09 Julho 2021
"A transição evoca a imagem da travessia, a passagem de uma margem a outra do rio. Mudamos de lado, mas o rio continua o mesmo: a mesma água, a mesma correnteza, a mesma fauna, a mesma flora. Além da metáfora, a transição ecológica muda nossa tecnologia, a nossa forma de produzir, até mesmo a nossa forma de consumir, mas deixa inalterada a nossa hierarquia de valores, a nossa filosofia de vida, o nosso conceito de felicidade, a nossa visão organizacional do privado e do social. Em vez disso, é precisamente uma nova orientação cultural, que então se torna orientação econômica, aquilo de que precisamos", escreve o ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo, de Vecchiano, na Itália, e um dos fundadores, junto com o Pe. Alex Zanotelli, da Rede Lilliput, em artigo publicado por Avvenire, 08-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
As desigualdades agora se medem em termos de impacto na natureza, com a pegada ambiental e de carbono. Precisamos de uma espécie de mudança de estado que imprima um movimento completamente diferente à nossa forma de conceber a vida e de organizar toda a nossa existência. “A época em que estamos vivendo é cheia de contradições e oportunidades”, começa assim a mensagem da CEI para o 16ª Jornada da Criação, de 1 de setembro de 2021. Na sua continuação deixa claro que a oportunidade consiste “em abandonar um modelo de desenvolvimento consumista que aumenta as injustiças e desigualdades, para adotar outro centrado na fraternidade entre os povos”.
A confirmação de que a degradação ambiental em que estamos imersos tem o agravante da iniquidade porque foi provocada não para garantir dignidade a todos, mas o privilégio a poucos. Antes as desigualdades eram medidas apenas em termos de renda, agora que entendemos que estamos em um mundo de disponibilidade limitada, as desigualdades são cada vez mais medidas em termos de impacto sobre a natureza. Com dois indicadores básicos: a pegada ecológica e a pegada de carbono. A primeira para medir a quantidade de recursos utilizados na forma de terras férteis, a segunda para medir a quantidade de resíduos produzidos na forma de dióxido de carbono.
Em ambos os casos, as estatísticas revelam grandes desigualdades entre nações e entre classes. Falando em CO2, varia de 17 toneladas per capita por ano, emitidas nos Estados Unidos, a 0,53 no Sudão, passando para 5,7 no caso da Itália. Mas as médias sempre escondem profundas diferenças. Na União Europeia, a pegada per capita média é de 6,5 toneladas, mas aquela do 1% mais rico é onze vezes maior do que a dos 50% mais pobres.
Desigualdades que não dizem mais respeito apenas à UE ou à América do Norte, mas a todo o mundo, porque a dos super-ricos é uma classe transnacional que ultrapassa todas as fronteiras. Em conclusão, os 10% mais ricos da população mundial produzem 49% de todo o CO2 emitido pelos consumos mundiais, os 50% mais pobres apenas 7%. E hoje, quando a concentração de CO2 na atmosfera chega a 412 partes por milhão, com profundas consequências no clima e, portanto, no nível dos mares, na produtividade agrícola, no volume dos rios, são os mais pobres que pagam as consequências. Não apenas porque estão menos equipados para enfrentar as calamidades, mas porque veem sua possibilidade de resgate desvanecer para sempre.
Não para participar do banquete das futilidades, mas para desfrutar pelo menos do essencial. Temos a tendência a pensar que a crise ambiental é apenas de tipo climático, por isso basta passar das energias fósseis às renováveis e resolvemos o problema. Na realidade, a crise é muito mais ampla, tanto que pode criar obstáculos à própria transição energética.
Recentemente, a IEA, a Agência Internacional de Energia, publicou dois relatórios: um sobre o caminho a ser seguido para conter o crescimento de CO2, o outro sobre os obstáculos que o caminho alternativo corre o risco de encontrar. O caminho indicado é preferir a eletricidade como fonte de energia, também para os transportes, desde que seja gerada a partir de fontes renováveis. No entanto, os limites que essa estrada corre o risco de encontrar estão ligados aos minerais que as novas tecnologias exigem, especialmente para a mobilidade elétrica. Cobre, lítio, cobalto, níquel são metais pouco abundantes, que além disso requerem muita energia e muita água para os processos de fabricação.
Uma clara admissão de escassez que confirma "a necessidade de abandonar um modelo consumista", conforme solicitado pela CEI. Não só por questões de sustentabilidade, mas acima de tudo por equidade. Enquanto mantivemos nossa atenção apenas em nossa parte do mundo e tratamos a justiça social como uma mera questão dentro de nossas nações ricas, o nexo entre sustentabilidade e equidade sempre nos escapou. Muito menos sentimos a necessidade de questionar o modelo consumista. Ao contrário, o justificamos, até louvamos, considerando-o objetivo de desenvolvimento a ser garantido a todos. Mas o "todos" que tínhamos em mente não chegava aos limites do mundo, parava nos residentes da nossa torre de marfim. Nossos compatriotas haviam sido os eleitos aos quais considerávamos ter que garantir todas as formas de amenidade, confiantes de que o planeta sobreviveria. Na verdade, a preocupação pelo planeta nem nos ocorria.
Os recursos para nós, elites, existiam, os espaços ambientais também: até que vimos os primeiros sinais das mudanças climáticas, para nós a questão ambiental não existia. Mas agora que a crise se tornou evidente, devemos escolher que tipo de sustentabilidade queremos adotar: se aquela do apartheid que destina os poucos recursos existentes para o consumismo de poucos ou aquela da equidade que favorece os direitos para todos.
Simbolicamente, a escolha é: carro elétrico para uma minoria ou bens e serviços básicos para toda a humanidade? Pergunta ociosa para os cristãos: a Igreja sempre nos ensinou a escolher a justiça, entendida inclusive em sentido amplo. Ou seja, referida não apenas aos seres vivos de hoje, mas ampliada às gerações do amanhã que também têm o direito de encontrar um planeta hospitaleiro. Um direito que eles desfrutarão somente se nós, seus ancestrais, formos capazes de privilegiar a sobriedade em vez do desperdício. Essa é nossa responsabilidade se amamos nossos filhos.
Além das considerações ambientais e sociais, a escolha por um modelo de desenvolvimento voltado para o necessário, e não para o consumismo, é ditada por exigências existenciais. Foi amplamente demonstrado que as vidas organizadas para o ter, roubam tempos das relações que são a verdadeira fonte da felicidade e de realização humana. Portanto, mesmo que tivéssemos uma quantidade infinita de recursos, energia, espaços ambientais à disposição, ainda assim deveríamos fazer escolhas de produção e de consumo orientadas à moderação para impedir que nosso tempo fosse totalmente absorvido pelas coisas, deixando as outras dimensões desprotegidas: a esfera afetiva, intelectual, espiritual, familiar e social. Por isso, a transição ecológica é um objetivo necessário, mas não suficiente.
A transição evoca a imagem da travessia, a passagem de uma margem a outra do rio. Mudamos de lado, mas o rio continua o mesmo: a mesma água, a mesma correnteza, a mesma fauna, a mesma flora. Além da metáfora, a transição ecológica muda nossa tecnologia, a nossa forma de produzir, até mesmo a nossa forma de consumir, mas deixa inalterada a nossa hierarquia de valores, a nossa filosofia de vida, o nosso conceito de felicidade, a nossa visão organizacional do privado e do social. Em vez disso, é precisamente uma nova orientação cultural, que então se torna orientação econômica, aquilo de que precisamos.
Em outras palavras, precisamos de conversão ecológica, uma espécie de mudança de estado que gere um movimento completamente diferente à nossa maneira de conceber a vida e organizar a nossa existência. Até agora agimos à insígnia da riqueza e produzimos instabilidade humana, desigualdades sociais, degradação ambiental. A alternativa é agir à insígnia da pessoa, organizar todo aspecto da vida social e econômica de acordo com o que for necessário para garantir a todos serenidade, seguranças, harmonia, inclusão.
Não mais a pessoa obrigada a se adaptar às lógicas da produção, do mercado, do dinheiro, mas, ao contrário, o trabalho, o habitar, a cidade, a segurança social, organizada da forma mais adequada à dignidade humana em uma relação de harmonia com si mesmos, com os outros, com a natureza. Uma perspectiva que os índios e também alguns outros, até nestas páginas, chamam de "bem-viver", a única que pode nos salvar. Os dez por cento mais ricos da população mundial produzem 49% de todo o CO2 emitido pelo consumo mundial, os cinquenta por cento mais pobres apenas 7%. E os últimos pagam o preço mais alto. Até agora agimos à insígnia da riqueza e produzimos instabilidade humana e modificações climáticas.
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Como passar da transição para a conversão ecológica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU