24 Setembro 2020
Proeminentes mulheres católicas de todo o globo estão continuando a levantar objeções ao título da próxima encíclica do papa Francisco, “Fratelli Tutti”, ao usar o idioma italiano no gênero masculino no plural para se dirigir a toda população mundial.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 23-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Algumas também estão aborrecidas com as explicações mais recentes do Vaticano para não reconsiderar ou adaptar o título, que parece colocar sobre as mulheres o dever de se verem incluídas.
A encíclica de Francisco, que deve se concentrar em questões de solidariedade e amizade humana enquanto o mundo continua a enfrentar a pandemia do coronavírus, está marcada para ser lançada em 4 de outubro. O título do documento foi retirado de um dos escritos de São Francisco de Assis para os primeiros membros de sua ordem, a quem ele se referia em latim como seus irmãos.
Embora a tradução italiana “fratelli tutti” possa soar para um ouvido italiano moderno como “todos, irmãos e irmãs”, a tradução exata é “todos irmãos”.
Marie Dennis, que como co-presidente de longa data da Pax Christi International ocupou um dos mais altos cargos disponíveis para uma mulher na Igreja Católica, disse ao NCR que estava preocupada, pois a construção masculina do título pode desviar a atenção da importância do resto do próximo documento do papa.
“Eu entendo que o papa Francisco pretende ser inclusivo, mas a tragédia de insistir em um título que exclui metade da família humana é imensa”, disse Dennis, que deixou o cargo de co-presidente em 2019 depois de 12 anos.
“A mensagem urgente de solidariedade e comunhão do papa Francisco, enraizada em relacionamentos corretos e não violentos, não será ouvida por aqueles que não podem mais aceitar nossa marginalização na Igreja ou na sociedade”, advertiu ela.
Uma importante mulher católica italiana expressou preocupação especial com um artigo de 16 de setembro que apareceu no portal de notícias oficial do Vaticano, o Vatican News, defendendo o título masculino da encíclica.
O artigo, escrito por Andrea Tornielli, diretor editorial do Vaticano, explicava que o título foi tirado diretamente das palavras de São Francisco, e que o papa Francisco não queria alterar as palavras do santo.
Tornielli também afirmou, que “seria um absurdo pensar que o título tenha a intenção de excluir mais da metade da humanidade”. (Curiosamente, o uso da palavra “absurdo” por Tornielli apareceu na versão italiana do texto, mas não na versão inglesa).
Paola Lazzarini, presidente do grupo italiano Donne per la Chiesa (Mulheres pela Igreja), apontou para o comentário de Tornielli e disse: “Mais uma vez o Vaticano nos disse como devemos interpretar suas palavras, se podemos ou não nos sentir ofendidas, e ainda que nossos pedidos sejam ‘absurdos’”.
“Esse mansplaining tornou-se intolerável”, disse Lazzarini, que também é professora de sociologia da religião e cujo grupo inclui centenas de mulheres italianas que buscam uma melhor inclusão das mulheres na liderança da Igreja.
“Cabe a nós, mulheres, dizer se nos sentimos representadas nesse ‘Fratelli tutti’ ou não”, disse ela. ‘Pelo que consegui reunir nestes dias, vindo de muitas amigas crentes na Itália e no exterior, a resposta é não”.
Natalia Imperatori-Lee, professora de estudos religiosos do Manhattan College de Nova York, disse que estava “muito irritada” com o título da encíclica. Ela chamou a situação de um empecilho para as mulheres na igreja.
“Se chamarmos a atenção para a linguagem excludente, pareceremos mesquinhos ou que estaremos nos concentrando em um pequeno detalhe”, disse Imperatori-Lee. “Por outro lado... as preocupações das mulheres são sempre minimizadas. Nunca é o momento certo para trazer as coisas à tona, nossas preocupações nunca são tão importantes quanto outras questões”.
O teólogo perguntou como os homens se sentiriam se o título da encíclica adotasse o plural feminino italiano de “Sorelle Tutte”, ou “irmãs todas”.
“Se todas as encíclicas fossem escritas sobre o gênero feminino, os homens se sentiriam totalmente integrados?”, perguntou. “Eles se sentiriam ridículos por trazer isso à tona? Ou essa preocupação, de excluir sistemática e simbolicamente um número significativo do povo de Deus, seria preponderante nas mentes dos papas, bispos, teólogos?”.
O Vaticano indicou que o título da nova encíclica será deixado em italiano e não será traduzido para outras línguas. Nesse sentido, seguem o modelo da última encíclica de Francisco, “Laudato Si”, que foi lançada em 2015 e também tinha um título tirado de São Francisco.
O Vatican News tentou novamente esclarecer o significado de “Fratelli tutti” em 22 de setembro, publicando um artigo do suíço capuchinho Niklaus Kuster, um historiador conhecido como especialista em São Francisco.
Kuster disse que a frase de São Francisco deve ser traduzida “de uma forma que todos os cristãos, homens e mulheres, se sintam envolvidos”.
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Mulheres católicas criticam o “mansplaining” sobre o título masculino da encíclica papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU