30 Janeiro 2020
"A robótica avança cada vez mais com um ritmo acelerado nos diversos campos da produção e dos serviços. E produz o perigo de uma drástica redução dos postos de trabalho pela substituição do ser humano pela máquina. Seus desdobramentos trazem consigo o risco da despersonalização e, portanto, da desumanização do trabalho, não apenas manual, mas também intelectual, por causa da sua separação da pessoa".
A opinião é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas. O artigo foi publicado por Rocca, Nº. 3, 01-02-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As profundas mudanças ocorridas nessas últimas décadas no campo tecnológico e social modificaram imensamente a condição do trabalho humano, levantando uma série de questões que têm um imediato impacto ético.
De fato, assistiu-se, por um lado, a uma consistente piora da vida das classes mais frágeis, devido aos desequilíbrios provocados pela economia de mercado – um papel decisivo, nesse sentido, foi desempenhado pelo fenômeno da financeirização – e ao avanço, por outro lado, de uma situação de extrema precariedade da atividade laboral, devido tanto à instabilidade do emprego quanto à constante mutação das competências e das funções por causa das transformações induzidas pela revolução tecnológica.
Quem contribuiu (e contribui) para agravar o desconforto, alimentando um estado de insegurança psicológica, foi uma condição de pesada solidão da classe operária, tanto pelo desaparecimento de formas de solidariedade que no passado criavam vínculos muito fortes entre as pessoas, quanto pela falta de amortizadores sociais adequados e de serviços eficientes, quanto ainda, por fim, pelo enfraquecimento do sindicato, devido à redução do número de filiados (também devido à objetiva redução dos pertencentes à classe operaria), quanto pela afirmação, dentro dele, de impulsos corporativos com a tendência de proteger os direitos daqueles que já estão garantidos e a falta de atenção àqueles que não têm acesso ao mercado de trabalho, em particular as novas gerações.
O momento da transição, devido à passagem do velho sistema industrial para os indícios do novo, só pode despertar profunda inquietação. Os desenvolvimentos da robótica, que avança cada vez mais com um ritmo acelerado nos diversos campos da produção e dos serviços, além do perigo de uma drástica redução dos postos de trabalho pela substituição do ser humano pela máquina, trazem consigo o risco da despersonalização e, portanto, da desumanização do trabalho, não apenas manual, mas também intelectual, por causa da sua separação da pessoa.
Na sociedade dos robôs, de fato, o trabalho tende a perder o caráter de relação do sujeito humano consigo mesmo, com a comunidade daqueles que dela participam e com a própria natureza, e adquire cada vez mais o caráter de “mercadoria” – a tese de Karl Marx, a esse propósito, adquire novamente grande atualidade – por causa de uma sujeição cada vez maior em relação a quem opera as alavancas da economia e das finanças, mas também por causa das crescentes diferenças entre trabalhadores altamente especializados e trabalhadores pouco qualificados, que acabam se sujeitando a uma forma de nova escravidão.
O conflito entre capital e trabalho, próprio do domínio do mercado capitalista, assume conotações novas e mais acentuados para a busca, por parte do poder financeiro, de acelerar sem limites o processo de robotização e de incrementar os lucros em detrimento dos trabalhadores.
A atual situação possui não tem apenas implicações técnicas e econômicas, mas também (e ainda mais) antropológicos e éticos. De fato, o trabalho não é apenas meio de sustento; é também (e acima de tudo) fator central da maturação e qualificação do ser humano, assim como da participação na vida social.
Ele conserva a própria dignidade apenas na medida em que mantém a qualidade de ato verdadeiramente humano e evita a queda em formas de instrumentalização alienante. O grande valor humano e pessoal do trabalho exige, portanto, uma atenção particular à salvaguarda da identidade, reafirmando a sua centralidade na experiência da vida humana.
A ética do trabalho, que reflete essa densidade de significados antropológicos, portanto, só pode ter como critério decisivo a escolha de privilegiar as necessidades das pessoas em relação aos lucros financeiros, tendo na mira, por isso, como prioridade, o bem-estar geral dos trabalhadores e, em particular, a proteção dos seus direitos, no respeito a qualidade da atividade laboral e do ambiente.
Em uma situação como a descrita, que vê uma crescente diminuição (aliás, na previsão do futuro, ainda maior) dos postos de trabalho e na presença de formas de produção que marginalizam muitas pessoas, um compromisso de primeira ordem deve ser reservado à defesa do direito de trabalho para todos, sancionado também pela nossa Constituição [italiana], e à criação de condições sociais e jurídicas para a sua concreta implementação.
A reforma do Estado social (Welfare) não pode prescindir a consideração dessa emergência e, consequentemente, não pode deixar de promover incentivos adequados para fornecer uma resposta eficaz a ela. Mas isso não é suficiente. A ética do trabalho, além de ter que se interrogar sobre o que produzir e como produzi-lo, além de sobre como distribuir o que foi produzido – essa é, acima de tudo, a pergunta obrigatória se se pretende ir ao encontro das necessidades da parte menos privilegiada da população –, deve hoje se interrogar também sobre o uso que se faz da tecnologia, que não é totalmente “neutra”, mas constitui, pela relevância assumida, um dos maiores desafios do atual momento histórico.
A consciência de que nem tudo o que é tecnicamente possível é também eticamente legítimo e que, em vez disso, ocorrem efeitos pesadamente negativos, não ligados exclusivamente ao mau uso que se faz da técnica, mas também ao domínio que ela pode exercer sobre a existência, como criadora de uma real mutação da consciência ou de uma verdadeira revolução antropológica, torna necessário o exercício de uma permanente vigilância. A tal ponto que há quem considere que é preciso dar origem – esta é a tese do filósofo Vittorio Possenti –, na presença do avanço da inteligência artificial, de “uma moratória global para retomar o controle sobre nós mesmos e sobre as relações sociais primárias diante da onipotência da técnica e do mercado” (“Robô, a tecnologia rouba o nosso trabalho”, Avvenire, 14-04-2019, p. 23).
Enfim, a ética do trabalho não pode se reduzir a desempenhar uma função crítica em relação à situação atual. Deve também (e acima de tudo) se preocupar em fornecer perspectivas positivas para a sua superação ou, pelo menos, comprometer-se para indicar intervenções concretas que permitam reduzir as deficiências atuais e sinalizar as pistas obrigatórias para sair do impasse.
A primeira condição para que isso ocorra é a ativação de uma séria política industrial, que traga novamente para o centro a produção de bens e de serviços, redimensionando o poder do sistema financeiro, que deve voltar a exercer a função de instrumento a serviço da economia real. Isso envolve, acima de tudo, a presença de uma forte intervenção pública em relação a uma finança agressiva, que é a verdadeira responsável pela crise de 2008 e pelas desigualdades sociais ainda persistentes.
Nesse sentido, é necessário fixar regras precisas que protejam as reivindicações sociais e ambientais, garantindo um equilíbrio dentro do mercado mediante o desmantelamento de monopólios e oligopólios, que destroem postos de trabalho e impedem que novos empreendedores interajam, ameaçando, desse modo, o próprio exercício da democracia, que pressupõe a possibilidade real da livre iniciativa.
De fato, não há nada menos livre do que um mercado liberalista, no qual se nega à maioria das pessoas a possibilidade de acesso.
A implementação desse projeto está estreitamente ligada à restituição da dignidade e da eficácia à política. Trata-se de fazê-la superar o atual estado de fraqueza, mediante o abandono da subordinação aos chamadas poderes fortes, economia em primeiro lugar, e a capacidade de ir além dos Estados-nação, que a tornam impotente diante de processos que vão muito além das fronteiras nacionais e exigem intervenções por parte de poderes mais amplos e de maior autoridade.
A garantia da qualidade e dos direitos trabalhistas, assim como o fornecimento de sólidas garantias sociais, pressupõem, de fato, a ativação de uma política internacional que, ao direcionar os investimentos, coloque em primeiro plano o interesse geral e imponha restrições precisas ao mercado.
A segunda condição é representada pela promulgação de uma legislação trabalhista que, na proteção dos direitos, refira-se à pessoa e não às tarefas, e que desenvolva uma forma de negociação inclusiva, que faça referência a alguns direitos essenciais a serem salvaguardados para todos e preveja, ao mesmo tempo, formas diferenciadas de intervenção de acordo com o desconforto, o peso das performances e os ciclos de vida.
O consentimento com essa lógica envolve a escolha da negociação nacional (melhor se europeia) sem renunciar a uma negociação empresarial, que leve em consideração fatores de caráter local, como os diversos níveis de produtividade, as dificuldades logísticas objetivas e mais.
Esta última condição põe em causa a questão já mencionada da inovação tecnológica.
Aqui, a principal preocupação deve ser a de dar vazão a atividades produtivas que saibam se medir positivamente com as exigências de caráter social e com o impacto ambiental. Também a esse propósito, torna-se imprescindível o recurso a uma ação supranacional – para o nosso país [a Itália], acima de tudo europeia – que busque resultados eficazes. Implementar uma política da inovação que se inspire nessas diretrizes não tem como efeito apenas favorecer um processo de crescimento, voltado a conciliar progresso técnico e promoção humana, mas também fornecer a garantia de uma efetiva e honesta concorrência.
A realização desse projeto precisa que se desenvolva, paralelamente, a criação de infraestruturas adequadas, tanto de caráter material (ferrovias, rodovias, portos etc.) quanto social (saúde, educação, serviços etc.), que representam o pressuposto necessário para o sucesso de qualquer operação econômica.
O cumprimento dessas condições é a premissa irrenunciável da restituição ao trabalho da sua dignidade. Uma premissa basilar para o desencadeamento de um processo que cabe à criatividade do ser humano promover, transformando o trabalho de simples instrumento para o autossustento ou, pior ainda, de “mercadoria” que produz alienação, a atividade que favorece o crescimento de solidariedade social e que constitui um dos fatores mais importantes do processo de uma verdadeira humanização.
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o XIX Simpósio Internacional IHU. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida, a ser realizado nos dias 19 a 21 de outubro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.
XIX Simpósio Internacional IHU. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O trabalho na sociedade dos robôs. Artigo de Giannino Piana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU