24 Julho 2019
"Examinei duas interpretações diferentes da afirmação sumária sobre a dissolução dos princípios éticos no mundo contemporâneo".
O comentário é de Ágnes Heller, filósofa húngara sobrevivente do holocausto, falecida na última sexta-feira, 19 de julho, em artigo publicado por Settimana News, 20-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O texto retoma um capítulo da obra de Ágnes Heller, Persone perbene. Rettitudine e innocenza nel mondo postmoderno, collana Lampi, EDB, Bologna 2019, 48 p., 5,50 euro.
A moralidade está em crise, em primeiro lugar, porque as normas concretas perdem sua validade e abrem o caminho para normas abstratas e, em segundo lugar, porque, em geral, é perdida a capacidade de distinguir o bem do mal. No primeiro caso, "imoralidade" significa algo substancial, pois representa a perda de determinados valores e princípios morais. No segundo caso, "imoralidade" significa algo formal, porque se refere à perda da capacidade moral de distinguir, independentemente da substância, do que consistem o bem e o mal e que somos chamados a discernir.
No juízo dos Chassidim, de acordo com os relatos de Singer, não há duas concepções nem mesmo duas tendências. Existe uma única tendência, que se desenvolve em duas fases sucessivas. De minha parte, no entanto, falo de duas concepções porque parto do pressuposto de que na vida moderna não existam tendências irrefreáveis. Não existem nem mesmo no campo da ética, nem em qualquer outro aspecto do mundo moderno, incluindo a economia, a política, a arte. No caso da moralidade, a tendência para a dissolução das normas éticas em algum momento cessa. Aliás, muitas vezes acontece que é invertida. Onde esse processo se interrompe? Interrompe-se no ponto que eu indiquei como a "retidão do ser humano". O oposto dessa orientação pode levar ao fundamentalismo.
Até aqui limitei-me a mencionar a retidão humana sem dizer muito sobre isso. Vou fazer isso agora, muito brevemente. Não é matéria de especulação filosófica criar a imagem de seres humanos justos. Cada um de nós conhece pessoas retas, respeitáveis, por experiência ou por meio de livros. Desde que se começou a falar sobre moralidade, desde os tempos em que homens e mulheres começaram a assumir uma relação pessoal, relativamente autônoma, em relação a prescrições, normas, regras, hábitos de seu mundo, desde que a autoridade da consciência começou a compartilhar o papel da autoridade moral, com a aprovação ou não dos membros da comunidade, uma multiplicidade de escolas filosóficas e de religiões descreveram a pessoa reta de uma maneira muito similar.
O conteúdo da retidão pode ser muito diferente, mas a essência da retidão permanece sempre a mesma.
Por apreço à brevidade, refiro-me apenas a Sócrates. Sócrates disse que é melhor sofrer uma injustiça do que fazê-la. Depois tentou demonstrar a validade de sua tese. Mas a tese não pode ser provada. Ou melhor, também o seu oposto pode ser provado. Por exemplo, Calímaco e Trasímaco demonstraram que é melhor cometer do que sofrer uma injustiça. E, ao contrário de Sócrates, eles podem apelar para a evidência da experiência: quando se coloca uma pessoa diante do dilema de sofrer ou cometer uma injustiça, é muito provável que a pessoa escolha a segunda hipótese. Melhor: a maioria das pessoas reconheceria que a afirmação de Sócrates é correta, desde que não fosse colocada na condição de ter que escolher. E quase todos concordariam que Sócrates tinha razão, se eles próprios tivessem sofrido, na realidade, uma injustiça cometida por outra pessoa.
No final, deve-se chegar à conclusão que, para um homem de bem e reto, é melhor sofrer do que cometer uma injustiça. Aliás, esta é precisamente a razão que distingue um homem reto de alguém que não é. Certamente toda pessoa reta, é reta de modo diferente, cada um à sua maneira, mas o homem e a mulher retos sempre são os que prefeririam, se confrontados com uma escolha, sofrer uma injustiça em vez de cometê-la, sofrer um desrespeito ao invés de fazê-lo de propósito a outro.
Uma outra questão talvez possa ser levantada. Sim, tudo bem, a pessoa que subscreve a tese de Sócrates é reta e boa. Mas por que uma pessoa é reta e boa? Por que uma pessoa é íntegra e outra pessoa o é bem menos ou nada em absoluto? Não há resposta para essa pergunta. Podem ser descritas as ações de uma pessoa íntegra, mas não nos é dado conhecer as fontes de tal retidão. Elas são transcendentes. "Ser transcendente" é apenas outro modo - este filosófico - de dizer "não sabemos". Permitam-me resumir: "Uma pessoa reta e respeitável é aquela que reconhece a validade de ditado de Sócrates e age de acordo com tal ditado".
Vamos supor que uma pessoa seja reconhecida como reta e respeitável. Esta não é uma afirmação empírica, porque também pode acontecer que ela não seja reconhecida como tal. Mas deixe-me aceitar a metáfora de Kant, pela qual a bondade brilha como uma joia. Sócrates não se limitou a sustentar sua tese. Ele também deu testemunho de sua convicção, porque ele próprio se deixou matar em vez de trair sua verdade, as leis de sua cidade, a sua consciência. A pessoa digna de respeito é uma testemunha. Ela testifica com suas ações que a sentença: "É melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la" é verdade. As provas podem ser de um tipo muito diferente. Um homem se deixa matar, outro perde o emprego. Eles têm uma coisa em comum: a retidão. Considerando que a origem da bondade é transcendente, mesmo que não saibamos dizer por que uma pessoa é reta e a outra não, ainda podemos dizer que a pessoa reta, qualquer que seja o motivo que a move, é testemunha da transcendência.
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A retidão. Artigo de Ágnes Heller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU