21 Fevereiro 2020
Na última segunda-feira, 17, completaram dois anos do vazamento de rejeitos da refinaria norueguesa em Barcarena.
Cerca de 70 moradores de comunidades atingidas pelo vazamento de rejeitos da refinaria Hydro Alunorte em fevereiro de 2018, se reuniram na manhã da última segunda-feira (17), em frente à sede do Ministério Público Federal (MPF), em Belém, para cobrar ajustes do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado pela empresa em setembro de 2018.
A reportagem é de Catarina Barbosa, publicada por Brasil de Fato, 18-02-2020.
O documento diz respeito a ações emergenciais assumidas pela empresa norueguesa, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público Estadual (MPPA). O acordo surgiu em função de denúncias da população com relação à contaminação dos rios do município. A Hydro Alunorte nega o transbordo e, por meio de nota, disse que segue cumprindo os compromissos firmados no TAC.
Contudo, Maria Andréa Pereira, 36 anos, moradora da comunidade do Acuí, em Barcarena, afirma que as ações emergenciais são insuficientes diante dos impactos causados pela mineração no município. Ela conta que a poluição ambiental vem e muitos anos e que o avô faleceu em decorrência da contaminação.
“A gente tem umas pessoas lá que realmente foram atingidas. Nós temos exames que comprovam. O meu avô faleceu com problemas [em decorrência] dos metais. Quando ele faleceu a gente ainda não tinha recebido esses laudos. E quando recebemos os laudos, ele já tinha falecido. No caso ficamos sem saber para quem recorrer”, lamenta.
Segundo ela, a contaminação no município continua e a prova disso é o constante adoecimento, sobretudo, com relação a doenças de pele.
“Os nossos igarapés ficaram vermelhos e isso causou coceira nas pessoas da comunidade. Até hoje tem gente que tem coceira no corpo: vai para o hospital; traz a receita médica; compra o remédio; mas não melhora”, afirma.
José de Jesus, morador de Abaetetuba e
Rosiclea Ferreira também de Abaetetuba
cobram soluções para as mazelas em Abaetetuba
(Foto: Catarina Barbosa/Brasil de Fato)
Para o agricultor e pescador José de Jesus, de 67 anos, morador da Ilha do Capim, uma comunidade tradicional de Abaetetuba, acordar de madrugada para se dirigir ao MPF faz parte de uma luta travada pela população tradicional, quilombola e ribeirinha de Barcarena e Abaetetuba.
“Saímos 3 horas da madrugada do município de Abatetuba, Ilha do Capim, comunidade Santo Antônio e aí todo esse povo que está aqui é das ilhas. Os ribeirinhos junto com o pessoal do Conde e aqui de Barcarena trabalhamos em um só grupo reivindicando nossos direitos”, afirma.
Rosiclea Silva Ferreira, de 42 anos, também acordou de madrugada. Para ela, cobrar os órgãos públicos é a única forma de fazer as pessoas perceberem que em Barcarena há pessoas sofrendo com dores, diarreia, vômito e coceira. Ela afirma que os sintomas identificados nas pessoas depois do vazamento de fevereiro de 2018 continuam até os dias atuais.
“Continuam, continuam passando mal. Dentro do nosso rio nós temos muitas pessoas doentes, a gente não sabe o que fazer. Nós viemos buscar uma resposta. A gente espera que o poder público dê alguma solução e olhe com carinho a nossa comunidade do município de Abaetetuba, que está passando por uma situação difícil. Perdemos os peixes que tínhamos, de onde a gente tirava o nosso pescado do dia a dia”, afirma dizendo que hoje tanto a água quanto o peixe estão contaminados.
A mulher que também é pescadora lembra da época em que o rio tinha camarão e peixe em quantidade suficiente para sustentar ela e a família dela.
“Tinha muito camarão, muitas pescada, mapará e hoje em dia a gente já não tem mais esses peixes em quantidade suficiente. O pescador já está ficando em situação que ele vai para fora e volta sem nada, porque não tem. Eu sou pescadora, eu sei disso”, assegura.
Segundo a Hydro Alunorte “mais de 90 inspeções e visitas técnicas de órgãos públicos e entidades, como Corpo de Bombeiros Militar (CBM), Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas), Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico (Semade) de Barcarena, Defesa Civil Municipal de Barcarena, Defesa Civil do Estado do Pará, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), confirmaram que não houve vazamento ou transbordo em fevereiro de 2018”.
O procurador da República do Ministério Público Federal (MPF), Ricardo Negrini, explica que a empresa admitiu ao MPF a descarga de água não tratada diretamente no rio Pará, assim como a utilização de uma tubulação, que não estava autorizada a também despejar efluentes no rio. Na análise dele, o meio ambiente foi contaminado e isso não poderia ter acontecido.
“Embora exista uma pendência para se confirmar a existência ou não de transbordamento: o Instituto Evandro Chagas entende que houve, a gente entende no Ministério Público que esse transbordamento ainda poderia ser melhor confirmado por análises complementares e algumas outras provas que a gente está tentando encaminhar, mas tudo isso é completamente secundário, porque é fato mais do que comprovado e admitido pela própria empresa, que houve vazamento de efluentes de dentro da empresa para fora. Esse vazamento ocorreu por meio de tubulação que não estava autorizada e também por meio da descarga de água não tratada diretamente no rio Pará em grandes volumes. Isso foi admitido pela empresa. Então se o vazamento ocorreu por baixo das estruturas ou por cima, por meio de transbordamento, isso é secundário, o fato é que ocorreu vazamento. Ocorreu algo que não poderia ter ocorrido. Uma contaminação vindo de dentro da Alunorte para o ambiente externo”, pontua.
O procurador da República explica ainda que logo após o ocorrido, em fevereiro de 2018, surgiram laudos tanto do Instituto Evandro Chagas (IEC), quanto da própria empresa, feitos à pedido da Hydro Alunorte.
“A Hydro Alunorte contratou consultorias próprias, ela – unilateralmente – buscou essas empresas, essas consultorias e fez laudos, confeccionaram relatórios contestando os laudos oficiais que a gente tinha. Isso para gente, realmente, não tem validade, não vai ser considerado para tomar decisão. Por isso que o TAC prevê que as auditorias que ela vai contratar são auditorias vão seguir todo um processo transparente de seleção do MPF, além de supervisão das próprias comunidades, por meio do Comitê de acompanhamento do TAC”, explica.
A próxima fase do TAC será o pagamento de um salário mínimo para as famílias atingidas – pelo período de um ano – mediante o levantamento realizado por uma auditoria independente. As ações como entrega de água encerraram.
Segundo o documento, a entrega de água era emergencial, apenas pelo período de cinco meses, já o vale-alimentação ainda está sendo entregue para algumas comunidades. A etapa da auditoria será realizada ainda em 2020 e será feito com supervisão do Ministério Público, MPF, MPPA e Secretaria estadual de Meio Ambiente.
“É o mesmo resultado que a gente teria de um perito oficial com a diferença de que a empresa vai custear todo o processo seletivo, toda a fase de pagamentos para que a gente não onere dinheiro público com isso”, explica.
Além disso, o procurador reforça a validade dos relatórios do Instituto Evandro Chagas (IEC) pontuando que qualquer novo estudo deverá levar em consideração o trabalho feito pelo IEC.
“Em relação aos relatórios do Instituto Evandro Chagas, eles serão sim considerados obrigatoriamente, porque a auditoria que vai analisar o que aconteceu em fevereiro de 2018 e as auditorias que vão medir as contaminações elas vão partir de informações já existentes colhidas na época. As informações do Instituto Evandro Chagas são fundamentais para realização dos novos estudos. Então, além de obter novos dados, as auditorias vão se debruçar sobre os dados já coletados, já analisados. Qualquer novo estudo vai ter que levá-los em consideração”.
Com relação ao número de pessoas reconhecidas como atingidas, o procurador explica que até o momento aproximadamente 20 mil famílias foram consideradas atingidas pelo crime ambiental de fevereiro de 2018.
“A empresa concordou em fazer o pagamento imediato, sem nenhuma discussão de impacto ambiental, de um determinado valor em relação a esse grupo da bacia hidrográfica do rio Murucupi. Esse valor vigorou durante cinco meses para cada família e tem algumas famílias ainda aguardando pendências”, detalha.
Com relação a outras comunidades que reivindicavam ajustes no TAC, o procurador esclarece que a mitigação dos impactos ambientais serão realizadas mediante novos exames e laudos.
“Com relação a outras comunidades que estiveram no MPF, elas não estão nessa região da bacia do Murucupi, mas estão no TAC. O TAC prevê que elas serão examinadas em termos de contaminação de água, solo, saúde, impactos econômicos, tudo o que elas podem ter sofrido com os eventos de 2018. Isso demanda auditorias e investigações a mais que serão custeadas pela empresa e está previsto no TAC. Conforme o resultado dessas análises todas, essas famílias vão receber um determinado valor, um salário mínimo durante um ano”, detalha.
Desde o evento de fevereiro de 2018, a Força-Tarefa do Ministério Público procurou sempre realizar acordos com a empresa de forma a atender, de forma emergencial, às populações atingidas.
“A atuação extrajudicial do Ministério Público costuma ter resultados mais interessantes do que a atuação mais tradicional de entrar com uma ação, embora talvez seja até mais fácil entrar com a ação e deixar o processo esquecido no judiciário. Quando a gente faz uma negociação extrajudicial a gente assume uma série de responsabilidades, mas a gente também consegue ver mais resultado. A gente sempre opta pela negociação para conseguir extrair o máximo de benefício que conseguir e deixa só o que não tiver jeito mesmo para uma discussão judicial”, reforça.
Para Robert Rodrigues, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) reunir as comunidades atingidas pelos impactos da mineração no Ministério Público Federal (MPF) na data que relembra os eventos de fevereiro de 2018 é uma forma de pressionar a empresa a cumprir com as responsabilidades dela com a população.
“Mesmo que o TAC consiga mediar o conflito e dar respostas imediatas, que não vão demorar todos os anos de um processo judicial, mas que seja feito uma denuncia – na Justiça – contra a Hydro para que ela pague por todo o passivo dos crimes ambientais causados em Barcarena desde quando ela foi instalada na região desapropriando os trabalhadores tradicionais até todos os crimes que ela cometeu. Isso é algo que vai demorar anos? Com certeza. Mas se gente conseguir essa condenação na Justiça vai ser uma vitória dos atingidos”.
“Da mesma forma que a gente fala que a Vale matou centenas de pessoas no crime de Mariana e Brumadinho e até hoje não tem nenhum diretor da Vale que foi preso, a gente quer também ver um diretor da Hydro preso, porque eles também são assassinos assim como a Vale, porque eles matam os rios, eles matam a natureza e consequentemente matam as pessoas”, diz.
Procurada pela reportagem a empresa Alunorte, subsidiária da Hydro em Barcarena (PA), afirma, por meio de nota, que não houve vazamento ou transbordo das áreas de depósito de resíduos de bauxita da refinaria Alunorte em fevereiro de 2018.
A empresa afirma que fez um descarte controlado de água da chuva da área de operação da refinaria, que foi “parcialmente tratada”. Segundo a Alunorte, “foi uma medida emergencial, comunicada à autoridade ambiental na ocasião, para garantir que a estação de tratamento de água teria capacidade suficiente para processar e tratar toda a água que teve contato com os depósitos de resíduos de bauxita”, diz a nota.
A Alunorte admite no texto enviado ao Brasil de Fato que utilizou um canal não autorizado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) para esta finalidade. “Isso foi feito através de um canal reserva (“Canal Velho”), cuja utilização para esta finalidade não havia sido ainda autorizada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas)”, diz o texto.
A empresa alega que solicitou à consultoria ambiental SGW Services que analisasse o impacto ambiental dessa medida. Segundo a Alunorte, a SGW concluiu que o descarte controlado não foi prejudicial ao Rio Pará e nem às comunidades locais.
Sobre o atendimento às comunidades de Abaetetuba que afirmam terem sido contaminadas pelos rejeitos da mineração e não estão sendo devidamente assistidas, a Alunorte afirma que segue cumprindo todos os compromissos firmados no TAC.
“No Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), estão descritos os critérios para definição das famílias, residentes na bacia do Rio Murucupi, a serem beneficiadas pelos compromissos assumidos pela empresa, assim como o limite total de aporte financeiro para pagamento desses benefícios”, diz a empresa por meio de nota.
Sobre as ações para mitigação do impacto ambiental em Barcarena provocados pelo vazamento de rejeitos em 2018, a Hydro e a Alunorte afirmam que se comprometeram a realizar, em parceria com consultorias e instituições especializadas, “diversos estudos aprofundados sobre a região”, previstos no TAC.
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Atingidos pela mineração da Hydro apontam contaminação e cobram mudanças em acordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU