07 Dezembro 2021
Estamos há cerca de 10 meses do processo eleitoral que irá escolher os novos representantes do país nas esferas federal e estadual. Desde já, o assunto protagoniza não apenas as discussões nas colunas de política, mas também tem influenciado diretamente em alguns movimentos recentes do atual governo, muitos deles com impacto direto na economia – e aí chegamos à atividade do mercado de reposição.
O fato é que ano de eleições gerais sempre pode trazer consequências para o Aftermarket Automotivo. Em meio ao início deste furor em torno das eleições, alguns pré-candidatos à cadeira presidencial começam a se apresentar para uma população ávida por respostas para problemas cada vez menos abstratos: o desemprego; a falta de comida na mesa; e até as dificuldades para abastecer os tanques dos automóveis ou mesmo encontrar um carro 0km à venda.
Pensando em oferecer insights e, quem sabe, algumas respostas para nossos leitores, convidamos o professor da Universidade de Brasília e doutor em economia pela UFRJ José Luís Oreiro para analisar alguns dos temas que irão protagonizar o debate eleitoral, bem como para dissertar sobre suas expectativas em relação aos planos econômicos que devem ser apresentados no próximo ano. Além disso, solicitamos que o acadêmico refletisse sobre a condução da economia por parte do Governo Federal e para apresentar alternativas a algumas principais mazelas nos dias atuais.
Entre todos os pontos abordados por Oreiro, uma questão ficou clara: para o especialista, é fundamental que o Estado intervenha muito mais na criação de novos postos de trabalho do que na aposta em programas simples de transferência de renda. “A dignidade não é só ter dinheiro para comer, mas ganha-lo com seu próprio trabalho. E o governo tem um papel fundamental na criação de empregos, não pode deixar essa missão apenas para o setor privado”, analisou o entrevistado.
A entrevista com José Luís Oreiro é de Lucas Torres, publicada por Novo Varejo, 06-12-2021.
O fato de a questão econômica ter estado tão tangível no bolso do cidadão em geral pode fazer com que este seja o grande tema das eleições de 2022?
O Brasil já está há muito tempo, desde 2015, com taxas de desemprego na casa de dois dígitos. E mais recentemente isso foi agravado pelo fato do impacto da covid-19 no mercado trabalho ter sido catastrófico. No período, tivemos a saída de cerca de 4 milhões de pessoas que estavam inseridas no mercado de trabalho até então. Pessoas essas que não voltaram até agora.
Nós devemos ter, hoje, por volta de 18 milhões de pessoas desocupadas. Sem contar as desalentadas (aquelas que desistiram de procurar emprego), as que perderam menos horas do que desejariam e etc. Isso chega a um contingente de mais de 30 milhões de famílias. Se pensarmos em uma família de três pessoas, estamos falando de cerca de 90 milhões de pessoas que estão sofrendo as consequências do desemprego.
Como agravante temos a inflação que se acelerou muito em 2021. Principalmente a inflação para os mais pobres, que foi mais acentuada do que para os mais ricos. Este cenário tem feito o aumento da miséria ser cada vez mais visível nas grandes cidades brasileiras. Aqui em Brasília (DF) esse impacto é extraordinário. Em questão de seis meses, a miséria, digamos, visível a ‘olho nu’, aumentou dramaticamente com pessoas pedindo dinheiro na rua. Então, é evidente que a questão fundamental no debate presidencial de 2022 será inflação e desemprego.
Você acredita que teremos diferenças significativas entre os planos econômicos dos principais candidatos à eleição presidencial de 2022 ou todos seguirão uma linha semelhante?
Bom, eu acho que vamos ter diferenças. A ditadura do pensamento único, ‘liberal’, que se impôs no país desde 2015, ditadura essa que foi cristalizada com a agenda ‘Ponte para o Futuro’ que balizou a condução econômica do governo Michel Temer – com pautas como Reforma Previdenciária e teto de gastos – fracassou. Ela não foi capaz de cumprir o que prometia: gerar crescimento econômico, gerar empregos e, portanto, desagradou a imensa maioria da população.
Somado a isso, temos a conjuntura internacional. Antes da covid-19, já estava ocorrendo no mundo um grande debate sobre a necessidade do aumento do investimento público e da intervenção do Estado na economia, seja para gerar emprego – já que os índices de desemprego na Europa estão muito elevados desde 2008, seja para fazer a descarbonização da economia ou mesmo para enfrentar a ameaça comercial vinda da China. Com a covid-19 isso ficou mais forte. Basta a gente ver os três pacotes do governo Joe Biden (presidente dos EUA) que mostram uma redefinição do papel do Estado na Economia.
Dado isso, eu acho que vai haver, sim, bastante divergência entre os planos de governo. Teremos, provavelmente, o candidato Ciro Gomes com um projeto nacional desenvolvimentista. O Lula com uma coisa ao ‘estilo Biden’, lembrando que o Nelson Barbosa, que trabalhou com o Lula, lançou recentemente o livro ‘Biden nos trópicos’. E vai ter o Sergio Moro que vai ser uma reedição do liberalismo do Paulo Guedes, com o Afonso Celso Pastore, que foi presidente do Banco Central do Brasil durante o período militar. Teremos, então, ao menos três agendas diferentes em termos de discussão de política econômica.
Como você avalia a política econômica do atual governo? Tivemos pontos positivos? Quais foram os principais erros?
A política econômica do atual governo é, na verdade, uma tentativa de continuação do que foi implementado pelo programa ‘Ponte para o Futuro’ durante o Governo Michel Temer. A promessa era que as reformas liberalizantes seriam aprofundadas com privatizações e etc. Mas, na prática, o governo acabou não conseguindo passar essas reformas no Congresso. Para resumir brevemente: eu diria que foi um fracasso econômico retumbante.
Você acredita que a atual crise inflacionária se deve majoritariamente ao cenário internacional ou poderíamos ter feito um trabalho interno melhor para diminuir esse impacto da alta dos preços pulverizada pelos segmentos?
De fato, a aceleração da inflação é um fenômeno mundial. No acumulado dos 12 meses, a inflação nos EUA passa dos 6%. Já na área do Euro ela está em torno de 4% – tudo em 2021. Isso se deve, basicamente, à retomada rápida do nível de atividade econômica na China, nos EUA e na Europa, somada com problemas temporários do lado da oferta que foram produzidos pela pandemia da covid-19.
Houve também a redução da produção de petróleo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que fez com que o preço do petróleo aumentasse. Tudo isso está causando uma inflação baseada em um fenômeno de choque de oferta, mas cuja expectativa é que seja um problema temporário. Tanto é assim que, ao contrário do que foi feito pelo Banco Central do Brasil, essas instituições simplesmente não moveram suas taxas de juros.
Agora, quando falamos do nosso movimento de inflação, temos fatores domésticos que estão por trás dessa maior elevação dos preços no Brasil. Isso vem dos efeitos das medidas do atual governo na política ambiental, nas relações comerciais e no combate à pandemia – que elevaram a percepção de incertezas junto aos investidores internacionais e, com isso, provocaram uma fuga de capitais do Brasil. Tal cenário nos levou a ter uma desvalorização muito forte da taxa de câmbio, o que acabou acelerando a inflação. Outros fatores foram a crise hídrica em 2020, que pressionou a oferta de alimentos negativamente, e o desmonte dos estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).
Você pode falar um pouco mais sobre essa questão da CONAB, já que é um tema pouco citado pelos analistas?
Claro. O Brasil entrou na crise da covid-19 sem estoque de alimentos, o que nos impediu de fazer a regulação interna do preço desses produtos. Isso se agravou diante do fato de o Brasil ter exportado muito no início da pandemia – sobretudo produtos como arroz e soja, os quais teve de, mais tarde, importar uma parcela de volta a um preço muito mais alto. Se tivéssemos estoque e se o governo tivesse posto limite na exportação de alimentos, estaríamos sofrendo menos com uma pandemia que pressiona demais a cadeia de produção.
Alguns analistas apontam que a alta da inflação, somada a uma taxa de desemprego elevada, sugere a necessidade de uma ênfase maior em programas de transferência de renda para garantir o sustento mínimo da população. Você concorda com esse ponto de vista?
O que eu acho que a gente precisa fazer é criar emprego e não necessariamente um programa de transferência de renda. Neste sentido, seria importante termos programas de infraestrutura – que são altamente intensivos em mão de obra – e gerariam muito emprego e muita renda. Existem estudos sobre isso.
E eles mostram que o multiplicador do investimento público é o mais alto, ou seja, é o que dá mais retorno. Eu focaria em um grande programa de infraestrutura – uma espécie de ‘New Deal’, como fez o ex-presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, nos anos 30, para lidar com a grande depressão de 1929. A dignidade não é só ter dinheiro para comer, mas ganha-lo com seu próprio trabalho. E o governo tem um papel fundamental na criação de empregos, não pode deixar essa missão apenas para o setor privado.
Suponhamos que você fosse convidado para desenhar a política econômica de um candidato à presidência da república. Quais seriam os pilares de sua proposta?
Bom, os pilares da minha proposta seriam:
1º ponto: Programa de geração de empregos. Como disse, criaria um vasto programa de geração de empregos com base em infraestrutura, mobilidade urbana, descarbonização da economia, serviços ambientais, saneamento básico e etc. Afinal, é fundamental tirar esses milhões de pessoas da condição de desocupação.
2º ponto: Reformas estruturais. Precisamos, sobretudo, de uma boa reforma tributária que envolva não só os impostos indiretos, mas também os impostos diretos, como manda a PEC 35 de autoria do deputado Baleia Rossi. Precisamos de tributação sobre lucros e dividendos, alíquota sobre heranças e também uma revisão dos impostos sobre propriedade (IPTU, IPVA e o ITR), de maneira a aumentar a receita fiscal de forma significativa.
3º ponto: Política de reindustrialização da economia brasileira. Sem indústria, o Brasil vai ficar eternamente como um país de renda média e caindo cada vez mais até se tornar um país pobre. Para reindustrializar, a gente precisa de: uma política de Ciência e Tecnologia; uma política industrial bem desenhada que tenha como objetivo reduzir o hiato tecnológico do país que aumentou nos últimos 15 anos; e uma política inteligente de comércio exterior que consiga aumentar o acesso das empresas industriais brasileiras aos mercados de países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
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Inflação e desemprego devem ser pautas centrais das eleições em 2022 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU