26 Julho 2020
“A nova política deverá saber como contribuir com novas formas de examinar e integrar a nova complexidade, que nos permitam repensar e inovar nas respostas. Em definitivo, a nova política será e valerá a pena na medida em que nos prepare melhor para gerir a complexidade”, escrevem Marc Grau, professor da Universidade Autônoma de Barcelona, e Elisenda Alamany, vereadora de Barcelona e conselheira metropolitana, em artigo publicado por Ctxt, 08-07-2020. A tradução é do Cepat.
Hoje, as pessoas estão decepcionadas e frustradas com as promessas e expectativas não exercidas. Nossa vida está cheia de incertezas e de dúvidas no trabalho, família, política, etc. Em poucos anos, mudaram as dinâmicas sociais e econômicas, a concepção do trabalho, as estruturas sociais e familiares e as práticas de consumo e lazer. Nada voltará a ser igual, já que tudo está mudando. Nossa sociedade está marcada pela última década de crise econômica e social e a incapacidade em lhe dar uma resposta também se tornou uma crise de confiança e legitimidade da política.
Quando ainda não podemos saber os impactos da crise derivada da pandemia, mais que falar de crises encadeadas, hoje, temos que falar de uma mudança de época, porque esta não é uma situação transitória. Somos testemunhas de mudanças profundas que, de fato, foram sendo gestadas há mais de vinte anos, e que se aceleram com cada uma das crises que vivemos. Justamente porque não podemos nos permitir cair nos mesmos erros da gestão da crise de uma década atrás, já não nos servirão as receitas antigas. E para agir diferente, será necessária a criatividade e a nossa capacidade de inovação para construir novas soluções que deem resposta aos desafios dos novos tempos.
Poderíamos dizer que apesar da sociedade ter mudado muito nas últimas décadas, a política continua sendo resistente a estas mudanças. Temos uma política ainda pouco adaptada à complexidade e contamos com algumas instituições rígidas, pensadas para oferecer respostas homogêneas a uma sociedade que hoje se tornou definitivamente mais diversa e complexa e que requer respostas específicas. Consequentemente, necessitaremos de formas de governança tão complexas e dinâmicas conforme é o mundo em que vivemos, ou não teremos êxito. E por isso será necessário entender que se a política é oferecer resposta aos problemas coletivos, esta não se esgota nas instituições. Vai muito além.
Precisamos de uma política que olhe sempre ao redor para ver com quem e com o que podemos contar, para articular redes híbridas com atores sociais, econômicos, científicos, etc. Cada assunto a ser gerido exigirá formas de governança específicas. E veremos que a fórmula mais adequada em cada caso quase nunca se encaixará completamente nos marcos tradicionais do mercado-competição ou com o monopólio institucional no qual pensamos a organização dos assuntos coletivos até o momento. Se as instituições sozinhas não podem tudo, teremos que nos preparar para novas formas de governança híbridas, baseadas na cooperação e a interdependência, em que a negociação entre atores e interesses diversos será um elemento central.
Aparte isto, é uma evidência que a cada dia nos deparamos com parlamentos mais fragmentados, e os governos de coalizão são uma realidade nas diferentes escalas de governo, da local ao estatal. As dinâmicas de convivência, que nem sempre são fáceis, ou a negociação constante para chegar a acordos adicionam complexidade a este novo cenário. E, sejamos realistas, não estávamos acostumados. Em definitivo, a fragmentação crescente e as formas de governança exigem renovar as formas de chegar a acordos e consensos. Assim, a necessidade de um novo paradigma de negociação é chave para gerir a crescente complexidade.
Mas o que significa negociar na política hoje em dia? Até agora, a atitude na negociação política esteve marcada por uma lógica de dividir o bolo. O ‘bom negociador’ parte de uma posição, e vai buscando convencer o oponente para que a aceite, argumentando a favor de sua posição, questionando a validade dos argumentos do rival e fazendo concessões recíprocas, até chegar ao acordo. Sabe que tem que conseguir um pedaço, quanto maior, melhor. E, portanto, precisa dominar o terreno das ameaças, mentiras, propostas extremas, as “fanfarrices”, os ultimatos e saber esconder bem a sua informação.
Nesta lógica habitual, de fato, não há nenhum incentivo para uma negociação real. Cada parte tem incentivos para perder tempo, para não avançar. Porque quanto mais ‘avança’, menos benéfico será o acordo. Basicamente, porque se tende a pensar que na medida em que vamos fazendo concessões, nos distanciamos da posição inicial.
Esta descrição poderia parecer exagerada, mas infelizmente se parece muito com o que nos deparamos, em grandes traços, na política. Não é de estranhar, portanto, que nesta lógica se cheguem a acordos ruins e de visão estreita para sair do impasse. Qual seria a alternativa? Como dizíamos, estamos em um mundo complexo, marcado pela incerteza, no qual as opções nunca vêm dadas de início. Apesar disso, comumente, costuma-se pensar que sabemos a solução antes de começar. A chave é saber ir além do jogo de soma zero e que os processos estejam marcados pela empatia e a criatividade.
Ou seja, se concebermos os processos de negociação política como um exercício de análise e de inovação, podemos criar valor, ampliar o horizonte de possibilidades e construir acordos que colham e deem resposta aos interesses comuns. Sendo assim, em vez de brigarmos só pela fatia maior, poderíamos utilizar a negociação para aumentar o bolo. Em definitivo, melhores negociações nos permitiriam melhores resultados.
A política é a ferramenta que dispomos para encarar os conflitos e traçar os caminhos que empreenderemos na construção de nosso futuro coletivo. Por isso, é importante entender que as decisões na democracia não derivam de pareceres técnicos objetivos que encerram os debates e conflitos de maneira definitiva, mas da possibilidade de encontrar espaços de acordo entre os interesses em jogo. É por isso, que em um cenário complexo e politicamente cada vez mais fragmentado, a capacidade de negociação política se torna uma virtude imprescindível para as novas lideranças. Estamos em um contexto em que é urgente a necessidade de enfrentar o desafio de renovar e modernizar as formas de liderança e de governança para adaptá-las aos novos tempos.
Uma sociedade mais complexa pede novas formas de liderança, com maior capacidade de tecer cumplicidades e alianças, que incluam vozes diversas e que tornem as decisões que tomamos mais robustas, menos frágeis e com maior impacto. A nova política deverá saber como contribuir com novas formas de examinar e integrar a nova complexidade, que nos permitam repensar e inovar nas respostas. Em definitivo, a nova política será e valerá a pena na medida em que nos prepare melhor para gerir a complexidade.
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Governar a complexidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU