21 Fevereiro 2020
Massimo Faggioli, historiador italiano e professor da Villanova University, nos EUA, em artigo publicado por La Croix International, 19-02-2020, analisa como o Papa Francisco tem trabalhado para desenvolver a sinodalidade em todos os níveis do catolicismo. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O bater de asas de uma borboleta pode mudar o clima a milhares de quilômetros de distância – é o que dizem. Não é muito diferente com a dinâmica da sinodalidade na Igreja Católica hoje.
O impacto do que acontece localmente pode influir na Igreja universal, especialmente quando ela se encontra em um estado de transição.
Desde o início de sua história, a igreja cristã realizou numerosos sínodos ou concílios locais. Apesar da diferença terminológica, ambos os nomes designam assembleias de bispos e incluem a presença limitada de participantes que não são bispos.
A conciliaridade local pavimentou o caminho para os concílios ecumênicos, cuja listagem oficial começou no ano de 325, quando o imperador (romano) Constantino convocou o Conselho de Niceia.
Mas a sinodalidade difere um pouco da conciliaridade.
A sua forma atual foi incorporada nas últimas seis décadas no Sínodo dos Bispos, instituição que Paulo VI criou para dar expressão à primazia papal que coopera com a colegialidade episcopal. Sua gênese foi uma doutrina desenvolvida entre 1962-1964 durante as três primeiras sessões do Concílio Vaticano II.
Paulo VI surpreendeu os Padres Conciliares quando abriu a quarta e última sessão, em setembro de 1965, anunciando o estabelecimento dessa nova instituição: o Sínodo dos Bispos. Segundo ele, o sínodo seria uma reunião de bispos de todo o mundo, convocada periodicamente em Roma pelo papa, a fim de discutir um tópico de sua escolha. Era para ser um órgão puramente consultivo.
João Paulo II desenvolveu ainda mais o Sínodo dos Bispos e trouxe a possibilidade de haver “assembleias especiais” para regiões específicas do mundo, como a que o Papa Francisco presidiu em outubro passado sobre a Amazônia. Isso foi codificado no novo Código de Direito Canônico de 1983:
“Cân. 345 – O Sínodo dos Bispos pode reunir-se ou em assembleia geral, ordinária ou extraordinária, para tratar de assuntos diretamente respeitantes ao bem da Igreja universal, ou ainda em assembleia especial, para se ocupar de assuntos diretamente concernentes a uma ou mais regiões determinadas” (grifo nosso).
A primeira “Assembleia especial” do Sínodo dos Bispos aconteceu, na verdade, três anos antes desta sua codificação.
João Paulo, eleito em 1978, convocou um Sínodo para a Holanda de 14 a 31 de janeiro de 1980.
Este encontro foi pensado para lidar com a situação pós-conciliar turbulenta pelo qual passava o país do norte da Europa, em parte decorrente da polêmica provocada pelo “Catecismo Holandês”, muito popular e amplamente traduzido para outros idiomas, que os bispos desse país haviam publicado em 1966.
O Sínodo Holandês foi bem diferente do Sínodo para a Amazônia. Antes de tudo, havia apenas dezenove participantes (todos os bispos e padres) nessa primeira assembleia especial, em comparação com os 260 presentes (incluindo não clérigos e mulheres) na assembleia de outubro passado.
A assembleia especial do Sínodo para a Holanda foi pensada para uma Igreja local, mas com implicações claras para a Igreja universal. Era a mensagem de João Paulo II sobre como o Vaticano II deveria ser aplicado ou interpretado pelos bispos em todo o mundo.
Houve outras assembleias sinodais especiais desde a primeira em 1980. Elas incluíram uma para um país em particular (o Líbano, em 1995) e várias outras nos vários continentes (a começar pelo primeiro Sínodo da Europa, em 1991, até o Sínodo do Oriente Médio, em 2010).
O chamado Sínodo para a Amazônia foi singular entre todas as assembleias especiais, pois não se voltara para um país, mas para uma região transnacional de importância mundial. Nisso, refletiu a visão que Francisco tem do mapa do mundo, onde as fronteiras nacionais são mais pontos de passagem do que perímetros.
Nenhuma outra assembleia especial teve a mesma ressonância e repercussões que vimos (e ainda estamos vendo) no Sínodo para a Amazônia.
Esta assembleia foi convocada para tratar de uma situação muito particular – a sobrevivência ecológica da região – em suas dimensões sociais, políticas, econômicas e eclesiais.
Nunca antes uma assembleia sinodal teve a ameaça existencial ao planeta inteiro como o seu tópico de debate. Essa é uma das razões do porquê a mensagem que se esperava do evento deveria ter uma relevância global.
Desde a criação do Sínodo dos Bispos por Paulo VI no Concílio Vaticano II, a interconexão do local e do universal passou a ficar mais nítida. Como acontece muitas vezes no catolicismo, é uma questão de símbolos e, nesse caso, de lugar.
Todas as assembleias sinodais até hoje – incluindo aquelas para um país ou continente em particular – aconteceram no Vaticano, o lar do Bispo de Roma.
No caso da assembleia para a Amazônia, o valor universal do encontro esteve claro: era uma reflexão da nova abordagem do Papa Francisco para o governo da Igreja.
Ele quis que esta assembleia para uma região particular fosse vivida como parte de um processo sinodal mundial. As origens nacionais diversas das 33 pessoas que ele nomeou especialmente como participantes do encontro atestam isso.
O Sínodo para a Amazônia reformula a relação entre o global e o local da Igreja Católica, hoje, à luz do pontificado de Francisco. Mas também revela os limites da nossa teologia e instituições de sinodalidade.
Em teoria, a sinodalidade existe em três níveis: o universal (para toda a Igreja Católica), o regional (nacional, continental ou subcontinental) e o local (diocesana ou paroquial). Mas, na verdade, ela atualmente funciona quase exclusivamente no nível universal (o Sínodo dos Bispos).
A ironia é que o sínodo nunca foi concebido como uma instituição de sinodalidade eclesial real, mas como um primado papal a usar a colegialidade episcopal. Nos níveis regional e local, os resultados da sinodalidade variam grandemente (para dizer o mínimo).
Quando criou o Sínodo dos Bispos, Paulo VI esperava que este fosse ampliar a experiência conciliar do Vaticano II, mas sem manter o episcopado inteiro em Roma durante anos a fio e sem paralisar o andamento normal da Igreja.
A convocação periódica do sínodo daria um momento eclesial de discussões entre os bispos, com a contribuição de teólogos (homens e mulheres) e na presença de auditores (algumas auditoras) e observadores ecumênicos.
Mas este momento continuaria sob o controle do papa e da Cúria Romana.
O Sínodo dos Bispos nasceu quando o papado ainda era excessivamente imperial, e quando a autoridade eclesial era ainda mais centralizada. Esperava-se que as igrejas locais aplicassem aquilo – e somente aquilo – que o centro aprovasse.
No entanto, houve alguns desdobramentos desde 1965 que alteraram essa suposição.
Teologicamente, existe uma eclesiologia da Igreja local, uma evolução grandemente pós-conciliar que afirma as especificidades da dimensão local na Igreja Católica universal.
Institucionalmente, houve uma grande diversificação no catolicismo mundial, entre as igrejas locais nas diferentes regiões do mundo, mas também entre os diferentes modos de viver a fé católica na mesma Igreja local (paróquias, movimentos eclesiais, o “crer mas não pertencer”, etc.).
Ao mesmo tempo, o papado agora se faz muito mais presente e visível nas igrejas locais do que antes. Podemos dizer que este é um efeito duradouro do Vaticano I no século XIX.
E, culturalmente, houve uma revolução estonteante no uso dos meios de comunicação em massa, tanto seculares quanto católicos. Os eventos na Igreja são inseparáveis do sistema de informação e mídia. O que acontece em Roma não fica em Roma – a menos que regras restritas de sigilo sejam aplicadas, como no caso de um conclave.
Recentemente, a Secretaria do Sínodo dos Bispos, em Roma, anunciou que a próxima assembleia geral ordinária deve acontecer em 2022.
O papa decidiu a data, mas não revelou o tópico que quer que a assembleia discuta.
Até o Concílio de Trento no século XVI, a voz mais importante na decisão de convocar um concílio era a do imperador. Nos tempos modernos – isto é, desde o Vaticano I –, esta voz é a do papa.
A sinodalidade (uma dimensão que envolve a Igreja toda, clero e leigos) é ainda um desenvolvimento da conciliaridade (onde os bispos são ampla maioria). Ela permanece sob o controle da primazia (o papa em Roma).
Como tal, a sinodalidade deve lidar com as tensões inerentes da mudança de um sistema antigo para um sistema novo. Uma dessas é a tensão entre o local e o universal. Essa é uma Igreja Católica na qual o local torna-se muito mais universal. Na Arquidiocese de Los Angeles, por exemplo, celebram-se missas em aproximadamente 42 idiomas.
Ao mesmo tempo, a dimensão universal também se tornou mais local, no sentido de que a Igreja confia na vitalidade das comunidades locais para sustentar-se sociológica e culturalmente. Não existe mais um império ou cultura católica que, por definição, torna a Igreja relevante.
Essa mudança de papéis entre o local e o universal não deve surpreender.
Por séculos, os concílios ecumênicos e gerais eram compostos de bispos que vinham exclusivamente, ou pelo menos esmagadoramente, de uma região geográfica limitada. Eram da Ásia e do Mediterrâneo nos primeiros séculos, e, da Idade Média até Trento, a maioria vinha da Europa.
Mas os efeitos de todos aqueles concílios europeus se aplicavam universalmente a toda a Igreja, mesmo as igrejas locais que não tinham representantes neles.
Portanto não nos deve surpreender que as discussões e propostas surgidas na Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-amazônia estejam influindo no debate eclesial, até mesmo em países distantes como a Alemanha ou Austrália, para citar alguns.
Na Igreja Católica mundial, a relação entre o local e o universal tornou-se muito mais complicada do que antes.
E as questões institucionais, como a ordenação ao sacerdócio de homens casados, estão apenas na superfície deste cenário instável.
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As dores crescentes de uma Igreja que é local e universal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU