24 Novembro 2020
"Os negros brasileiros resistem em todos os lugares deste país. Também nós, negras e negros católicos, resistimos e comungamos da dor e indignação que transcorre nas veias da família deste irmão, dos nossos descendentes afro-brasileiros e das pastorais sociais que historicamente atuam levando dignidade, fé e oração àqueles que necessitam", escreve a Conferência dos Religiosos do Brasil do Rio Grande do Sul, em nota sobre o assassinato de João Alberto Silveira Freitas.
A Conferência dos Religiosos do RS através do GRENI (Grupo de Religiosos e Religiosas Negros e Indígenas) e a Pastoral Afro-brasileira do RS manifestam sua solidariedade, sentimentos e orações à família do nosso irmão João Alberto Silveira Freitas, assassinado brutalmente no Hipermercado Carrefour em Porto Alegre no dia 19 de novembro, às vésperas do Dia da Consciência Negra. Reafirmamos nosso compromisso de luta contra o racismo e todas as formas de violência contra o povo afro-brasileiro.
A mesma Porto Alegre que, há 50 anos, iniciou a gestação deste dia tão importante para a caminhada da negritude em nosso país, acabou se tornando palco de mais uma cena bárbara contra o povo negro: o assassinato de um homem negro em um espaço público, sem nenhuma empatia, culpa ou sensibilidade dos espectadores ali presentes.
Iniciamos a semana da Consciência Negra, nesta mesma cidade, olhando para um futuro melhor depositado nas mãos de 05 pessoas negras eleitas para o Legislativo Municipal, que carregam sonhos, anseios e muita esperança para o nosso povo negro. Mas, infelizmente, terminamos esta mesma semana, na qual costumamos celebrar nossas lutas e conquistas, com sentimento de retrocesso em 300 anos com uma cena bárbara e brutal, que nos remete a castigos e assassinatos, que nossos antepassados escravizados e traficados eram submetidas sem dó e nem piedade por uma sociedade sustentada pelo espírito de ganância, poder; fortalecendo assim o detestável crime do racismo. Nos últimos anos, a percepção que temos, é de um querer retornar a este tempo doloroso da história do nosso país.
Infelizmente, para nós negros e negras, este fato não é novidade. Segundo o Mapa da Violência 2020, 75,7% das vítimas de assassinatos são negras. Vidas assassinadas por um sistema racista, excludente e preconceituoso que existe em nosso país. A mentalidade que possibilitou o Massacre dos Porongos em nossas terras na noite de 14 de novembro de 1844, se repetiu sem nenhum pudor na noite de 19 de novembro de 2020. Prova de que passados 176 anos deste triste episódio, as “Vidas negras ainda não importam”. E boa parte da nossa sociedade segue sua rotina declarando inexistente e invisível o racismo estrutural e sistêmico que violenta todas estas vidas. Tememos pelas nossas vidas e ficamos ainda mais chocados quando encontramos “capitães do mato” que referendam toda esta estrutura genocida de afro-brasileiros naturalizando e maquiando a violência racial.
Em vários estados e cidades do Brasil temos irmandades negras da Igreja católica e grupos da Pastoral Afro onde nos encontramos e enxergamos na pessoa de Jesus Cristo e sua história a nossa própria história com nossas características afro descendentes e relações afro-centradas.
Os negros brasileiros resistem em todos os lugares deste país. Também nós, negras e negros católicos, resistimos e comungamos da dor e indignação que transcorre nas veias da família deste irmão, dos nossos descendentes afro-brasileiros e das pastorais sociais que historicamente atuam levando dignidade, fé e oração àqueles que necessitam.
Como negros e negras, a partir da nossa fé na Santíssima Trindade, onde o Filho nos convida a amar-nos mutuamente como Ele nos amou (Jo 15,12) e sermos cooperadores na construção de este reino de Justiça, Paz e Fraternidade, convocamos todas as pessoas a sensibilizarem-se urgentemente com a luta pela igualdade racial e combate ao racismo. Não basta dizer “eu não sou racista”. É preciso implementar ações concretas que reflitam e denunciem o pecado da discriminação e indiferença diante do massacre das vidas negras. Tornam-se urgentes ações afirmativas de inclusão, visibilidade, respeito e reconhecimento da população negra, mas também engajamento de toda população para destruir as estruturas políticas, sociais e culturais que nos impedem de sermos realmente tratados como iguais.
Que esta façanha, da triste véspera do dia da Consciência Negra de 2020, não sirva de modelo para ninguém na face da Terra e que pela intercessão da Mãe Aparecida o Senhor nos anime na luta e resistência contra todo tipo de sistema que gera morte.
Porto Alegre, 21 de novembro de 2020
Ana Maria Rodrigues – Pastoral Afro-brasileira do RS
Letícia Carvalho – Pastoral Afro-Brasileira de Porto Alegre
Irmã Nita Francisco Gomes – CIFA – GRENI – CRB/RS
Irmã Aldinha Wellzbacher – Presidenta CRB-RS
Pe. Wilfrido Mosquera – Assessor da Pastoral Afro-brasileira do RS
Dom Silvio Guterres – Bispo Referencial das Pastorais Sociais do RS
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Caso Carrefour: Assassinato de João Alberto Silveira Martins. Nota da Conferência dos Religiosos do Brasil do RS e Pastoral Afro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU