23 Agosto 2019
A nova técnica de edição genética CRISP é tão simples que dá o poder de modificar os genes dos seres vivos, antes restrito a uma elite científica, a milhares de geneticistas. A pergunta é sobre quanto tempo demorará para que alguns abusem da técnica.
Tomás Marqués i Bonet, diretor do Instituto de Biologia Evolutiva de Barcelona, aponta que se trata de uma questão de limites. Enquanto utilizarmos a edição genética para curar, será um progresso inquestionável. A perversão começará quando a aplicarmos à melhora da espécie, porque não sabemos se essa tentativa, a longo prazo, não se voltará contra nós. O indiscutível é que a tecnologia foi mais rápida em nos dar o poder genético que a ética em nos dizer como usá-lo. O debate é inadiável.
A entrevista é de Lluís Amiguet, publicada por La Vanguardia, 22-08-2019. A tradução é do Cepat.
Em que momento da evolução humana estamos?
Em um muito especial, em que podemos modificar a genética de forma fácil e generalizada graças a um novo método de edição genética muito mais simples do que os anteriores: o CRISP/CAS9.
É uma oportunidade e também um risco?
O maior risco está na edição insensata da genética humana e já houve experiências preocupantes, como a do geneticista chinês, Jiankui, que afirmou ter modificado dois bebês com o CRISP/CAS9.
Foi um aventureiro.
O fato é que estamos a ponto de dar um passo gigantesco na evolução humana: o primeiro foi dominar o fogo e começar a controlar o meio...
... E agora estamos a ponto de nos rebelar contra nosso destino genético.
Mas, até agora, não o controlávamos. De fato, criamos a cultura, a sociedade e a família como estruturas que protegem os mais frágeis da cruel seleção natural.
Se dominamos a genética, não poderemos evitar que nasçam frágeis?
Dominar a genética muda tudo, mas justamente por isso precisamos colocar limites ao nosso próprio poder.
Eliminar doenças hereditárias pode ser ruim?
É claro que não, mas nós, geneticistas, devemos ter muita cautela, porque uma coisa é curar doenças genéticas incuráveis e outra é começar a melhorar a espécie.
Um entrevistado já defendeu, aqui, melhorar a espécie via genética.
Toda a sociedade é que deve decidir se é eticamente aceitável. Porque se é possível comprar a evolução genética com dinheiro, haverá quem poderá pagar e quem não.
As vacinas e a penicilina também começaram sendo apenas para ricos.
De qualquer modo, a melhora genética, para além da cura das doenças hereditárias, é um debate que nós, cientistas, não podemos decidir sozinhos. As pessoas precisam saber o que devemos decidir e pronto.
O que dizem os bioéticos?
Nas conferências de bioética das quais participo, delimitam uma linha muito clara entre curar, que é aceitável, e melhorar a espécie, que não é.
Por que não?
Porque, para começar, não sabemos as consequências destas supostas melhoras nos humanos, via genética, a longo prazo.
E se já há quem trabalhe em uma supervisão, um superouvido ou um supercérebro?
Temo que se for possível, acabará acontecendo, sim, por isso espero que, a longo prazo, qualquer avanço acabe beneficiando a todos.
Para quando?
Sou otimista e acredito que em uns 20 anos veremos grandes progressos na edição genética humana para melhorar a espécie. No momento, qualquer pessoa pode sequenciar seu genoma por 100 euros.
Para quê?
Para otimizar diagnósticos e medicamentos, embora você também tenha o direito individual de não saber sua sequência genética. Contudo, se seu pai fizer isso, já saberá 50%.
Difícil ignorar seus genes.
Até mesmo os de remotos ancestrais. Perceba que todos carregamos uma parte de genoma neandertal, cerca de 5%. Parte de nosso fenótipo – com suas doenças e vantagens adaptativas – provém dos alelos neandertais. A evolução assume coisas de outras espécies de maneira rápida.
Se é para o bem...
Todas as espécies extintas de hominídeos deixaram marcas na nossa. Por exemplo, os tibetanos estão adaptados pela hemoglobina às altitudes, mas se hibridizam com humanos não tibetanos, em uma geração, todos já gozam dessa vantagem.
Por que hoje todos somos sapiens?
Porque antes existiram muitas outras espécies humanas, mas só foram capazes de se adaptar a espaços geográficos pequenos. Os sapiens, ao contrário, conseguiram habitar todo o planeta.
Somos uma espécie imperialista?
Mas, temo que ecologicamente também somos uma praga.
É a teoria Gaia: arrasaremos com este planeta e, depois, buscaremos outro.
Contudo, a evolução nos ensinou que as espécies dominantes duram pouco. Acredito que nós, humanos, seremos extintos antes que o planeta desapareça.
E se formos algo a mais que terráqueos?
Quando uma espécie progride da forma estratosférica como fizemos, não consegue gerir os recursos do meio ambiente, e quando se esgotam, é a espécie que começa a se extinguir.
E se já não fôssemos apenas humanos?
Note, nossa existência como espécie é, um pouco como minha carreira científica, uma conjunção de circunstâncias e de decisões: sou zoólogo de formação, mas trabalhei na IBM e já sabendo informática pude estudar a evolução dos grandes primatas.
Uma mistura de talento e oportunidades.
Mas, com seus limites e tempos. Por isso, devemos limitar nosso crescimento como espécie, antes de esgotar o planeta.
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“A evolução ensina que as espécies dominantes não duram”. Entrevista com Tomás Marqués i Bonet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU