22 Julho 2019
Sobrevivente de Auschwitz, perseguida sob o comunismo, depois expulsa da universidade, acusada e difamada pelo regime soberanista de Viktor Orbán, Agnes Heller tem sido por gerações, no século passado e neste, uma das mulheres de ponta no pensamento crítico. Seu desafio foi lúcido e destemido a todo totalitarismo e a todo autocrata. Ontem, recém completados 90 anos e ainda muito atuante e disposta para novos eventos públicos também na Itália, morreu nadando em Balatonalmadi na Hungria, nas águas do Lago Balaton. Alguns amigos esperaram por ela em vão na praia, depois a polícia encontrou seu corpo. Talvez parada cardíaca, mas o afogamento também pode ser provável. Com ela, a Europa e o mundo perdem uma das vozes mais elevadas da cultura, da filosofia e da ciência política.
A reportagem é de Andrea Tarquini, publicada por La Repubblica, 20-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Eu não tenho mais medo por mim, se não conseguirem me eliminar na fábrica de morte nazista nem me calar sob o império soviético, nem os soberanistas terão sucesso. Mas tenho medo pelo mundo, pelos adultos e pelos jovens de hoje e de amanhã", ela me disse em nossa última entrevista em sua casa simples, às margens do Danúbio, conversando muito lucidamente. "Tenho medo pelas novas gerações, porque os soberanistas, como Orbán entre nós, Kaczynski na Polônia, ou seus aliados na Itália e na França, estão agora juntos para conquistar a Europa e desenraizar seus valores democráticos e o hábito de décadas de paz. Mas seu sucesso é baseado em nacionalismos ferozes e agressivos, que amanhã poderiam facilmente se tornar contrapostos. E então o risco de guerras na Europa, pela primeira vez desde o fim dos conflitos nos Bálcãs, iniciado por Milosevic, poderia se tornar concreto, real e ameaçador. Como se a memória de duas guerras mundiais e de totalitarismo nascidos todos na Europa tivesse se perdida ou não mais nos detivesse da insídia de sombras escuras”.
Filha da burguesia judaica culta, nascida em Budapeste em 12 de maio de 1929, Heller foi perseguida primeiro pelo regime de Horthy, depois em decorrência da invasão alemã foi enviada com toda a família à deportação para Auschwitz-Birkenau. Apenas Agnes e sua mãe se salvaram, o resto da família acabou sendo vítima do Holocausto. Depois da guerra, Agnes imediatamente se apaixonou pela política. Tornou-se a aluna preferida do grande filósofo marxista Gyorgy Lukács e, com ele, sofreu controles, ameaças e repressões pelo regime comunista, antes e mesmo depois da brutal invasão com que a União Soviética reagiu em 1956 à revolução húngara.
Em 1977 foi ensinar no Canadá, e só depois de anos de exílio voltou a viajar entre a América do Norte e seu país. De marxista crítica, se tornou uma liberal de ponta. Devido a dissensos, nos anos do declínio do socialismo real e da dominação soviética na Europa do Leste, foi cada vez mais o ponto de referência de dissidentes, oposições e, depois de 1989, das novas elites democráticas. Mas logo teve que enfrentar a perda de sua cátedra e falsas acusações de peculato. Ordem do primeiro-ministro soberanista Viktor Orbán, no poder desde 2010, o principal ideólogo das novas direitas europeias.
"Orbán é um ditador que não precisou instaurar uma ditadura, ocupou as instituições sumbissas aos oligarcas", ela nos relatou. "Ele, Kaczynski, Putin são diferentes dos tiranos de ontem, mas podem ser muito mais perigosos. Não querem destruir a Europa, querem apoderar-se dela para esmagar as suas instituições e anular os valores constitutivos do Estado de direito". E mais ainda: "Em 1956, nós, húngaros, tivemos a coragem de pegar em armas contra a tirania comunista e, em 1989, os poloneses implementaram uma revolução não violenta, e depois a Charta 77, liderada por Vaclav Havel. Mas o que me preocupa é que hoje não vejo mais essa coragem nem a fantasia política das vozes democráticas para salvar a Europa e a democracia. E também vejo o ocaso da sociedade dividida em classes, cada uma com seu próprio interesse. Vivemos, ao contrário, em uma sociedade de massa mas com interesses atomizados".
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Agnes Heller voz contra todos os regimes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU