20 Dezembro 2021
O jornal indica 251 casos de violência contra menores cometidos entre 1943 e 2018. Francisco encarregou a Congregação para a Doutrina da Fé de coordenar a investigação.
A reportagem é de Alessandro Oppes, publicada por La Repubblica, 19-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Foi necessário o trabalho profundo e minucioso de um grupo de repórteres do El País para quebrar o muro de silêncio diante dos abusos sexuais contra menores cometidos por religiosos e leigos da Igreja Espanhola nas últimas décadas. Para evitar o risco de novos encobrimentos, o rico dossiê - 385 páginas detalhando 251 casos referentes ao período entre 1943 e 2018 - foi entregue pessoalmente ao Papa pelo enviado do jornal, o correspondente de Roma Daniel Verdú, no voo que levava o pontífice para sua última missão à Grécia e ao Chipre no início de dezembro.
A resposta de Francisco foi quase imediata: ele encaminhou a documentação à Congregação para a Doutrina da Fé, encarregada de coordenar as investigações de todos os casos de pedofilia no mundo católico. Mas uma cópia do relatório também foi entregue pelo El País ao cardeal Juan José Omella, o arcebispo de Barcelona que preside a Conferência Episcopal espanhola, um fidelíssimo de Bergoglio que implementou uma virada na gestão da cúria local.
O trabalho investigativo do El País, iniciado em 2018 nos moldes da investigação conduzida pela equipe investigativa Spotlight vencedora do Boston Globe, premiada com o Pulitzer, que ficou famosa graças ao filme vencedor do Oscar de Tom McCarthy, permitiu a criação de um banco de dados, até então inexistente, sobre todos os casos de abusos até agora conhecidos, com indicação, província por província, de todos os membros do clero e de todas as instituições religiosas envolvidas. No momento, estão envolvidas 31 dioceses e 31 ordens religiosas, mas o arquivo está em constante atualização também porque o jornal disponibilizou um endereço de e-mail - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. - para as indicações. E é graças a essa iniciativa que muitas vítimas, mesmo décadas depois, decidiram falar, contar o pesadelo vivido durante a adolescência.
As histórias são verificadas, uma a uma, e inseridas no dossiê quando são recolhidos elementos suficientes para indicar a sua veracidade, levando em consideração apenas os testemunhos diretos de vítimas e testemunhas. Isso costuma acontecer com relativa facilidade, porque em muitos institutos religiosos os abusos e as violências - por muito tempo encobertos - eram um segreto a voces, no sentido de que todos sabiam de sua existência, mas ninguém fazia nada para impedi-los.
Os 251 casos indicados pelo jornal, somados aos conhecidos até agora (em parte também resultado de investigações de outras mídias espanholas), somam atualmente 602 casos, cada um com referência direta a um religioso envolvido, para um total de 1.237 vítimas. Um número provavelmente destinado a se multiplicar - poderiam ser vários milhares - também porque estão surgindo testemunhos de que muitos professores abusavam não apenas de um aluno, mas de uma classe inteira.
Diante dessas denúncias, que poderiam ser apenas a ponta do iceberg de um escândalo muito mais amplo, Francisco decidiu intervir prontamente. E em resposta às perguntas do El País, a Santa Sé confirmou esta manhã que o Papa quer manifestar a sua "atenção e proximidade" às vítimas da pedofilia "com palavras, orações e gestos". Gestos que poderiam causar um terremoto na Igreja espanhola, dado o impressionante número de prelados envolvidos no encobrimento dos abusos.
Em alguns casos as histórias eram de conhecimento da hierarquia que encobria os responsáveis, em outros os religiosos envolvidos eram transferidos, às vezes até para o exterior, para retirá-los de uma possível ação da justiça. El País lista 25 com nome e sobrenome. E existem algumas das figuras mais proeminentes da Igreja espanhola das últimas décadas. A começar pelo ex-arcebispo de Madrid e ex-presidente da Conferência Episcopal, Antonio María Rouco Varela, muito próximo de Bento XVI, e os ex-arcebispos de Barcelona, Ricard Maria Carles e Lluís Martínez Sistach.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Pedofilia, o Vaticano abre a investigação sobre os abusos na Espanha graças ao dossiê entregue pelo “El País” ao Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU