08 Setembro 2020
“Não deveria admirar que uma diocese se torne promotora de um caminho que não só gera oportunidades de trabalho e de crescimento, mas que também representa, principalmente, uma oportunidade de discernimento sobre o próprio ser humano, porque a inteligência artificial não representa apenas uma fronteira entre técnica e ética, mas também um limiar entre o ser e o não ser”, explica o Pe. Luca Peyron, diretor da Pastoral Universitária e coordenador do Serviço para o Apostolado Digital da Arquidiocese de Turim, na Itália.
A entrevista é de Luca Sambucci, publicada por Key4bis, 07-09-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando o grupo de especialistas em inteligência artificial convocado pelo Ministério do Desenvolvimento Econômico da Itália para criar a estratégia italiana de inteligência artificial apresentou a ideia de criar um Instituto Italiano para a Inteligência Artificial (ou I3A), o Pe. Luca Peyron – diretor da Pastoral Universitária e coordenador do Serviço para o Apostolado Digital da Arquidiocese de Turim – entendeu que a capital do Piemonte já tinha todas as credenciais para acolher a nova instituição.
Após a nota da presidência do Conselho dos Ministros que oficializou Turim como a sede do futuro instituto, quisemos ouvir o Pe. Luca para recolher as suas impressões e entender o que será preciso fazer agora para concretizar esse importante projeto.
Como surgiu a intuição de Turim como capital da inteligência artificial?
A proposta nasceu de uma reflexão realizada dentro da equipe do Apostolado Digital da Arquidiocese de Turim. Junto com estudantes e especialistas do setor, há algum tempo observamos com atenção as transformações digitais e o seu impacto nas pessoas, nas comunidades, mas sobretudo na necessidade de uma governança política das mudanças tecnológicas, particularmente no âmbito da inteligência artificial.
Quando o Ministério do Desenvolvimento Econômico publicou o documento definitivo com as propostas para a “Estratégia Italiana para a Inteligência Artificial”, recomendando a criação de uma estrutura de pesquisa e de transferência de tecnologia para atrair talentos internacionais e se tornar um “farol” para o desenvolvimento da inteligência artificial na Itália, pensamos que Turim tinha todas as credenciais sob vários pontos de vista: do ponto de vista tecnológico com duas grandes universidades de excelência internacional; do ponto de vista logístico pela sua localização geográfica; do ponto de vista empresarial pela sua reconhecida vocação ao fazer; e, se me é permitido, do ponto de vista eclesial, pela sua capacidade de unir o saber com as necessidades do território, como os inúmeros santos sociais destas terras demonstraram com as suas obras que ainda hoje unem inteligência e caridade.
Qual foi a reação do tecido social de Turim, política, indústria, sociedade civil? E quais foram os comentários da comunidade italiana de inteligência artificial?
A reação à proposta logo recebeu a adesão das instituições municipais, das universidades, da união das indústrias e das associações, fundações e ordens profissionais. Em poucas semanas, inúmeros outros stakeholders expressaram com entusiasmo a vontade de participar de um processo compartilhado para apoiar a candidatura de Turim para ser o hub nacional para a inteligência artificial. O trabalho de tessitura foi menos tenso do que se poderia pensar. A maior parte dos interlocutores desejava aproveitar esta oportunidade e demonstrou clarividência e vontade de compartilhar um projeto comum pelo bem do território.
Entre a crise econômica de 2008 e a crise atual ligada à pandemia, Turim não fez nada além de se esforçar dia após dia, com o medo de não conseguir valorizar o seu capital humano, cultural, social e tecnológico. Esta foi uma oportunidade para redescobrir que, ao lado dos impulsos divisórios e das tentações de instrumentalizar egoisticamente uma oportunidade, também existe a capacidade de fazer uma frente comum e se unir por um objetivo maior. Naturalmente, com o estilo savoiano que caracteriza a todos nós em Turim.
Nem sempre se vê a Igreja na vanguarda das questões tecnológicas. No entanto, no âmbito da inteligência artificial, desde a Rome Call for AI Ethics até a proposta de Turim como capital da inteligência artificial da Itália, notamos um envolvimento eclesiástico muito ativo nas questões da inteligência artificial. Pode nos ajudar a entender o porquê desse interesse particular?
Ainda no Documento Final do Sínodo dos Jovens, há dois anos, os Padres sinodais reconheceram que o ambiente digital representa para a Igreja um desafio em vários níveis e que é imprescindível aprofundar o conhecimento das suas dinâmicas e o seu alcance do ponto de vista antropológico e ético. Cada dia mais, fica claro que também é necessário impregnar esse ambiente com o Evangelho, para que as suas culturas e as suas dinâmicas não acabem sendo contra o ser humano, em vez de pelo ser humano e, portanto, com Deus, em vez de para a Sua Glória. A história da Igreja é inseparável da história do saber, e não deveria admirar que uma diocese se torne promotora de um caminho que não só gera oportunidades de trabalho e de crescimento, mas também que representa, principalmente, uma oportunidade de discernimento sobre o próprio ser humano, porque a inteligência artificial não representa apenas uma fronteira entre técnica e ética, mas também um limiar entre o ser e o não ser.
Como nasceu o seu interesse pela tecnologia e pela inteligência artificial?
Depois da graduação em Direito, exerci a profissão por quatro anos no campo das marcas e das patentes, lidando com internet e direito. Um amor antigo, portanto. Hoje, lido com a relação entre teologia e transformação digital, tanto na Universidade Católica de Milão, quanto aqui na Universidade de Turim.
Agora, haverá muito trabalho para passar das promessas à realidade. O que você acha que deveria ser feito imediatamente?
Este é o tempo de fazer e, portanto, é preciso que as instituições junto com a sociedade civil construam um projeto concreto. Mas não só: este também é o tempo da verificação, para que as esperanças e os recursos que a proposta reacendeu nesta cidade não sejam traídos por um grupo de trabalho que se fecha sobre si mesmo. Agora, é preciso montar um projeto que consiga conjugar necessidades concretas e sonhos coletivos, porque uma cidade nunca é terra de ninguém, mas sim a casa de todos. Só há um modo para que um projeto como esse possa ser vivido pelos cidadãos como um projeto da cidade: prever espaços de participação, olhar para o bem comum e colocar no centro o ser humano na sua integridade. Um manifesto ético é o ponto de partida.
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Turim, capital da inteligência artificial na Itália. Qual o papel da Igreja? Entrevista com Luca Peyron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU