10 Setembro 2020
Composta principalmente por advogados, a associação Notre Affaire à Tous faz campanha para consagrar na legislação a noção de crime contra o meio ambiente, ou ecocídio, inspirada na legislação do genocídio. Integrante da delegação francesa em visita ao Vaticano no dia 3 de setembro, sua presidente honorária, Valérie Cabanes, pediu o apoio do Papa Francisco para que este crime seja reconhecido para as Ilhas de Vanuatu e Maldivas, duramente atingidas pelo aumento do nível das águas.
A entrevista é de Pascale Tournier, publicada por La Vie, 09-09-2020. A tradução é de André Langer.
Mas essa não é a única façanha militar da ONG. Desde a sua criação, em 2015, a Notre Affaire à Tous tem procurado o reconhecimento de uma justiça climática ao modificar fundamentalmente a legislação. Porque a matéria jurídica é também o reflexo do consenso coletivo, de uma escolha de sociedade e das batalhas prioritárias a serem travadas. A associação ficou conhecida pelo Caso do Século. Realizado juntamente com a Fundação Nicolas Hulot para a Natureza e a Humanidade, Greenpeace e Oxfam, este trâmite denuncia a falta de ação do Estado francês na luta contra a mudança climática. A ação foi apresentada ao tribunal administrativo, e o veredito é esperado para o outono.
La Vie encontrou em Arles, durante o festival Agir pour le Vivant, uma das fundadoras da associação, a eurodeputada EELV (Europe Écologie Les Verts) Marie Toussaint. Nascida em 1987 de pais comprometidos com o movimento internacional ATD Quart Monde, essa ex-aluna de Bruno Latour, que entrou nos Verdes aos 18 anos, é um dos novos rostos da ecologia política.
Como surgiu a noção de ecocídio?
O termo refere-se à criação de um crime relacionado ao fato de destruir (cidere, matar) nossa casa (oikos). A consciência precede o direito: fazer a defesa do reconhecimento dos ecocidas significa, antes de tudo, abrir os olhos para os danos ecológicos irreparáveis provocados por agressões inaceitáveis aos ecossistemas. É, ato contínuo, recusar a impunidade quando tais crimes são cometidos. A ideia não é nova: o conceito nasceu na década de 1970 para designar as devastações provocadas pelo agente laranja usado pelos militares dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. No discurso de abertura da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo em 1972, a palavra aparece. Mas, em 1996, foi excluída do texto do projeto de “código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade”, que cria o futuro Tribunal Penal Internacional. O termo retorna no início dos anos 2000, conforme aumenta a consciência dos nossos deveres ecológicos. Nossas sociedades amadureceram: trata-se de reconhecer novas responsabilidades em matéria de destruição do ambiente.
Essa noção tem alguma chance de entrar no direito francês ou internacional?
Deveria. Durante a Convenção Cidadã do Clima, o presidente Emmanuel Macron disse que, em nome da França, levaria essa luta às instâncias internacionais. Até agora, ele não fez nada. A nível europeu, estamos travando uma luta no âmbito da revisão da diretiva europeia para o ambiente de 2008. Poderíamos usar o exemplo da Itália, que reconhece os crimes autônomos contra o ambiente. Isto significa que os danos ambientais, quer sejam cometidos no âmbito de uma infração administrativa ou não, podem ser abarcados pelo direito penal. Este é um avanço significativo.
Você também está interessada em mudar mais profundamente a filosofia do direito. Por quê?
A crise climática requer uma mudança civilizacional, e o direito deve ser uma das ferramentas. No século XVIII, a luta era pelos direitos civis; no século XIX, pelos direitos sociais; no século XX, pelos direitos humanos. O século XXI será o século do reconhecimento dos direitos ambientais. Durante muito tempo, pensamos que os humanos estavam separados da natureza. Devemos mudar a legislação para reequilibrá-la no sentido de levar em consideração a unidade dos seres vivos, para que se estabeleçam as inter-relações entre os ecossistemas. Por enquanto, tudo está muito compartimentado – direito da água, dos resíduos –, com uma incapacidade de levar em conta as poluições difusas no tempo e no espaço. Um exemplo: a concentração de CO2 no ar responsável pela perda de controle climático é o resultado de várias ações, ao longo de várias décadas (até séculos) e em todas as partes. A legislação atual não trata de nada disso.
'Notre Affaire à Tous' está empenhada no reconhecimento dos direitos da natureza. Quais são eles?
Regenerar-se, defender-se perante a justiça e intervir nas decisões políticas que lhe dizem respeito. Filosoficamente, trata-se de refutar o direito dos seres humanos de destruir a natureza, reconhecendo que ela tem direitos próprios. Politicamente, é uma refundação ecológica do mundo baseada na redução da divisão entre o humano e a natureza. Operacionalmente, trata-se de dar um estatuto jurídico a rios, florestas e ecossistemas para fortalecer sua proteção. No Equador, um armador e sua tripulação foram condenados em nome dos direitos da espécie por terem dizimado mais de 6.000 tubarões. Na Colômbia, vinte jovens obtiveram no Supremo Tribunal o reconhecimento dos direitos da floresta amazônica. Nós estamos nos mobilizando para que a França e a Europa estejam na vanguarda desta revolução jurídica.
Inscrever a ideia da justiça ambiental na agenda da mídia parece difícil. Vimos isso durante a crise dos “coletes amarelos”, onde aqueles que são assombrados pelo fim do mês são menos assombrados pelo fim do mundo...
Os “coletes amarelos” recusaram-se a pagar o pato: injustiça fiscal, segregação territorial, atentados ambientais recaem com demasiada frequência sobre as mesmas populações... às quais se pediria, além disso, para pagar a conta! A transição ecológica deve ser feita na justiça social, devemos repensar nossas políticas públicas colocando no centro a questão da redução das desigualdades. Eu me identifico plenamente com o movimento por justiça ambiental. A ecologia que me inspira nasce das lutas dos mais desfavorecidos para defender suas condições de vida e o meio ambiente. Ao acabar com as opressões ambientais, agimos de forma eficaz pela igualdade social.
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“Devemos dar um estatuto jurídico à natureza”. Entrevista com Marie Toussaint - Instituto Humanitas Unisinos - IHU