30 Julho 2019
Em 29 de julho, todos os recursos renováveis do planeta disponíveis para 2019 foram esgotados. Este “dia da sobrecarga” da Terra ocorre todos os anos um pouco mais cedo.
A reportagem é de Rémi Barroux, publicada por Le Monde, 29-07-2019. A tradução é de André Langer.
Na segunda-feira, 29 de julho, a humanidade terá esgotado todos os recursos renováveis do planeta disponíveis para o ano de 2019. Esta data chega a cada ano um pouco mais cedo: em 2018, o “dia da sobrecarga” do mundo caiu em 01 de agosto. Há vinte anos, a fatídica data era 29 de setembro, dois meses mais tarde do que neste ano. Em 1979, o dia da sobrecarga ocorreu no início de novembro.
Essa data, calculada pela Global Footprint Network – um think tank criado em 2003 e com escritórios nos Estados Unidos, Bélgica e Suíça, especializado em causas ambientais e pegada ecológica –, significa que a partir de hoje a humanidade vive a crédito, devorando mais do que a natureza pode oferecer em um ano.
A humanidade consumiu mais peixes, derrubou mais árvores, aumentou consideravelmente a superfície de terras agricultáveis. “Essa data, que surge sempre mais cedo, reflete a natureza rapace e predatória do ser humano sobre os recursos naturais. Nós destruímos cada vez mais rapidamente a capacidade de renovação dos recursos do planeta”, denuncia Arnaud Gauffier, codiretor de programas da WWF-França.
Esse cálculo, estabelecido em nível mundial, não se refere às diferenças que podemos estabelecer em função dos modos e níveis de consumo nas diferentes regiões. Se toda a população mundial vivesse como a dos Estados Unidos, seriam necessários 5 planetas Terra para um ano de consumo, 3,2 para a Rússia, 3 para a Alemanha, 2,2 para a China, mas apenas 0,7 se a humanidade vivesse sincronizada com a população da Índia. Em média, estima-se que seria necessário 1,75 planeta para satisfazer as necessidades anuais da população mundial.
O método de cálculo baseia-se na “contabilidade exata do uso e capacidade regenerativa dos recursos ecológicos de mais de 200 países e regiões de 1951 até hoje”, com base em dados da Organização das Nações Unidas (ONU), explica a Global Footprint Network. Essa equação é disputada por aqueles que acreditam que não podemos reunir, por exemplo, a emissão de gases de efeito estufa, a destruição de florestas tropicais ou ainda o rendimento do milho no mundo.
Para a França, o cálculo mostra que seriam necessários 2,7 planetas se toda a população mundial adotasse o nosso estilo de vida. E a data deste dia simbólico da sobrecarga caiu no dia 5 de maio para o país. É também este 125º dia do ano que inspirou a campanha liderada pela ANV-COP21 (Action Non-violente-COP21) para retirar os 125 quadros oficiais de Emmanuel Macron das prefeituras, para denunciar o “vazio” da política climática e ecológica da França. A ideia é expor esses quadros durante o G7 em Biarritz (Pirineus-Atlânticos) no final de agosto.
“Constatamos que depois da assinatura simbólica do Acordo de Paris na COP21 em dezembro de 2015, nada foi feito. As emissões de CO2 começaram a aumentar em todo o mundo em proporções perturbadoras, argumenta Arnaud Gauffier. As chances de ficar dentro dos limites decididos naquela ocasião de um aquecimento de 1,5 °C estão cada vez mais remotas e os esforços terão que ser muito maiores”.
No entanto, a antecipação constante dessa data no calendário não é algo inevitável. “Viver segundo os meios que o nosso planeta nos dá é tecnologicamente possível, financeiramente benéfico e nossa única chance de um futuro próspero”, declarou Mathis Wackernagel, presidente da Global Footprint Network, cocriador da pegada ecológica em agosto de 2018.
Longe de querer enviar uma mensagem desesperada, a WWF insiste nas alavancas de ação possíveis. “Com relação às emissões de gases de efeito estufa, que representam 60% da pegada ecológica global, reduzindo-as em 50%, podemos ganhar 93 dias no ano, ou fazer recuar o dia da sobrecarga para outubro”, diz a ONG. A redução pela metade de proteínas de origem animal permitiria ganhar uma quinzena do ano. Dez dias ainda poderiam ser ganhos com a redução do desperdício de alimentos, segundo a WWF, lembrando que 30% da produção agrícola global foi perdida ou desperdiçada. “Se continuarmos assim, o aquecimento atingirá os 4 °C a 5°C em 2100. É um mundo que ninguém deseja e, no entanto, estamos caminhando diretamente para uma mudança total do planeta”, denuncia ainda Arnaud Gauffier.
Há um ano, no dia 1º de agosto de 2018, Nicolas Hulot, ainda ministro da transição ecológica e solidariedade, declarava que queria fazer recuar este dia da sobrecarga. “Nós devemos aprender a produzir e consumir de forma diferente, porque a persistência dos atuais comportamentos levará inexoravelmente a colapsos ecossistêmicos que trarão consequências trágicas para a nossa economia, nossa saúde e nossa alimentação”, declarava, antes de se demitir algumas semanas mais tarde, denunciando uma “política de pequenos passos”.
Hoje, é a secretária de Estado Brune Poirson que está se preparando para defender a ação do governo. Em sua conta no Twitter, no domingo, 28 de julho, ela escreveu: “amanhã é o dia da sobrecarga. Com Elisabeth Borne [que substitui François de Rugy à frente do Ministério da Transição Ecológica e Solidariedade] e a [secretária de Estado] Emmanuelle Wargon, trabalhamos diariamente para uma economia circular com vistas ao retorno. Reunião em setembro no Senado!”
Uma mensagem que lembra este comentário de Arnaud Gauffier: “É certo que ao suprimir os copos de plástico faremos adiar o dia da sobrecarga. Mas é preciso não assinar o CETA [Acordo Econômico e Comercial de Livre Comércio entre a União Europeia e o Canadá ratificado pela Assembleia Nacional no dia 23 de julho] e não se comprometer com um acordo como esse com o Mercosul [projeto de acordo entre a União Europeia e os países latino-americanos que compõem o Mercosul]”.
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EUA. Cinco planetas para um ano de consumo. A partir de hoje, a humanidade vive a crédito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU