28 Fevereiro 2020
Mesmo com a isenção fiscal desenfreada, há tendência em liberar mais produtos como pesticidas.
A reportagem é de Ana Paula Evangelista, publicada por Brasil de Fato, 26-02-2020.
O governo brasileiro isentou os produtores rurais em R$ 10 bilhões em impostos sobre o acesso a agrotóxicos, em 2017. O dado é do relatório Uma política de incentivo fiscal a agrotóxicos no Brasil é injustificável e insustentável, divulgado em fevereiro de 2020, pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) foi a principal fatia na isenção, representando 63,1% do total.
Segundo Guilherme Franco Netto, coordenador do Grupo Temático Saúde e Ambiente da Abrasco e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, o valor de isenção fiscal mostra uma contradição entre a Constituição Federal de 1988 e a realidade brasileira.
Ao mesmo tempo em que existe a proteção ao meio ambiente e à saúde integral da população, existem “medidas que agem em função dos interesses econômicos de grupos que controlam parte do mercado que têm uma facilitação da circulação e do uso desses produtos muito grande”.
Para Netto, “no caso de agrotóxicos é uma coisa muito aberrante: nós temos uma isenção quase que integral sendo que o imposto em que mais existe essa isenção é sobre ICMS, ou seja, uma fonte importante de arrecadação dos estados”.
Além do valor “aberrante” em isenção fiscal, ele também destaca a liberação da quantidade de agrotóxicos desde o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), que vem ocorrendo em uma curva “acentuada”. Para o coordenador da Abrasco, mesmo com a isenção fiscal desenfreada, há a tendência em liberar mais produtos. No último dia de governo de Temer, em 2018, atingiu-se o recorde de agrotóxicos liberados, cerca de 450. Em 2017, foram 405.
Netto afirmou que o relatório pode servir de apoio para o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que questiona a isenção fiscal sobre agrotóxicos e que está para ser julgada desde junho de 2016. “Obviamente que esse relatório nosso tem um sentido completamente contrário ao da indústria do agronegócio e a todos os subsidiários.”
A ADI pede que a parte do Convênio nº 100/97, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) – um acordo entre as secretarias estaduais da Fazenda – que autoriza a isenção em 60% em cima do ICMS sobre pesticidas e outros insumos agrícolas se torne ineficiente. O PSOL também solicitou que o Decreto 7.660/2011 que zera a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos agrotóxicos seja considerado inconstitucional.
Na ação, o partido argumenta que, além de intensificar o uso de pesticidas, a isenção fiscal concedida pelo Estado fere o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição Federal.
A sigla alega também que o incentivo dado pelo Estado aos agrotóxicos não teria sustentação quando se comparam as questões de essencialidade e capacidade contributiva, pelo fato de as indústrias beneficiadas com a isenção fiscal serem de grande porte e terem “ampla capacidade de arcar com a carga tributária regular”.
Os argumentos dialogam com o parecer apresentado em 2017 pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a respeito da ação. Na época, ao considerar como procedente o pedido da legenda, ela afirmou que “o incentivo fiscal endereçado aos agrotóxicos traduz prática contrária aos ditames constitucionais de proteção ao meio ambiente e à saúde, sobretudo dos trabalhadores”.
Do outro lado, o governo federal argumenta que a desoneração levanta a competitividade entre os produtores melhorando a qualidade do produto. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estima que o fim da isenção fiscal pode representar uma transferência de R$ 12 bilhões aos produtores rurais.
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Governo Temer isentou produtores rurais em R$ 10 bilhões no acesso a agrotóxicos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU