Podemos nós mesmos, no nosso dia a dia, sermos mais criteriosos com nossas escolhas, principalmente com aquilo que compramos.
O artigo é de André Carvalhal, escritor e especialista em design para sustentabilidade, publicado por CartaCapital, 21-08-2019.
No dia 29 de julho deste ano, nós entramos no cheque especial dos recursos ambientais do planeta Terra. Apesar de ser um marco (perigoso) muito importante, a sensação que eu tenho é que muita gente não se deu conta ou sequer tem noção dos impactos disso na nossa vida hoje.
O dia da “sobrecarga da terra” ganhou espaço em vários veículos, como acontece desde o final da década de 70, quando pela primeira vez a empresa Global Footprint Network parou para analisar a relação entre o (nosso) consumo de recursos naturais e o quanto a terra é capaz de prover e repor de forma orgânica em um ano.
Já naquela época, estávamos em débito. A GFN mediu a pegada ecológica das atividades humanas no mundo no que diz respeito a alimentação, fibras, produtos florestais e sequestro de carbono e constatou que pouco antes do final do ano já havíamos consumido todo o inventário.
Desde então, chegamos nesse limite cada vez mais cedo. Ano passado foi no começo de agosto e esse ano já foi em julho. Esta data do dia 29 é uma espécie de marco simbólico, que traz uma média de todos os países – cada um, de acordo com o nível de consumo, cultura e população tem a sua data. No Brasil foi em 31 de julho. Nos EUA, 15 de março. E alguns países (felizmente) não chegaram no limite.
Para mim, esta data serve como alerta para percebermos que o nosso sistema produtivo funciona de forma insustentável. Ele não considera que recursos naturais possam ter fim. Muito pelo contrário, o crescimento e a “prosperidade” de muitos negócios é baseado na extração (e por consequência, esgotamento) de recursos naturais.
A lógica linear da produção industrial de “extrair, transformar, descartar”, na qual nosso modelo de crescimento econômico foi baseado, depende de grandes quantidades de materiais de baixo custo e fácil acesso, além de energia. Esse modelo está atingindo seus limites físicos.
O estoque de madeira, por exemplo, pode acabar em até 40 anos. A agropecuária, em sua forma mais tradicional, leva ao esgotamento do solo e à poluição da água. Pescamos numa quantidade maior do que os peixes conseguem se reproduzir, enquanto poluímos os oceanos, dificultando ainda mais a capacidade de reprodução deles.
Exploramos nossas fontes, produzimos bens e depois os descartamos. A obsolescência programada, que dá prazo de validade intencional a bens de consumo (gera resíduos que não recebem novos usos e se acumulam exponencialmente) faz com que seja preciso explorar e produzir cada vez mais.
Há uma queda de braço na qual o planeta se beneficia de crises econômicas (pois os índices de produção geralmente caem) e quanto maior é o crescimento econômico, maior é a devastação ambiental. Até quando viveremos nesse paradoxo?
Apostar em uma nova saída será bom para todos, pois quem vai pagar essa conta são os “negócios” e os consumidores. A redução de recursos faz com que matérias-primas sejam cada vez mais caras. E o esgotamento de matérias-primas faz com que seja preciso encontrar novas alternativas, que também impactam no valor final de tudo.
Quanto mais longe for preciso ir para pescar, mais caro será o preço do peixe. Quanto menos madeira tiver, mais cara a produção. Isso sem contar com todo o desequilíbrio sistêmico. Menos floresta, significa menos chuva, que significa menos água, e com isso, a geração de energia fica mais cara também (é isso minha gente, a conta vai chegar para todos).
A solução mais óbvia para estes problemas, não pode ser aplicada. Parar as máquinas, e esperar o planeta se regenerar não é uma opção. Viver apenas com o que ele é capaz de produzir de forma natural – por enquanto – também não. Isso geraria um retrocesso maior ainda e quebraria o mercado.
Por sorte estamos vivendo um momento de crise – quem imaginou que algum dia poderíamos falar isso?! Sem crise, chegaríamos em um colapso ambiental mais rápido. Mesmo assim ainda há quem pense que produzir mais é uma alternativa para se livrar da crise. Só que não, pois “produzir” não significa “comercializar”.
Atualmente, de tudo o que é produzido no mundo, apenas 1/3 tem sido consumido (de acordo com a Ellen MacArthur Foundation). Isso nos dá esperanças de que uma redução da produção (mesmo que forçada) não está necessariamente ligada a diminuir volumes de venda. Esse movimento pode nos trazer um pouco mais de tempo para implementarmos soluções.
A (solução) mais próxima da nossa realidade parece ser a mudança de uma lógica de produção “linear” para a “circular”, que propõe um redesenho em toda a maneira de produzir, consumir e descartar, levando em conta a importância das matérias-primas e resíduos.
O conceito é baseado na inteligência da natureza. Na contramão do processo criativo-produtivo linear, o processo circular não acredita no fim das coisas. No meio ambiente, restos de frutas consumidas por animais se decompõem e viram adubo para plantas. Na lógica circular, resíduos e sobras são insumos para a produção de novos produtos.
Assim, novos produtos deverão surgir a partir do que já está disponível, sem a necessidade de demandar mais recursos naturais. A cadeia produtiva seria repensada para que peças de eletrodomésticos usadas, por exemplo, pudessem ser reprocessadas e reintegradas à cadeia de produção para a fabricação de novos eletrônicos. Roupas descartadas poderiam virar matéria prima para fazer novas roupas e por ai vai.
Isso tudo, a longo prazo ainda poderia gerar economia para os negócios. O que por muito tempo foi considerado “lixo”, pode se tornar (riqueza) matéria prima em breve. Enquanto isso, no mundo são “jogados fora” 2,7 trilhões de dólares de resíduos ao ano (também de acordo com a Ellen MacArthur Foundation).
Enquanto esperamos que as empresas despertem e consigam repensar e implementar novas lógicas, podemos nós mesmos, no nosso dia a dia, sermos mais criteriosos com nossas escolhas, principalmente com aquilo que compramos, pensando não somente no valor que desembolsamos, mas nos custos “invisíveis” que em algum momento teremos que pagar.