09 Junho 2020
Foram enterrad@s na sexta-feira, 5, o pastor Emmanuel Saba Bileya, 51 anos, da Igreja Reformada Cristã de Marraba, no Estado de Taraba, Nigéria, e sua mulher, Juliana, 45, que estava grávida, mortos a tiros na segunda-feira, 1, por pistoleiros quando trabalhavam em sua fazenda. A identidade dos assassinos ainda é desconhecida.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
“No que está sendo observado como uma guerra direta sistemática contra o cristianismo na Nigéria, pastores, líderes cristãos e seminaristas estão sendo sequestrados ou mortos a cada semana”, diz nota da Hausa Chiristian Foundation, que aponta jihadistas do Boko Haram e um grupo pouco conhecido, mas muito violento, os militantes Fulani, como autores de atentados.
O governador do Estado de Taraba, Darius Ishaku, condenou o assassinato de Bileya e sua mulher Julia. “O assassinato do pastor e de sua esposa é perverso e desumano. Matanças dessa natureza acontecem com muita frequência recentemente nas comunidade do sul de Taraba e isso é inútil para os esforços contínuos do governo para alcançar uma paz duradoura entre as comunidade da região”, assinalou.
Bileya estava concluindo doutorado em Teologia. “É com o coração partido que o Institute for Worship Studies (IWS) anuncia a morte do estudante Emmanuel Bileya, sua esposa Juliana e seu filho no útero, cujo nome é conhecido apenas por Deus. O martírio deles foi resultado de uma guerra étnica em curso no país”, aponta comunicado da instituição.
O quadro de violência no país mostra-se complicado, que vai muito além de uma questão religiosa. Dias antes de morrer, Bileya escreveu nota tentando explicar a origem dos conflitos na área. “Esta guerra está acontecendo há cerca de um mês na minha região, desde abril de 2020. Outra tribo destruiu nossas igrejas e rumores de que planejam destruir a igreja em que estou trabalhando”, assinalou, informando que muitas pessoas fugiram de Marraba em busca de segurança.
A guerra começou, historiou, com uma disputa agrícola. “Um homem, membro da igreja, gentilmente deu parte de suas terras para um homem de outra tribo para cultivar. Mas este ano, 2020, o homem (agraciado) invadiu mais as terras agrícolas, que o proprietário discordou”. Enquanto o conflito estava em análise por um comitê de resolução de disputas agrícolas, constituído por integrantes de ambas as tribos, o invasor “convidou 200 outras pessoas que vieram com armas” e forçou o cultivo da terra. “Quando o dono os viu e tentou detê-los, eles o espancaram até a morte”.
Jovens revidaram e espancaram um trabalhador da fazenda. Quatro pessoas da igreja de Bileya foram em busca de emprego em outra vila e no caminho foram baleados, dois morreram. “Em resumo, as pessoas de uma tribo atacaram minha vila duas vezes sem sucesso, mas tiveram sucesso na terceira tentativa, mataram alguns moradores e incendiaram a vila e nossa igreja filial”, descreveu o pastor.
A violência civil na Nigéria vem de anos. Dois grupos são responsáveis por atos terroristas, matanças, destruição de vilas, sequestros: o Boko Haram e os pastores da etnia Fulâni. Boko Haram, na língua hausa, significa “a educação não islâmica é pecado”. O grupo insurgente, ativo desde 2002, tem por objetivo tomar o poder e construir uma república islâmica.
O outro grupo é pouco conhecido, são os militantes Fulani ou Fula, presentes em pelo menos sete países da África Oriental, uma tribo com mais de 20 milhões de pessoas. Trata-se de um grupo de pastores de gado semi nômade envolvido em conflitos com comunidades agrícolas.
A ONG Sociedade Internacional para Liberdades Civis e Estado de Direito, sediada em Anambra, estima que 620 cristãos foram mortos, centenas de casas e igrejas danificadas na Nigéria desde o início do ano por conta da ação desses dois grupos “que intensificaram sua violência anticristã”.
O presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, foi reeleito no ano passado pelo partido Congresso dos Progressistas (APC). Buhari, um ex-general da etnia hausa do norte e muçulmano, é homem de negócios que se comprometeu a combater a corrupção, que corrói o país mais populoso e o primeiro produtor de petróleo da África.
Em julho de 2019, o ex-presidente Olusegun Obasanjo, preocupado com a insegurança instaurada no país, escreveu carta aberta ao presidente Buhari cobrando dele firmeza no combate ao grupo Boko Haram e aos Fulani.
“Crises e ameaças de pastores/agricultores começaram com o governo tratando o problema com uma luva de carinho em vez de um martelo. Ele apodreceu e se espalhou. Hoje, tornou-se banditismo, sequestro, assalto à mão armada e assassinatos em todo o país”, denunciou. Muitos nigerianos e amigos forâneos da Nigéria apontam “responsabilidade indireta a você como elite Fulani”, cobrou Obasanjo.
Quanto ao Boko Haram, Obasanjo afirmou que “ainda é uma questão diária de insegurança para aquel@s que são vitimad@s, mort@s, mutilad@s, sequestrad@s, estupradas, vendidas como escravas e forçadas a se casar, e para crianças recrutadas à força para carregar bombas detonadas entre multidões de pessoas para causar o máximo de destruição e danos”.
Também no ano passado, em julho, a ONG internacional de Direitos Humanos Campanha do Jubileu, que já tinha demandado o Tribunal Penal Internacional (TPI) quanto às ações do Boko Haram, denunciou as ações dos Fulani. “Embora o governo nigeriano e outros tenham limitado os ataques militantes de Fulani como meramente parte de um ‘conflito entre agricultores e pastores’ de décadas, o relatório da Campanha do Jubileu retira essa noção”.
Num painel organizado pela ONG em Washington em 15 de julho de 2019, a representante da Campanha do Jubileu, Ann Buwalda, destacou que radicais Fulani realizam ataques munidos de carabinas de assalto que são caras, e contam, inclusive, com apoio de helicópteros. Ela quer saber quem está financeiramente por trás desses ataques.
Reportando-se ao relatório do World Watch Monitor, Buwalda citou que 4.194 cristãos foram mortos e 2.957 feridos na Nigéria entre 2014 e 2016, além das 30 igrejas e 195.576 casas cristãs danificadas. Se o conflito se restringe a um problema agrário, a militante dos Direitos Humanos perguntou “por que existem 180 mil (pessoas deslocadas internamente) no Estado de Benue? Por que existe quase 1 milhão de deslocados internos do nordeste da Nigéria?”
Buwalda teve o apoio do pastor nigeriano Yakubu Bakfwash, duas vezes sequestrado por militantes Fulani. Ele criticou o governo federal do seu país por não investigar e descobrir quem financia os ataques. “Os helicópteros são de propriedade de cidadãos comuns. Não é uma moto ou bicicleta. É de propriedade de indivíduos ou empresas ricas. Alguém rico é responsável. Esses tipos de indivíduos podem ser encontrados”, cobrou.
Emmanuel estava na fase final do seu doutorado pelo IWS. A tese que desenvolvia tinha por título “Promovendo uma aula formativa de discipulado pós-batismal para aprender a palavra de Deus na reforma cristã da Igreja na Nigéria”. Em toda carta ou email Emmanuel iniciava com “Saudações do Calvário”. “Esse lembrete constante da morte de Cristo era, como Emmanuel bem sabia, também um lembrete da vitória de Cristo sobre a sepultura”, frisa a mensagem da IWS.
O casal Bileya gerou oito filh@s, de 1 a 19 anos de idade. Por medida de segurança, os pais haviam levado @s filh@s, dias antes, para uma localidade mais segura.
De acordo com a lista do Open Doors USA de 2020, a Nigéria é o 12º pior país do mundo no item perseguição a cristãos. No país africano ações terroristas matam mais que o covid-19.
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Assassinato de pastor e companheira expõe quadro de violência na Nigéria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU