22 Junho 2021
"O verdadeiro inimigo das igrejas cristãs não é sunismo, nem o xiismo; o verdadeiro inimigo é a guerra entre os imperialismos políticos que ainda se resguardam por trás da religião", escreve Riccardo Cristiano, vaticanista italiano e fundador da Associação de Amigos do Pe. Paolo Dall’Oglio, em artigo publicado por Settimana News, 21-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Os estadunidenses tiveram que esperar um mês para saber quem seria seu novo presidente, nós sabíamos o resultado muito antes das eleições”. A observação de um eleitor iraniano, divulgada pelas agências de notícias, também explica o dado relevante destas eleições: não o nome do vencedor, mas a baixíssima participação, oficialmente estimada em cerca de 48,8%, apesar do prolongamento dos horários de votação e da pressão incessante para induzir a votar.
O resultado destas eleições presidenciais foi avaliado pelo ex-presidente Mohammad Khatami com palavras certeiras: "este pode ser um voto republicano ou islâmico?".
A escolha khomeinista do sistema teocrático - o governo do jurisconsulto - determinou um duplo sistema: o republicano, centrado no Parlamento e Presidente da República, e o teocrático, centrado no Gabinete do Guia da Revolução Islâmica com numerosos conselhos que limitam as funções e os poderes republicanos. Desde a implantação do sistema, as eleições - especialmente as presidenciais - têm se centrado na competição entre os campos reformista, moderado e conservador, utilizado pelo regime para se legitimar aos olhos do mundo. Desta vez não foi assim.
Escanteados pela competente estrutura teocrática quase todos os principais candidatos das áreas, o recém-eleito presidente Ebrahim Raisi foi deixado em uma posição de força entre os sete sobreviventes, depois reduzidos para quatro devido à rejeição do único reformista remanescente, e a renúncia de dois dos conservadores, pressionados para permitir ao escolhido obter - de fato - modestos 60% dos votos de 48,8% dos iranianos com direito a voto.
A questão é entender por que o aiatolá Khamenei escolheu esse constrangedor mulá - que veste o turbante preto para indicar descendência do profeta Maomé -, pessoalmente sujeito a sanções dos Estados Unidos, incluída a de sobrevoo ou desembarque em países que aderem às sanções estadunidenses, devido à sua participação decisiva, como expoente do sistema judiciário, nas eliminações em massa de presos políticos desde o final da década de 1980 e, depois, pelos mais recentes protestos populares.
O frequente recurso à tortura por parte de um sistema judicial em que viveu papéis de destaque e que estava dirigindo nacionalmente há dois anos, não é certamente um ponto a favor do regime que o elegeu para a Presidência da República. Então, por que Raisi?
Talvez a resposta não esteja no cargo que vai ocupar, mas naquele de quem o elegeu. O líder supremo da revolução islâmica - o aiatolá Ali Khamenei - tem 82 anos. Seu estado de saúde é motivo de indiscrição da mídia. Seja verdade ou não o que se fala sobre ele, Khamenei costuma ficar frequentemente e por longos períodos longe de aparições públicas.
Essas eleições deveriam servir para ajeitar os equilíbrios internos ao regime, tendo em vista uma mudança possível ou talvez iminente. Será Raisi - o novo presidente - o sucessor de Khamenei? A relação pessoal entre os dois, como aquela entre Raisi e Khomeini, torna-o plausível, ou pelo menos possível. Outros rumores, sussurrados por vários motivos há algum tempo, querem para a sucessão o filho de Khamenei, Mojtaba, outro Sayyid, título honorário de quem, como ele e Raisi, usam o turbante preto.
Mojtaba liderou a feroz milícia paramilitar dos basij, braço armado do regime na repressão interna, menos conhecido que os pasdaran, famosos sobretudo por suas operações milicianas internacionais. Nascido em 1966, Mojtaba Khamenei completou os estudos teológicos em Qom e foi muito próximo de Ahmadinejad, tanto quando se candidatou pela primeira vez como quando voltou para a reeleição: detalhe importante, pois foi então, durante o segundo mandato, que a relação entre Ahmadinejad e Ali Khamenei entrou em crise.
Na difícil especulação sobre as duas possibilidades, entretanto, emerge que no centro dessas eleições se colocou o “regime change” interno. Numa crise de consenso, numa sociedade empobrecida, mas socialmente avançada e evoluída, o regime pensa no seu futuro e pensa-o numa chave mais teocrática e menos republicana. A principal preocupação interna do país é essa, mais que o acordo com os Estados Unidos sobre as armas nucleares.
Os aparatos militares industriais controlados pelos pasdaran não perderam muito com as sanções ocidentais, pelo contrário, consolidaram-se na economia cinzenta que as sanções sempre comportam. Já que foi instaurado o pouco conhecido - nos conteúdos - pacto de 25 anos com a China, liberando rios de petróleo iraniano e fonte de muita energia Made in Iran para as "minas de bitcoin" chinesas.
Com um personagem tão confiável quanto desacreditado internacionalmente na Presidência da República, Khamanei poderá controlar facilmente o processo de negociação nuclear, sabendo que as estratégias dos Estados Unidos - duplas - fracassaram. Fracassou aquela de Obama, que queria o acordo sobre o armamento nuclear, pensando em absorver o Irã no multilateralismo regional.
Teerã, ao contrário, continuou em sua escolha de exportar a revolução para todos os países limítrofes, mantendo sua opção existencial: conquistar militar e integralmente o mundo islâmico. Mas fracassou também a estratégia de Trump, ele quis sair daquele acordo para obter o famoso "regime change", que não aconteceu. Os iranianos não precisavam ser reduzidos à fome para abrir mão de um regime que, em grande parte, há muito tempo eles não apreciavam.
Será possível uma terceira opção ou na base das novas negociações com o Irã estará sobretudo a exigência de conter a relação entre Pequim e Teerã? O contexto internacional parece favorecer uma mescla das várias hipóteses. Com a escolha de Raisi, o regime não indicou uma opção em si hostil ao acordo com os Estados Unidos. O próprio novo presidente afirmou que seu executivo será o mais acertado para garantir um eventual acordo.
Entre aqueles que terão um grande problema com o “novo” curso iraniano - certamente marcado por outra repressão interna e obscurantismo - estão também as comunidades cristãs.
Em muitos dos países envolvidos nos conflitos que grassam na região e que sauditas e iranianos definem como religiosos - tanto no Líbano quanto na Síria e no Iraque - há quem pense que aliar-se a uma das partes em conflito seja a única maneira de sobreviver.
Na Síria e no Líbano, essa escolha foi definida como a "aliança das minorias", ou seja, a aliança das minorias religiosas não muçulmanas com os xiitas, portanto, com Bashar al-Assad na Síria (o aliado de ferro de Teerã sem que este seja propriamente xiita) e com o Hezbollah no Líbano.
Essa escolha - aparentemente devida à busca de proteções - é fatal para as igrejas cristãs, como demonstra o número de cristãos remanescentes, a remoção de muitas vítimas muçulmanas e a perda da única perspectiva que realmente oferece um futuro: aquela da cidadania comum em estados nacionais e soberanos, não confessionais. A obra do patriarca caldeu Sako indica isso.
A posição firme do aiatolá al Sistani que – vamos lembrar – por quatro vezes não concedeu audiência a Ebrahim Raisi em visita a Najaf - a cidade sagrada do xiismo - é capaz de explicar mais do que muitos raciocínios: o verdadeiro inimigo das igrejas cristãs não é sunismo, nem o xiismo; o verdadeiro inimigo é a guerra entre os imperialismos políticos que ainda se resguardam por trás da religião.
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Eleições presidenciais no Irã: uma análise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU