31 Março 2021
Talvez você tenha deixado de lado a carne na Quaresma, diminuído o termostato alguns graus ou feito um esforço consciente para usar menos plástico. À medida que o tempo litúrgico chega ao fim, você pode se perguntar como tornar esse hábito permanente – ou se seu comportamento individual faz alguma diferença, dada a enormidade da emergência climática do planeta.
A reportagem é de Bárbara Fraser, publicada por National Catholic Reporter, 30-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Os especialistas dizem que a resposta a essa segunda pergunta é definitivamente “sim”, e é mais fácil manter as práticas favoráveis ao clima iniciadas durante a Quaresma se você compartilhar a jornada com pessoas que pensam como você.
“A ação individual realmente importa, porque a ação individual multiplicada por um milhão é enorme. Portanto, cada pequena coisa que uma pessoa faz em sua própria vida faz diferença”, disse David Downie, que chefia o departamento de ciências políticas da Fairfield University, em Connecticut, administrada pelos jesuítas. “É o carro que eles dirigem, é o isolamento de suas casas, é como usam a energia e a quantidade de energia que usam”.
Para Caroline Bader, diretora do programa Living the Change do grupo inter-religioso GreenFaith, mudanças individuais de comportamento andam de mãos dadas com a defesa de mudanças sistêmicas, e ambas são necessárias para transformar o mundo.
“Não é um 'ou', é sim um 'e'”, disse ela ao EarthBeat. “Isso é muito importante. Um não pode ir sem o outro”.
Para Bader e Martin Kopp, codiretor do programa, a emergência climática chama as pessoas de fé para uma resposta integral, envolvendo transformação pessoal, liderança de instituições e mudança sistêmica.
Essa abordagem ecoa a ênfase do Papa Francisco na ecologia integral e na conversão ecológica em “Laudato Si', sobre o cuidado da casa comum”. Ele apela à conversão pessoal, tendo como modelo São Francisco de Assis, mas acrescenta que a promoção de uma mudança social mais ampla deve ser feita por indivíduos formando redes comunitárias, “e não simplesmente pela soma de boas ações individuais”
“Quando se trata de escolhas [individuais] que podem ser feitas, é importante viajar com as pessoas em direção à mudança de comportamento que tem o maior impacto em termos de redução de emissões”, disse Kopp à EarthBeat.
Essas áreas – geralmente envolvendo transporte, alimentação e uso de energia em casa – são aquelas nas quais as pessoas podem fazer mudanças no estilo de vida individual e também defender mudanças nas políticas.
Com base em um estudo publicado em 2017, que examinou a eficácia de diferentes tipos de ações individuais, GreenFaith sugere passos que as pessoas podem tomar, desde se livrar do carro – um dos mais eficazes – a mudanças de menor impacto, como mudar para uma dieta baseada em vegetais ou lavar a roupa em água fria.
Downie observa que muitos passos que os indivíduos podem tomar, como melhorar o uso de energia em casa, reduzir os custos domésticos no longo prazo, podem ser considerados um investimento.
No entanto, disse Kopp, mudar os comportamentos individuais “não é apenas proporcionar estilos de vida favoráveis ao clima – é muito, muito, muito mais profundo do que isso para uma pessoa, e está inserido em uma jornada espiritual”.
A jornada de Kopp começou há uma década, quando ele passou vários meses na Índia e se deparou com os problemas ambientais daquele país.
“Os cheiros, o caos absoluto das cidades indianas, as montanhas de plástico por toda parte nas ruas, os rios e lagos que são verdes brilhantes” pediram uma resposta pessoal, disse ele.
Sabendo que transporte e produção de alimentos são duas das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa, Kopp, que vive na região da Alsácia, na França, optou por renunciar as viagens aéreas pessoais e cortar a carne em sua dieta – um grande passo para alguém acostumado a comer carne em todas as refeições.
No início, ele diminuiu o consumo de carne para algumas vezes por semana, mas não conseguiu diminuir mais. Então, durante a Quaresma em 2018, ele reduziu pela metade novamente. Ao final dos 40 dias, ele decidiu continuar, e agora come carne um dia por semana, geralmente em refeições especiais com a família ou amigos.
Escolhas pessoais para reduzir a contribuição com a mudança climática. Média de valores para países desenvolvidos baseado nas emissões de carbono, hoje. Fonte: National Catholic Reporter
Renunciar de coisas como viagens de férias de avião ou pratos favoritos pode provocar uma sensação de perda ou tristeza, disse ele, por isso é bom compartilhar a jornada com pessoas que pensam como você, que não só podem apoiar e responsabilizar uns aos outros, mas também celebrar as mudanças.
“Se você vive essa jornada dentro de um grupo – com amigos, família ou em sua comunidade – [isso] ajuda você a se comprometer, ajuda a continuar, ajuda a progredir, ajuda a compartilhar o que você vivencia, os desafios e alegrias”, disse Kopp.
Quando as pessoas fazem mudanças no estilo de vida, estão pregando sem palavras, acrescentou ele, que é uma forma de incentivar os líderes a agirem. É mais provável que um político pense seriamente sobre a política de transporte público, por exemplo, se for abordado por eleitores que deixaram de usar carros.
Esse elo entre o compromisso pessoal e a luta política veio à tona com o Dia da Ação Climática, em 11 de março, promovido pelo GreenFaith. O grupo demandou 10 pontos-chave – em áreas que incluem finanças, biodiversidade, energia, trabalho e liderança comunitária – oferecendo oportunidades tantos para mudança do estilo de vida pessoal quanto para cobrança política.
Para Downie, da Fairfield University, uma vez que o compromisso pessoal esteja feito, a mais importante política de mudança que uma pessoa de fé pode procurar nos níveis nacionais, estaduais e locais é cobrar dos governos para colocarem taxas sobre o carbono. Isso forçaria companhias e consumidores a pagar o custo real do combustível fóssil usado para energia, transporte e indústria.
Embora tal imposto sobre o carbono aumentasse o preço de muitos produtos, encorajaria o uso mais eficiente de combustíveis fósseis ou uma mudança deles. Os custos econômicos poderiam ser compensados com a redução de outros impostos, especialmente para consumidores de baixa renda, disse ele.
Em meio aos bloqueios e outras restrições da pandemia, pode ter sido difícil encontrar coisas a renunciar durante a Quaresma, Bader disse, mas ainda é “um bom momento para reflexão e para ser realmente fiel aos seus próprios valores”.
E os compromissos ecológicos assumidos durante a Quaresma podem se tornar uma conversão ecológica pessoal que estimula a defesa de direitos em questões políticas.
Qualquer um pode “começar a jornada agora, bem aqui”, acrescentou ela. “Você não precisa esperar que uma decisão seja tomada, você não precisa esperar pela reunião de uma conferência. Você pode começar agora. E isso é muito atraente, porque é encorajador, motivador e empoderador para as pessoas”.
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Sua conversão ecológica pessoal faz diferença para o planeta? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU