17 Abril 2020
“O debate é bem-vindo e necessário, mas certamente seria proveitoso se assumíssemos a única variável que podemos contar como verdadeira: estamos em plena época de incertezas, onde forçar-se a ser hiperprecisos nos levaria a um caminho contraproducente”, escreve Alfredo Serrano Mancilla, economista espanhol e diretor executivo do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica - CELAG, em artigo publicado por CELAG, 14-04-2020. A tradução é do Cepat.
Por mais de um século, o rigor científico está ligado à hiperprecisão. As Ciências Sociais foram fortemente influenciadas pelo paradigma dominante da Mecânica, assumindo que quase sempre pode existir uma relação precisa e, portanto, previsível, entre muitas variáveis que interagem entre si. A certeza no comportamento de todas as arestas possíveis entorno do objeto de estudo é uma premissa fundamental para realizar qualquer análise implacável.
De fato, quando a incerteza aparece, o arcabouço teórico hegemônico em Economia, o neoclássico, pressupõe certos cenários para resolver a equação. Uma fórmula muito habitual é o uso desmesurado do ceteris paribus, tudo o mais constante, assumindo que muitas variáveis não alteram seu comportamento diante de qualquer fenômeno que se produza. E isso não acontece apenas com a Economia. Também em outras Ciências Sociais, como a Teoria política e a Sociologia, são usados métodos semelhantes para eliminar a mínima distorção gerada pelo incerto. Um bom exemplo disso é a Teoria da escolha racional.
No entanto, estamos em um momento em que não temos certeza e, consequentemente, há poucas possibilidades de sermos precisos. São procuradas infinitas maneiras de calcular o verdadeiro número de infectados, mas são todas aproximações e estimativas baseadas em múltiplas hipóteses. Todos elas são atualizadas constantemente porque a margem de erro é muito ampla para ser considerada como válidas.
Nem sequer podemos ter certeza do número real de falecidos pela Covid-19 (cada país tem seu próprio protocolo para contabilizá-lo). Tampouco somos capazes de ter certeza sobre a duração dessa pandemia. Não se sabe com certeza o momento certo em que chegará a vacina. E ainda não sabemos se os métodos paliativos para tratar esse vírus são 100% eficazes.
No âmbito econômico, não sabemos exatamente o impacto da pandemia. Existem vários organismos internacionais especializados neste assunto que realizam seus cálculos sobre o efeito no PIB, pobreza, produção mundial, atividade comercial e emprego. E todos eles atualizam constantemente o valor, porque é impossível prever a extensão da pandemia com o passar dos dias. Por exemplo, há duas semanas, a OIT estimou que o coronavírus colocaria em risco até 25 milhões de empregos e, por outro lado, seu balanço diário já fala em 195 milhões de empregos perdidos em período integral.
Algo semelhante acontece e acontecerá ainda mais com todas as análises geopolíticas, políticas e sociológicas. O que ontem foi negativo, hoje poderá ser considerado positivo. Em termos geopolíticos, veja a mutante avaliação da China, que deixou de ser a “culpada” para hoje ser o “exemplo”. Isso está acontecendo em todas as questões fundamentais de nossas vidas.
Germinam infinitas dúvidas e incertezas acerca da evolução de nossas avaliações e sentidos comuns resultantes em torno de:
(1) o papel do Estado;
(2) o público e o coletivo frente o privado e o individual;
(3) as lideranças vencedoras;
(4) as novas fórmulas democráticas que poderão surgir;
(5) o autoritarismo presidencialista;
(6) os dilemas éticos baseados na relação intergeracional;
(7) a globalização resultante;
(8) a exaltação dos nacionalismos;
(9) as relações internacionais e a ordem geopolítica;
(10) a antipolítica e a revalorização de especialistas e cientistas;
(11) o limite da comunicação frente à ineficácia na administração;
(12) o papel dos organismos internacionais;
(13) a preferência por um maior protecionismo;
(14) a moral cidadã;
(15) a liberdade como um direito diante da necessidade de sermos controlados para diminuir os efeitos da pandemia.
Tudo é verdadeiramente incerto e impreciso. Tanto é assim que estamos em uma situação genuína na História: Sociedade e Estado, pelo instinto de vida, paralisam em parte as forças econômicas do capitalismo. Isso atrapalha a ordem econômica global, sem saber absolutamente nada, a ciência certa, qual será o resultado nos próximos meses. As especulações são contínuas por parte dos políticos, jornalistas, intelectuais e cientistas. A maioria tem seus próprios fundamentos teóricos e argumentos muito legítimos para interpretar esse complexo presente e realizar previsões sobre o futuro imediato.
O debate é bem-vindo e necessário, mas certamente seria proveitoso se assumíssemos a única variável que podemos contar como verdadeira: estamos em plena época de incertezas, onde forçar-se a ser hiperprecisos nos levaria a um caminho contraproducente.
É por isso que, talvez, se abra uma nova época, presente e futura, para introduzir uma estrutura referencial na qual a incerteza e a imprecisão estejam presentes em nossa tentativa de estudar o que acontece conosco e o que acontecerá como sociedade. Nesse sentido, é mais do que recomendado olhar o trabalho de Silvio Funtowicz e Jerome Ravetz, Science for the Post-normal Age, na revista Futures, no qual realmente explicam a necessidade de trabalhar com outro enfoque, da Ciência Pós-normal, para poder analisar e tomar decisões quando os fatores são incertos, há múltiplos valores em disputa e os riscos são altos.
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A era da imprecisão e incerteza. Artigo de Alfredo Serrano Mancilla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU