19 Outubro 2019
É considerado o pai acadêmico da renda básica universal. Guy Standing esteve em Barcelona, nesta semana, para dar uma palestra no Palau Macaya de La Caixa, em um evento da Fundação Ernest Lluch. Seu último livro, ainda sem tradução, tem como título Plunder of the commons: A manifesto for sharing public wealth (Pilhagem dos comuns: um manifesto para compartilhar a riqueza pública, em tradução livre).
A entrevista é de Piergiorgio M. Sandri, publicada por La Vanguardia, 12-12-2019. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Há quatro anos, disse a esse jornal que a crise do precariado favoreceria a extrema direita.
Desde então, vieram Trump, Salvini, Boris Johnson. Eles estão minando os fundamentos do discurso civilizado. Excedem os limites da decência. É protofascismo: excitam a violência, mentindo de forma deliberada e criando uma atmosfera de extremismos.
Não parece um pouco exagerado?
Estive outro dia com um Prêmio Nobel de Física dos Estados Unidos. Não direi o seu nome. Fez-me notar que Trump não tem um movimento por trás, diferente de Hitler e Mussolini. Além do mais, se fosse inteligente, me preocuparia. Mas, felizmente, possui um instinto autodestrutivo.
E como está o precariado hoje?
Dividido. Existem três grupos. Há ativistas, não muito instruídos, da velha classe trabalhadora, com renda em queda. Sem status. Estão zangados e escutam o populismo, que lhes promete voltar na história. Participam muito da vida pública, votam em bloco, dão dinheiro a partidos e organizações afins. É a categoria mais numerosa, mas atingiu o seu pico. Depois, temos os nostálgicos. São migrantes, minorias, não se sentem pertencentes a lugar algum, apenas votam. São não-cidadãos. São vítimas, mas não apoiam o populismo. Por último, existem os progressistas. Disseram a eles que se estudassem teriam um futuro. Buscam uma política que os inspire, mas a velha social-democracia e os democratas-cristãos lhes viraram as costas. Odeiam o Brexit, a extrema direita, o trumpismo.
Mas, com Donald Trump, a bolsa está em alta e o desemprego em baixa.
Em inícios do século passado, o dinheiro acabava na elite, a classe trabalhadora era a perdedora. Cem anos depois, o mesmo. Hoje, o capitalismo garante renda para alguns plutocratas, enquanto os salários caem e Trump ergue o protecionismo como a Europa nos anos 1930. A médio prazo, o déficit público disparará, a indústria manufatureira diminuirá. Quanto ao desemprego, é um dado artificial. Porque hoje os Estados Unidos criam menos empregos do que há 20 anos. E é cada vez mais precário, mal remunerado, em tempo parcial. A desigualdade aumenta e o setor público está um desastre. As infraestruturas estão em um estado penoso.
Riqueza privada e pública não são compatíveis?
É o paradoxo de Lauderdale. Em 1804, escreveu que se a riqueza privada aumenta, a riqueza pública cai. E enquanto o neoliberalismo aumentou, os ricos compraram terras, propriedades e criaram escassez. Assim, os preços desses bens aumentam: casas, comida, água ... E isso golpeia o precariado. Seu nível de vida diminui muito mais que os salários, porque perdem status e não podem acessar uma série de recursos. Temos que recuperar o bem comum.
E a esquerda?
Precisa entender que a distribuição de renda, como aconteceu no século XX, se rompeu para sempre e não faz sentido voltar atrás. Não podemos mais esperar uma sociedade baseada em bons salários reais. Em vez de tributar o trabalho, os impostos devem ser direcionados àqueles que usam o comum e se beneficiam dele. São necessárias uma tributação ecológica e a redistribuição desses ingressos com uma renda básica. Macron se equivocou com os coletes amarelos, porque não quis propor essa restituição fiscal.
Por que a renda básica universal não decola?
Tivemos testes-piloto na Finlândia, Canadá, Estados Unidos, Índia. Em Barcelona, também criaram um sistema, mas muito pequeno e de acesso excessivamente complicado. Sou assessor do ministro da Economia do Governo, à sombra do Reino Unido, e já posso lhe dizer que se os trabalhistas vencerem as eleições, serão realizados testes-piloto em todo o país. Não me atacam mais. Acredito que a renda universal começa a ter alguma legitimidade. Até os sindicatos mais jovens começam a entendê-la.
A próxima batalha?
A crise ecológica. Os jovens nos pedem uma estratégia para o decrescimento. Nem tudo pode ser reduzido a maximizar o PIB. E é necessário desmantelar os direitos de propriedade intelectual, porque a maior parte da renda das multinacionais vem daí. A patente bloqueia a inovação, não a estimula. Cria um muro porque desestimula outros a inovar. Nos Estados Unidos, 1% das companhias possuem mais da metade das patentes, geralmente, fruto de um financiamento público prévio. Ou seja, você e eu estamos financiando rendas. O resultado é que as cinco maiores companhias do planeta, em cinco anos, adquiriram 500 patentes. E ampliam o seu domínio.
Leia mais
- “Estamos rumo a um sistema onde trabalho duro e o talento não são premiados”, afirma Guy Standing
- “É preciso deixar para trás o ‘trabalhismo’, o pensamento que o emprego será a resposta à crise”. Entrevista com o economista Guy Standing
- Piketty: a ‘reforma agrária’ do século XXI
- Uma renda máxima republicana
- Thomas Piketty contra a propriedade privada
- O novo livro de Piketty devolve a economia política às suas origens. Artigo de Branko Milanović
- “Sim, nós podemos combater as desigualdades”. Entrevista com Thomas Piketty
- “As desigualdades são escolhas ideológicas”. Entrevista com Thomas Piketty
- “A desigualdade é ideológica e política”: extratos do novo livro de Thomas Piketty
- Para Thomas Piketty a desigualdade é ideológica e política
- Contra as desigualdades, oito medidas para mudar a situação
- A ideologia do mercado é fanatismo. Entrevista com Thomas Piketty
- A renda básica universal como resposta à radicalização do capitalismo. Entrevista especial com Josué Pereira da Silva
- O desafio de compreender e buscar uma renda básica. Entrevista especial com Josué Pereira da Silva
- Renda básica: uma proposta que permite desfrutar da igualdade. Entrevista especial com Josué Pereira da Silva
- “A renda básica universal é anticapitalista, mas também pode tornar o capitalismo mais equitativo”. Entrevista com Juan Torres López
- Finlândia conclui experiência de renda básica universal com resultados ambíguos
- “Há um clamor unânime e geral por renda básica de cidadania universal e incondicional”. Entrevista especial com Lena Lavinas
- Renda básica de cidadania, uma bandeira comum
- Renda básica universal: a última fronteira do Estado de bem-estar social
- Renda básica ou serviços? Escolha pelos bens comuns
- A renda básica não é uma utopia. Entrevista com Philippe Van Parijs
- ''A renda básica gera mais equidade.'' Entrevista com Philippe Van Parijs
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“É preciso assumir que os salários não serão como antes”. Entrevista com Guy Standing - Instituto Humanitas Unisinos - IHU