02 Outubro 2020
São Francisco, o homem que melhor encarna na Igreja a renúncia aos bens materiais, é o eixo condutor que guiou os textos do Papa. Na Laudato Si’, o Papa evocou a beleza poética do Cântico das Criaturas, e em sua terceira encíclica, Fratelli Tutti, serve-se de uma antologia das máximas de sabedoria do fundador dos franciscanos para reivindicar a fraternidade, não como uma teoria abstrata, mas como um dom concreto de Deus.
A reportagem é de Victoria Isabel Cardiel, em artigo publicado por Alfa y Omega, 30-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
É uma imagem que entrará para a história. O Papa assinará sua terceira encíclica no próximo 03 de outubro, diante da tumba de São Francisco de Assis, o santo da humildade, da pobreza, do amor a Deus e a todas as suas criaturas. É preciso voltar a 1814 para encontrar uma encíclica assinada fora dos muros do Vaticano. Pio VII com “Il trionfo” anunciou desde Cesena que recobrava os Estados Pontifícios. Francisco está a ponto de imitar esse gesto desde Assis, para sancionar a Fratelli Tutti.
São Francisco, o homem que melhor encarna na Igreja a renúncia aos bens materiais, é o eixo condutor que guiou os textos do Papa. Na Laudato Si’, o Papa evocou a beleza poética do Cântico das Criaturas, e em sua terceira encíclica, Fratelli Tutti, serve-se de uma antologia das máximas de sabedoria do fundador dos franciscanos para reivindicar a fraternidade, não como uma teoria abstrata, mas como um dom concreto de Deus.
O santo é uma presença constante em seus quase oito anos de pontificado. Tal e como detalhou em seu primeiro encontro com a imprensa internacional, escolheu seu nome pontifício depois que o cardeal brasileiro Cláudio Hummes lhe encomendara uma missão: “Não te esqueças dos pobres”. O Papa explicou então: “Pensei imediatamente em Francisco de Assis. Depois, enquanto seguia o escrutínio até completar o resto de votos, pensei nas guerras e Francisco é o homem da paz, o homem que ama e custodia a criação. Assim surgiu o nome em meu coração”.
Sua visita à localidade italiana de Assis, um recanto de paz que foi o cenário de numerosos encontros entre líderes religiosos para pedir o fim das guerras, será um evento privado e sem fiéis, porém as câmeras de televisão não perderão detalhes. “Há uma estratégia clara de comunicação por trás. É a primeira vez que o Papa viaja fora de Roma desde o início da pandemia, o que sem dúvida chama a atenção midiática”, assegura o padre Enzo Fortunato da sala de imprensa do convento de Assis. Este gesto de grande simbolismo revela, ao mesmo tempo, o desejo do Pontífice de retornar à raiz o fundador da ordem dos franciscanos: “Voltar a São Francisco é voltar ao coração do Evangelho. Ele disse que a regra para a vida dos irmãos menores é observar e viver o Evangelho, e ressalta que cada vez que vemos um irmão, estamos vendo a Deus. Com isso está dito tudo. O Papa está nos lembrando que é preciso voltar ao Evangelho, como fez Francisco”.
Para o sacerdote italiano, a fraternidade não é apenas território do carisma franciscano, mas perpassa a identidade de cada cristão: “É uma dedicação total aos outros. É a vocação de serviço que está na origem do Cristianismo. Este princípio é mais necessário hoje do que nunca. Não podemos continuar a colocar os interesses de alguns em primeiro lugar. Não se sai desta crise com egoísmo e o descarte. Desta crise saímos juntos”.
Fratelli tutti revela que as consequências da pandemia aumentaram ainda mais o abismo entre ricos e pobres. É por isso que a mensagem do Papa é revestida de “valor agregado”, para “compreender a urgência da fraternidade e da amizade social em um mundo ferido”. “Não podemos continuar a construir muros e traçar fronteiras”, apontou o padre franciscano. A sua mensagem não proporá novos temas para a Igreja, mas conseguirá difundi-los também para além da esfera cristã. “O Papa faz um convite a toda a humanidade, que transcende qualquer fronteira de nação e religião. A encíclica terá um eco global porque o mundo inteiro precisa de mais Francisco. Mais homens e mulheres de paz, humildes e que amem os pobres”, diz o padre Fortunato, que não esconde o orgulho de todos os franciscanos com a decisão do Papa. “Sentimos a mesma emoção que quando o Santo Padre apareceu na sacada e disse que tinha escolhido Francisco como nome para guiar o barco de Pedro. Tem sido como uma nascente porque materializa o programa social de Francisco de Assis”.
É a terceira encíclica deste pontificado. Francisco assinou em 2013, escrito a duas mãos, com seu antecessor, Bento XVI, Lumen fidei, onde destacou que “a fé é um veículo para a paz e que o nome de Deus é a paz”. E em 2015 publicou Laudato si', na qual destacou a importância de uma “ecologia integral” que cure a “relação doentia que o homem fez com a criação”, da qual “não somos donos, mas guardiães”. “Fratelli tutti conduz-nos a uma Igreja pobre e para os pobres, uma Igreja portadora de fraternidade”, conclui o franciscano.
O Papa promove a fraternidade há anos. Em fevereiro de 2019, ele viajou aos Emirados Árabes Unidos e assinou junto com o grande imã de Al Azhar, Ahmad Al-Tayyib, um documento sobre a fraternidade humana, pela paz mundial e coexistência comum. Este documento, considerado uma chave fundamental para o fortalecimento das relações entre o Cristianismo e o Islã, foi o prelúdio da nova encíclica do Papa. Um texto muito necessário para que as feridas da pandemia parem de coçar.
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O programa dos Franciscos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU