13 Janeiro 2021
"O exemplo da Sagrada Família pode iluminar situações do presente", escreve Luís Corrêa Lima, padre jesuíta, historiador e professor da PUC-Rio, trabalha com pesquisa sobre gênero e diversidade sexual.
No tempo de Natal, celebramos o filho de Deus que se fez humano e a Sagrada Família constituída por Jesus, Maria e José. Na oração litúrgica, pedimos a Deus Pai de bondade, que nos deu esta Família como exemplo, para imitarmos em nossos lares as suas virtudes a fim de que, unidos pelos laços do amor, possamos chegar um dia às alegrias da casa paterna.
Passados mais de vinte séculos do primeiro Natal, deparamo-nos com diferentes configurações e situações familiares, com seus respectivos desafios. No caso de pessoas homossexuais, o papa Francisco fez importantes declarações no documentário Francesco. Em trechos de entrevista editada, ele diz que estas pessoas têm direito de fazer parte da família pois são filhas de Deus, que ninguém pode ser expulso da família e que a vida delas não pode se tornar impossível por esse motivo. E acrescenta que é preciso haver uma lei de convivência civil, pois pessoas homossexuais têm o direito de estar cobertas legalmente, conforme ele defendeu no passado.
A grande repercussão destas afirmações e as controvérsias suscitadas levaram o Vaticano a emitir uma nota de esclarecimento. No seio de sua família de origem, um homossexual nunca deve ser discriminado. Sobre a lei de convivência civil, trata-se da proteção legal para uniões homossexuais, defendida pelo então arcebispo de Buenos como alternativa ao casamento igualitário, que equiparava plenamente a união homossexual à união heterossexual.
O documentário mostra também o católico italiano Andrea Rubera que, com seu companheiro, têm três filhos. Rubera escreveu ao papa, dizendo que queria levar seus filhos à paróquia, mas tinha medo de que eles fossem discriminados e sofressem traumas. Francisco lhe telefonou e apoiou dizendo: “Por favor, leve seus filhos à paróquia, seja transparente com a paróquia a respeito de sua família. Certamente nem todos estarão de acordo com uma família assim, mas vai ser bom para as crianças”. E Rubera conta que foi um grande conselho, pois já é o terceiro ano que seus filhos frequentam a paróquia e tudo vai bem.
O papa utiliza aí o termo família em sentido lato, abrangendo a união homossexual e seus filhos. É uma linguagem coloquial em contexto pastoral. Não é o sentido estrito que tem na doutrina católica, como comunidade de amor e vida fundada na união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher. Mas é uma configuração familiar que merece proteção legal e acolhimento da comunidade eclesial. O mesmo acolhimento mostrou Francisco em relação ao transexual espanhol Diego Neria e à sua companheira, recebidos pelo papa no Vaticano. Sobre isto, o papa declarou que as pessoas devem ser acompanhadas como as acompanha Jesus. Em cada caso, deve-se acolher, discernir e integrar.
A rejeição aos LGBT e suas famílias ainda é muito forte. No Brasil, um casal gay adotou três filhos adolescentes negros, mas teve enorme dificuldade para batizá-los na Igreja Católica. O casal procurou sucessivamente quatro sacerdotes, que se recusaram a fazê-lo. Então recorreram ao arcebispo da cidade, que felizmente aceitou e providenciou o batismo. Mas nem todos suportam tal humilhação e têm esta tenacidade.
O exemplo da Sagrada Família pode iluminar situações do presente. O evangelista diz que Maria estava prometida em casamento a José e, antes de passarem a conviver, ela encontrou-se grávida. Só depois foi revelado a José que isto se deu por obra do Espírito Santo. Mas, no momento em que ele soube da gravidez, "sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, pensou em despedi-la secretamente" (Mt 1,19). A justiça de José, segundo abalizados comentários da Escritura, consiste em que ele não quer acobertar com seu nome uma criança cujo pai ignora, mas também em que ele estava convencido da virtude de Maria, e se recusa a expor ao rigor da lei este mistério que ele não compreende. Uma denúncia pública, neste caso, poderia levar à pena de morte por apedrejamento (Dt 22,20-21). Por fim, José recebe Maria por sua esposa.
Felizmente a justiça de São José está bem longe do legalismo implacável. Ele é um homem que soube amar, compreender, relativizar e cuidar. Deixou-se conduzir pela providência divina. Que os passos de São José e do papa Francisco nos ensinem a amar os LGBT e suas famílias.
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Sagrada Família e famílias de LGBT - Instituto Humanitas Unisinos - IHU