisiologia feminina e o medo de ser contaminado por uma pessoa portadora de impurezas aumentaram os temores masculinos em relação à sexualidade da mulher, a ser mantida sob controle e longe dos lugares sagrados. Lembremos o franciscano Álvaro Pelayo, que, no “De statu et planctu ecclesiae”, expôs 102 motivações para demonstrar não só a inferioridade, mas também a periculosidade da mulher, “origem do pecado, arma do diabo, expulsão do paraíso, mãe do erro, corrupção da lei antiga”.
A obsessão pelo corpo feminino, desejado e ao mesmo tempo recusado e rejeitado, compareceu com força nos tratados contra as bruxas, manifestando um crescente medo em relação às mulheres, que, por alguns séculos, se tornaram bodes expiatórios de antigas e profundas angústias.
Mesmo a lei do celibato eclesiástico, que se afirmou no século XII durante um consolidado processo de institucionalização da Igreja, favoreceu inevitavelmente a afirmação de uma concepção negativa da mulher, que era afastada dos lugares sagrados por ser considerada impura. A contínua transgressão por parte do clero levou o Concílio de Trento a implementar uma abordagem educativa mais ampla e apropriada, visando, através da instituição dos Seminários, à formação espiritual e cultural do clero, severamente educado e separado do mundo leigo.
Um sinal eloquente disso foi a pedagogia de Paolo Segneri, que identificava na mulher o ponto máximo de periculosidade; dizer corpo significava indicar uma armadilha permanente para a vida virtuosa. Eis, então, o incremente de uma preceptística em que a suspeita de pecado pesava sobre a própria natureza da mulher percebida como ameaçadora e que caracterizaria a Igreja da Contrarreforma até o limiar do Concílio Vaticano II.
Certamente, a devoção mariana ajudou a redescobrir a dignidade da mulher e inspirou alguns fundadores, incluindo Guilherme de Vercelli, a projetar uma comunidade dupla (masculina e feminina), liderada por uma mulher, a abadessa. É o caso do Mosteiro de Goleto e da sua apaixonante história, cujos vestígios ainda hoje são visíveis em Irpinia.
Mas, mais ainda, há exemplos na história da Igreja de uma fecunda amizade entre homens e mulheres. Não se poderia compreender de outra forma o entendimento profundo e intenso entre Clara e Francisco de Assis, que propõem e vivem uma fraternidade-sororidade em que encontra acolhida qualquer pessoa que queira seguir o Cristo pobre e deseje estabelecer relações de apoio mútuo.
Não se poderiam compreender as múltiplas experiências de vida religiosa, como as nascidas do trabalho comum de Francisca de Chantal com Francisco de Sales, de Luísa de Marillac com Vicente de Paulo, de Leopoldina Naudet com Gaspar Bertoni, para citar algumas.
Não poderíamos nos valer hoje de comunidades inovadoras nascidas das provocações proféticas da missionariedade se não houvesse casais de fundadores como Maria Mazzarello e Dom Bosco, Teresa Grigolini e Daniel Comboni ou Teresa Merlo e Tiago Alberione.
E não entenderíamos as tantas amizades que se alimentaram da fé e de paixões comuns.
Como não recordar, para chegar a tempos mais próximos de nós, o caminho místico que uniu Adrienne von Speyr a Hans Urs von Balthasar e o ativismo cultural de Romana Guarnieri que ligou indissoluvelmente a sua vida do Pe. Giuseppe de Luca?
Esses exemplos citados foram marcados por relações intensas de profunda consonância, de afeto íntimo e sincero, de místico pudor. O amor, ao se sentir arraigado em Cristo, torna-se superação dos medos, espaço de liberdade e de amadurecimento, reformulando as relações entre mulher e homem na dimensão amical do apoio mútuo.
Ainda faz sentido hoje falar de medo das mulheres? Ninguém mais acredita em bruxas, e os medos da humanidade foram catalisados por bodes expiatórios bem diferentes. Finalmente, afirmou-se uma cultura de gênero antidiscriminatória, e o Papa Francisco iniciou um processo fundamental de desclericalização na nossa Igreja, solicitando continuamente a presença significativa das mulheres nas estruturas da comunidade eclesial.
Apesar das muitas mudanças culturais das quais somos partícipes, porém, as instituições eclesiásticas custam a aceitar as mulheres em papéis de responsabilidade. Provavelmente porque não se trabalhou o bastante na formação do clero, que, às vezes, como afirmou recentemente o cardeal Marc Ouellet, “não tem uma relação equilibrada com as mulheres”, porque não foi educado para interagir com elas através de trocas e debates.
Então, seria necessária uma profunda obra pedagógica em relação aos homens, que deveriam refletir sobre si mesmos e sobre a sua masculinidade muitas vezes violenta, sobre a dificuldade de acolher as diversidades e as fragilidades humanas, e sobre a complexidade de pôr em comum com o outro sexo sentimentos e projetos. Deveriam aprender a amar as mulheres, reconhecendo-as como singularidade, aceitando compartilhar com elas a autoridade e a responsabilidade.
Talvez, então, seria oportuno retomar a visão poética e utópica de alguns textos sagrados. De fato, no relato mítico das origens, o encontro de Adão com Eva não é marcado pelo medo, mas pela maravilha pela descoberta de um “tu” para se espelhar. No mesmo horizonte poético, situa-se o Cântico dos Cânticos, que retoma e exalta a reciprocidade dos gêneros em um extraordinário canto de amor, em que é a mulher, autônoma e responsável, que se reconhece no homem, que depõe o seu comportamento prevaricador para encontrar abrigo nela.
No amor, as lógicas da dominação desvanecem, e o medo não tem razão de ser.