01 Dezembro 2020
Mortes e internações por covid disparam, mas equipe de Pazzuello não coordena resposta, dificulta ainda mais vacinação. Pasta também permitiu, por negligência, vazamento dos dados clínicos de 16 milhões de brasileiros.
A reportagem é de Maíra Mathias, publicada por Outras Palavras, 30-11-2020.
Seria cômico se não fosse trágico: em 5 de junho o portal do Ministério da Saúde com os números de infecções e mortes causadas pelo novo coronavírus saiu do ar. No mesmo dia, Jair Bolsonaro sentenciava: “Acabou matéria no Jornal Nacional”. Naquela semana, o Brasil havia ultrapassado a Itália em óbitos. Agora, veio à tona que enquanto os militares aboletados na pasta se esmeravam para colocar as estatísticas debaixo do quepe, os dados pessoais dos brasileiros eram expostos graças a uma vulnerabilidade no sistema de notificação da covid-19.
A Open Knowledge Brasil verificou o problema no dia 4 de junho e tentou entrar em contato com a Ouvidoria do SUS, mas não conseguiu por… erro no sistema. Partiu para a ouvidoria da Controladoria-Geral da União e protocolou a denúncia no dia 7, depois de ter o cuidado de registrá-la em cartório. O ministério levou dez dias para solucionar o caso – e a ONG só ficou sabendo disso porque monitorou diariamente o site vulnerável, já que a pasta nunca deu nenhuma satisfação pelos canais formais. A CGU considerou o problema solucionado depois disso, mesmo que o pedido da ONG incluísse uma auditoria para apurar a extensão do dano. Procurado pelo G1, o ministério não explicou nada. E ainda mentiu, dizendo que a denúncia recebida era anônima.
O alerta da Open Knowledge foi o seguinte: login e senha do e-SUS Notifica estavam expostos no código de programação do sistema e poderiam ser acessados por qualquer um com conhecimentos básicos de desenvolvimento de sites. A partir disso, era possível ver nome completo, endereço, telefone, CPF e histórico clínico dos brasileiros diagnosticados com quadros leves e moderados de covid, ou com suspeita de infecção. A ONG acredita que p sistema tenha nascido vulnerável – o que significa dizer que esses dados podem ter ficado desprotegidos ao longo de três meses. “Expor as credenciais do banco de dados no próprio código do site é um erro primário de quem desenvolveu, supervisionou e homologou a implementação do sistema”, disse Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, em entrevista ao G1. Ao Estadão, ela resumiu: “Não estamos falando de um vazamento, estamos falando que a política de gestão da informação é falha. É como se você guardasse a chave ao lado do cofre.”
A exposição dos dados pessoais passou a integrar a lista de problemas já extensa da crise sanitária brasileira depois que o Estadão revelou que Wagner Santos, um funcionário do Hospital Albert Einstein, publicou senhas e logins de sistemas do ministério em seu perfil do GitHub, deixando 16 milhões de brasileiros expostos. Ele tinha as credenciais por trabalhar em um projeto que o Einstein desenvolve para a pasta – o que abriu dúvidas sobre quantas pessoas têm acesso a esse tipo de informação.
Se nos pautarmos pelas contas do próprio ministério em junho, é bastante gente. Naquele mês, 8.714 pessoas tinham acesso para obter relatórios de casos suspeitos ou confirmados de covid-19 pelo e-SUS Notifica. O dado foi obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI) pela Open Knowledge Brasil que não conseguiu que a pasta explicasse quais são os seus critérios de segurança de dados pessoais.
O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) acionou o Ministério Público Federal e solicitou abertura de inquérito para investigar eventuais falhas de segurança digital no caso envolvendo o, agora, ex-funcionário do Einstein. Já o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) pediu que o TCU analise tanto as políticas de segurança digital do ministério quanto o contrato do órgão com o Albert Einstein que permitia a um funcionário o acesso a esses dados.
O SUS já perdeu R$ 74 milhões este ano, graças ao Ministério da Saúde. Isso porque três medidas provisórias que liberavam recursos para enfrentar a pandemia venceram. Isso não aconteceu de uma tacada: a primeira MP perdeu a validade em 11 de julho, e com ela a pasta deu adeus a R$ 28 milhões. Depois, em 31 de julho, evaporaram mais R$ 43 milhões. Quase um mês depois do primeiro prazo perdido, o ministério não se mexeu para usar mais R$ 2,4 milhões até 6 de agosto.
Agora a preocupação é que 12% de todo o dinheiro extra liberado para a Saúde tenham esse triste destino. O Conselho Nacional de Saúde constatou que R$ 5,6 bi de um total de R$ 44,2 bilhões estão em risco. Nessa conta, entra o dinheiro já perdido, R$ 2,2 bi liberados em setembro e outros R$ 3,4 bi que estão à disposição da pasta desde um longínquo maio. Isso mesmo, há seis meses. “A demora no empenho e os recursos não utilizados de MPs que já venceram representam a falta de planejamento e de prioridade por parte do governo federal e do Ministério da Saúde na coordenação das ações de combate à pandemia”, critica Getulio Vargas, membro do conselho.
Esses recursos viram abóbora a partir de 2021. O Ministério da Saúde afirma que o dinheiro não usado é uma espécie de “reserva” e que há “possibilidade de execução integral dos saldos até o encerramento do exercício financeiro de 2020″… E os R$ 74,7 milhões que não poderão mais ser usados? A pasta justifica que houve “intercorrências naturais no processo de execução da despesa, que não pode deixar de observar os procedimentos e princípios legais do gasto público” e que “os recursos não empenhados continuam disponíveis no Tesouro Nacional e não configuram desperdício”.
O Ministério da Saúde confirmou na sexta-feira que não tem pretensão de vacinar toda a população brasileira em 2021. De acordo com o secretário-executivo da pasta, Élcio Franco, a meta é imunizar 80 milhões “por ano” – pouco mais de um terço da população. Segundo a coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), isso acontece porque não haverá vacinas em número suficiente. Francieli Fantinato disse ainda que certos grupos etários não fazem parte de alguns estudos clínicos, o que também impede a aplicação universal do imunizante que tiver essa limitação. “Não podemos priorizar determinados públicos tendo em vista que essa vacina não está sendo utilizada durante os testes nessa população, a exemplo de crianças e gestantes”, afirmou.
Nós, por aqui, lembramos que a pasta desistiu de incorporar ao PNI 46 milhões de doses da CoronaVac, em obediência ao presidente – que chegou a comemorar a notícia da paralisação dos testes clínicos do imunizante da chinesa Sinovac, que tem parceria com o Instituto Butantan: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.
E falando de quando Eduardo Pazuello foi desautorizado por Bolsonaro, a coluna Painel alerta que a ausência do ministro anda sendo sentida pelos secretários estaduais de saúde desde o episódio da CoronaVac. É claro que, no meio do caminho, o general foi diagnosticado com covid e chegou a ficar internado. Mas Pazuello estaria se esquivando agora, no momento em que os casos e mortes voltam a aumentar no país – e quando, mais uma vez, a coordenação nacional seria fundamental na resposta ao repique ou segunda onda.
Os secretários estaduais de saúde estariam, por exemplo, pessimistas em relação ao estabelecimento de medidas de restrição da circulação por acreditarem que a população não concordaria. A análise é seguida por governadores, que anteveem “uma resistência muito maior e numa militância mais ativa, por parte de empresários” contra futuras quarentenas.
O isolamento continua sendo a arma mais eficaz para frear a propagação da doença e evitar o colapso do sistema de saúde. O lockdown decretado no Reino Unido no começo do mês teve o condão de diminuir 30% das infecções, contabiliza hoje uma reportagem do Guardian.
Por aqui, o nível de isolamento continua baixíssimo, apesar de ter crescido timidamente entre outubro e novembro. Segundo as operadoras de telecomunicações, a taxa atingiu 47,1% no mês passado, pior nível desde fevereiro, e subiu para 47,7% em novembro.
Segundo a Fiocruz, dez capitais brasileiras apresentam uma taxa de ocupação de UTIs que ultrapassa os 70%. São elas: Macapá (92%), Vitória (91%), Curitiba (90%), Porto Alegre (88%), Rio (87%), Manaus (86%), Florianópolis (83%), Fortaleza (78%), Belém (78%) e Campo Grande (76%).
Ainda de acordo com a fundação, as maiores taxas de crescimento diário no número de casos da covid foram registradas no Paraná (8%), em São Paulo (7,8%), no Amapá (6,5%), no Rio de Janeiro (6,3%) e em Santa Catarina (5,5%). Em relação às mortes, o Rio chegou a um crescimento diário de 10%, seguido por Roraima (7,9%), São Paulo (7,7%), Goiás (7,5%), Minas (6,6%) e Rio Grande do Sul (5,2%).
Na sexta, o governador Eduardo Leite (PSDB) anunciou que o território gaúcho voltaria inteiro para a bandeira vermelha e caracterizou o momento como “difícil”. Hoje ele se reúne com prefeitos para definir as medidas a serem tomadas. No mesmo dia, a prefeitura de Curitiba resolveu fechar bares e casas noturnas por uma semana – o que é pouco diante da alarmante ocupação de leitos, mas é alguma coisa quando se olha para outras cidades que estão simplesmente deixando o vírus correr solto.
No Rio, a rede particular bateu os 97% de ocupação na sexta e o único hospital de campanha atingiu sua capacidade total no sábado. A capital fluminense passou toda a semana registrando fila de centenas de pessoas para tratamento nos leitos de UTI e as UPAs também já estão abarrotadas; nada disso abala a secretaria municipal, que negou que a cidade tenha chegado “a um patamar de ter a capacidade zerada”. A circulação de pessoas segue normal.
Santa Catarina vive uma situação parecida. “Apesar da bandeira vermelha cobrir quase todo estado, as normas do governo são básicas e bem mais leves do que as decretadas no início da pandemia, em março. Em geral, os estabelecimentos permanecem abertos, mas com restrições de público. Cabe às prefeituras implantarem medidas mais rígidas para conter a doença. O estado intervém apenas se, após três semanas, as regras adotadas pela região não baixarem os números”, contam as repórteres Katna Baran e Vanessa da Rocha. Parte disso é creditado à instabilidade política do estado. Na sexta, Carlos Moisés (PSL) se livrou do impeachment. Mas ele ainda responde a outro processo.
Em São Paulo, depois de um disputado segundo turno das eleições municipais, o governo estadual finalmente vai discutir se a capital regride na flexibilização. O presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Eduardo Medeiros, acredita que deveria haver restrições a viagens no fim do ano – medida que deveria ser acompanhada de uma campanha de conscientização da população. “Agora é o momento de recuar, aumentando o distanciamento social, restringindo a circulação de pessoas, diminuindo o horário de funcionamento de bares e restaurantes. A cidade voltou praticamente ao seu normal, como estávamos em novembro do ano passado”, defende na Folha.
Enquanto isso, o MEC resolveu forçar a mão para o retorno das aulas presenciais no ano que vem. Segundo apuração de O Globo, na sexta a pasta avisou a membros do Conselho Nacional de Educação (CNE) que vai vetar a prorrogação do ensino remoto até dezembro de 2021. O dispositivo está em um parecer do conselho aprovado em julho deste ano por unanimidade – o que significa que recebeu apoio do próprio MEC, que tem dois assentos no conselho…
O veto dificulta, mas pode ser contornado. Se por um lado as escolas ficam impedidas de continuar com o ensino remoto a partir de janeiro, por outro a situação pode ser remediada por cada conselho estadual de educação. A avaliação é de Cecília Motta, secretária estadual de Educação do Mato Grosso do Sul e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação: “Os estados vão precisar ainda do ensino remoto. Se houver um pico de casos, vamos precisar voltar às aulas apenas a distância. E, mesmo que tenhamos aulas presenciais, como vou fazer recuperação e dividir as turmas? Vamos precisar de aulas remotas de qualquer maneira. Se o MEC não homologar, os sistemas estaduais podem regular”, disse, em entrevista ao jornal.
A Janssen, braço farmacêutico da Johnson & Johnson, submeteu à Anvisa dados de sua candidata à vacina na sexta-feira. Com isso, já há quatro patrocinadores participando do processo de submissão contínua aprovado pela agência reguladora este mês. Os outros são a AstraZeneca, Instituto Butantan e Pfizer.
O Reino Unido pode se tornar o primeiro país do Ocidente a fazer campanha de imunização contra o coronavírus. Segundo o Financial Times, a vacina da Pfizer deve receber aprovação da agência reguladora nos próximos dias, e o governo planeja iniciar a aplicação de parte das doses que o país comprou no dia 7 de dezembro. Por lá, a campanha deve contar com celebridades “sensatas”, “bem-conhecidas” e “amadas”. Esses são os planos do NHS, sistema público de saúde britânico, para garantir a adesão da população.
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Em meio à pandemia, o ministério da Saúde sumiu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU