17 Abril 2019
Moradores do distrito de Vila do Conde, em Barcarena, no nordeste do Pará, registraram nova contaminação nas águas do igarapé Dendê, na manhã da última quinta-feira (04). Desde o início de março, a comunidade Ilha de São João alerta as autoridades sobre a coloração esbranquiçada dos igarapés Dendê e Curuperê. Os efluentes, segundo as denúncias, teriam origem na bacia de rejeitos da empresa Imerys Rio Capim Caulim S.A, que extrai e beneficia o caulim utilizado na fabricação de papel. Segundo os moradores, as águas ficam com uma coloração anormal sempre após fortes chuvas.
A reportagem é de Moisés Sarraf, publicada por Amazônia Real, 11-04-2019.
No dia 15 de março deste ano, o Instituto Evandro Chagas (IEC) publicou nota técnica em que confirma o vazamento de rejeitos do minério caulim nas águas desses igarapés, mas a prefeitura de Barcarena enviou nota à imprensa associando os vazamentos à empresa de logística Terloc Cesari.
A atuação do IEC foi solicitada pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), Delegacia Estadual de Meio Ambiente (Dema) e Centro de Perícias Científicas Renato Chaves.
“Durante as atividades foi evidenciado que o evento teve abrangência em toda a extensão de ambos os igarapés, fazendo com que as águas naturais passem de águas claras para águas de cor branca, características dos efluentes gerados no processo de beneficiamento de caulim”, diz a nota técnica do IEC sobre avaliação preliminar de impactos ambientais e riscos à saúde humana.
Já a nota do município afirma que “sobre a água esbranquiçada do igarapé Dendê, a prefeitura de Barcarena multou a empresa Terloc Cesari pelo processo de lixiviação (lavagem de solo) em uma área de Vila do Conde, onde ocorreu um serviço de terraplanagem”. A prefeitura diz ainda que “a Terloc está providenciando a contenção do aterro retirado da área para evitar o avanço em direção aos igarapés, mas até agora não conseguiu finalizar o serviço, o que deve manter as águas esbranquiçadas. Por fim, a empresa pretende assinar um TAC para reparar possíveis danos.”
Para os moradores da região, porém, a resposta da prefeitura de Barcarena não tem validade, já que “em nenhum momento a prefeitura emitiu uma nota técnica”, diz Mário Santos, presidente da Associação da Comunidade Quilombola Gibirié de São Lourenço, liderança no município. “Que coisa absurda. Que Secretaria é essa, que não tem um técnico? Mesmo assim, segundo a prefeitura, a empresa foi multada.”
A reportagem da agência Amazônia Real solicitou entrevista com responsável técnico pelo caso, mas foi informada de que a prefeitura não se manifestaria, além da nota já publicada.
Por telefone, a assessoria de imprensa da Terloc informou que avalia se fará um pronunciamento oficial sobre o assunto, mas contestou a publicação da prefeitura, uma vez que a empresa não teria atividades há cerca de um ano em Vila do Conde.
Apesar da confirmação da prefeitura, o Corpo de Bombeiros garantiu, por meio de nota, ter realizado vistoria no local, mas, “de acordo com informações do Comandante do Grupamento Bombeiro Militar de Barcarena, Major QOBM Nogueira, não houve nada fora dos parâmetros de segurança e está dentro da normalidade”.
“Muita chuva. Começou na segunda-feira, dia 4 de março. Quando foi na terça-feira, já amanheceu anormal. Mesmo que tivesse chovido a noite toda, era pra água vir negra. Não veio negra, a água está branca, não está normal. Isso é caulim na água”, denuncia a pescadora Shirley da Costa Silva, 32 anos, que faz parte da associação de moradores e pescadores da comunidade. “Ligamos para a Imerys. Vieram três funcionários. Levamos até o igarapé e eles até concordaram que a água estava turva mesmo”, disse a moradora da comunidade, que fica nas proximidades da empresa.
Apesar da promessa de que o caso seria investigado, denunciam moradores da comunidade, os funcionários da Imerys disseram não ter conhecimento de vazamento algum na área. Em seguida, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico (Semad) de Barcarena esteve no local, mas os moradores desconfiam da atuação do órgão. “Eles vêm, fazem os exames, mas nunca dizem que teve contaminação”, lamenta Shirley da Silva.
Segundo ela, os técnicos da secretaria informaram que a mudança na coloração das águas não era resultado de um possível vazamento de caulim, mas sim do desmatamento que vem ocorrendo nas proximidades da Imerys. “Então, respondi: se fosse desmatamento, era pra água estar vermelha, de piçarra, e não branca.”
A partir da quinta-feira, dia 7 de março, o quadro se agravou: as águas do igarapé Dendê, contam os pescadores, “estavam um leite de tão branco”. Recentemente, os moradores foram convidados a conhecer as instalações da Imerys em Barcarena, incluindo a bacia de rejeitos. “A água daqui estava na mesma cor da água da bacia. Então, pra mim, não tava normal”, conta Shirley.
A família de Shirley e a maior parte das 25 famílias da comunidade Ilha de São João têm na pesca a sua principal fonte de renda. Aqueles que possuem embarcações conseguem adentrar o rio Pará e a baía do Marajó em busca de espécies como o filhote e a dourada. Os demais têm de pescar nos igarapés que teriam recebido os rejeitos de caulim, capturando peixes como o jacundá, além do uso do matapi na pesca artesanal de camarão regional.
“Também usamos a água desses igarapés. Usamos a água porque é a única que tem pra tomar banho, lavar louça, fazer comida”, afirma Shirley, que é mãe de três filhos. “A gente mora no meio das empresas, no meio das bacias. E, mesmo assim, a empresa não dá emprego pra ninguém, só para o pessoal de fora. Nossa renda, então, é toda da pesca, toda do igarapé.”
Os técnicos do IEC visitaram os igarapés Dendê e Curuperê nos dias 09, 13 e 14 de março, quando foram coletadas amostras de águas superficiais, efluentes e solo. Ainda foram feitos registros fotográficos e colhidas informações com moradores das comunidades de Curuperê, Ilha de São João, Bairro Industrial e Vila do Conde.
Durante as visitas, também foi confirmada a mortandade de peixes no igarapé Dendê, nas proximidades da comunidade Ilha de São João. E, por fim, identificados despejos de caulim, a partir de tubulações, diretamente nos igarapés Curuperê e Dendê.
Segundo o relatório do IEC, “as evidências preliminares mostram que as águas das microbacias dos igarapés Curuperê e Dendê estão há pelo menos uma semana sendo impactadas por efluentes do processo de beneficiamento do caulim”. Ainda de acordo com o documento, foram registradas “mudanças significativas na coloração das águas e sendo evidenciados pelo menos dois pontos de lançamentos, um em cada microbacia”.
Até maiores esclarecimentos, diz o relatório, recomenda-se que as comunidades do Curuperê, Ilha de São João, Canaã, Maricá, Bairro Industrial e Vila do Conde “não devem usar as águas desses corpos hídricos”. Além disso, o IEC recomenda medidas emergenciais a serem tomadas pelos órgãos competentes para garantir aos moradores dessas comunidades “fornecimento de águas, alimentos e renda, considerando os riscos de exposição de contaminantes químicos provenientes desses efluentes do processo de beneficiamento do caulim”. Dentro de 30 dias, o IEC deverá publicar resultado das análises das amostras coletadas nos igarapés.
Os moradores da Ilha de São João contam que os sinais dos vazamentos são mais nítidos durante a vazante da maré e em casos de chuvas intensas. “Quando chove muito, para aliviar a pressão, eles soltam, soltam à noite”, revela Shirley Silva. E eles estão acostumados a acordar e ver as águas dos igarapés esbranquiçadas.
Segundo levantamento do movimento Barcarena Livre, de 2000 a 2016, foram registrados 25 desastres ambientais no município – sem contar o vazamento de rejeitos da empresa Hydro/Alunorte ocorrido em fevereiro do ano passado. Só da Imerys, o movimento contabiliza nove vazamentos nas bacias de rejeitos de caulim ou de dutos de efluentes, contaminando cursos d’água próximos da planta industrial da empresa. De 2004 pra cá, cinco deles ocorrem nos igarapés Dendê e Curuperê.
Além de casos de contaminação provenientes das bacias da Imerys, os moradores denunciam os impactos causados por vazamentos da Hydro/Alunorte. E mais: a comunidade ficou de fora dos acordos compensatórios pelos danos socioambientais causados.
“Quando aconteceu com a Hydro, o igarapé ficou um nojo, vermelho. E não veio ninguém da Hydro ver como ficou”, denuncia a moradora. “E a gente ficou de fora do TAC [Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre a Hydro e os moradores de comunidades afetadas]. E a gente foi bastante afetado. Nós somos uma comunidade esquecida.”
Segundo cadastro nacional de barragens de mineração, da Agência Nacional de Mineração (ANM), a Imerys Rio Capim Caulim S.A. possui dez barragens de rejeitos, todas em Barcarena. Destas, as dez têm categoria de risco “baixa”, mas oito delas têm dano potencial “alto”, isto é, “dano que pode ocorrer devido a rompimento, vazamento, infiltração no solo ou mau funcionamento de uma barragem”, conforme a lei nº 12.334/2010, que considera impactos econômicos, sociais, ambientais ou perda de vidas humanas.
Sobre a nota técnica publicada pelo Instituto Evandro Chagas, a mineradora Imerys informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “reforça o seu posicionamento de que não houve nenhuma ocorrência em suas operações no referido município”.
A empresa diz, ainda, que comunicou as “autoridades de meio ambiente desde a semana passada sobre as denúncias e solicitou visitas de técnicos da Semas e da Semad”.
A prefeitura de Barcarena, por fim, enviou uma equipe técnica ao local, em períodos de marés alta e baixa, “mas não foi verificada nenhuma coloração atípica no corpo hídrico”, argumentou, por meio de nota.
De acordo com a prefeitura do município, os técnicos também visitaram as dependências da Imerys e o local de descarte de água pluvial, “onde já houve lançamento de polpa de caulim+água pluvial”. Nos pontos fiscalizados, porém, “não foi observado indício de vazamento ou lançamento irregular”.
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Águas de Vila do Conde, em Barcarena, são atingidas por rejeitos de caulim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU