15 Setembro 2020
"O pós-humano se configura, portanto, em torno da ideia central de uma humanidade derrotada por seu próprio progresso", escreve Paolo Benanti, teólogo e frei franciscano da Terceira Ordem Regular, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 12-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O desenvolvimento das máquinas, que vimos explodir nessa mudança de época, corresponde também a uma nova visão da vida: o pensamento pós-humano. Para entender o que esta nova era da tecnologia comporta, devemos começar a analisar a correspondente inédita compreensão do ser humano.
Como todo fenômeno cultural, o pós-humanismo, antes mesmo de se reconhecer como tal, formou-se em torno de vários círculos de pensamento e outras vanguardas. Hoje o pós-humanismo tem um grande impacto no panorama científico e cultural contemporâneo, mas ainda resiste a uma definição comum. Além disso, a retórica pós-humana compartilha muitos aspectos e de fato depende do discurso pós-moderno, sem constituir um seu sinônimo.
O movimento pós-humano lentamente toma forma a partir da segunda metade do século passado. Alguns estudiosos sugerem considerar 1982 como a data em que o movimento começa a se formar em torno de algumas ideias-chave. O motivo dessa escolha está ligado a um artigo publicado pelo popular semanário "Time" que, na época, causou grande sensação na opinião pública, revelando uma mudança que já havia se realizado na sociedade ocidental. O Time, como se sabe, é um periódico estadunidense que dedica a primeira capa de cada ano à pessoa mais influente do ano recém terminado, a quem se atribui o título de Man of the Year.
Em 1983 a revista norte-americana, dando continuidade a uma tradição de mais de cinquenta anos, indica assim as qualidades que distinguem o vencedor de 1982: é jovem, confiável, silencioso, limpo e inteligente; é bom com números e ensinará ou entreterá as crianças sem reclamar. No entanto, o "Time" não se referia a um ser humano, mas a um computador e no editorial que acompanhava a proclamação do vencedor, Otto Friedrich destacava que, embora muitos homens pudessem ter sido eleitos para representar 1982, ninguém foi capaz de simbolizar o ano recém transcorrido tanto quanto um computador eletrônico.
Lendo as cartas-resposta dos leitores que acompanharam a escolha do "Time", parece-nos que podemos indicar nesse evento um símbolo do que o pós-humanismo logo proporia, ou seja, que dessa vez a humanidade parecia ter falhado ao compromisso de deixar uma marca. De fato, o reconhecimento de "Homem do Ano" não era mais aplicável e a capa era decorada com um novo título: "Máquina do Ano". No centro da página estava a máquina vitoriosa, com sua tela vívida repleta de informações e, ao lado, uma escultura gasta e sem vida de uma figura humana atuando como um espectador, com seu epitáfio formado pelas palavras sob o título principal: “Chegou o computador”. Assim era sancionada a ideia de um homem em crise, incapaz de saber gerir as máquinas que ele mesmo havia criado, destinado a ficar confinado a um passado feito de resíduos arqueológicos. O pós-humano se configura, portanto, em torno da ideia central de uma humanidade derrotada por seu próprio progresso.
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Pós-humano demasiado pós-humano. Artigo de Paolo Benanti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU