01 Julho 2019
Uma das grandes histórias do Vaticano nessa semana veio de forma improvável: a reação do Papa a uma fotografia. Na quarta-feira, o Vaticano publicou uma declaração dizendo que Francisco estava entristecido pela imagem do pai e sua filha que vindos de El Salvador se afogaram na tentativa de cruzar o Rio Grande para chegar aos Estados Unidos.
No entanto vale a pena perguntar, como a compaixão do Papa pelos migrantes tornou-se de comum conhecimento? Não é somente porque Francisco fala muito sobre imigrantes, embora ele fale muito. Mas é, principalmente, por causa de seus gestos, dezenas deles, um após o outro, que o pontífice encontrou maneiras criativas de demonstrá-la.
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Óscar e Valeria, pai e filha, morreram afogados tentando entrar nos Estado Unidos. Foto: Vatican News
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 30-06-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“O Papa está profundamente entristecido pelas suas mortes, e ele está rezando por eles e todos os migrantes que perderam suas vidas procurando fugir da guerra e da miséria”, disse a declaração assinada pelo diretor interino da sala de imprensa do Vaticano, Alessandro Gisotti.
Alguns observadores podem ser tentados a dizer: "É claro que é isso que Francisco diria... todos nós sabemos que ele é pró-imigrante".
No entanto vale a pena perguntar, como a compaixão do Papa pelos migrantes tornou-se de comum conhecimento? Não é somente porque Francisco fala muito sobre imigrantes, embora ele fale muito. Mas é, principalmente, por causa de seus gestos, dezenas deles, um após o outro, que o pontífice encontrou maneiras criativas de demonstrá-la.
Pouco depois de sua eleição em 2013, Francisco viajou para a ilha italiana de Lampedusa, um importante ponto de chegada para migrantes e refugiados do norte da África que buscavam entrar na Europa. Ele colocou uma coroa de flores no mar para comemorar aqueles que morreram tentando fazer a travessia, e ele passou um tempo em um centro de detenção consolando aqueles que conseguiram, mas agora se encontram em um limbo legal e político.
Em 2016, Francisco se recuperou ao visitar outra ilha mediterrânea que é um ponto de chegada importante, a ilha grega de Lesbos, e nesse caso ele trouxe 12 refugiados sírios de volta à Roma com ele a bordo do avião papal.
Naquele mesmo ano, Francisco também visitou o México e fez questão de viajar para a fronteira EUA-México, em luto por aqueles que morreram no Rio Grande ou em desertos tentando fazer a travessia, no que era claramente uma decisão política, em um ano de eleições presidenciais estadunidenses.
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Bispos dos EUA assistindo à missa celebrada por papa Francisco na fronteira dos EUA-México, em 2016. Foto: Il Sismógrafo
É natural imaginar porque Francisco continua repetindo esses posicionamentos e gestos pró-imigrantes, desde o ponto de partida até agora. No entanto, qualquer colega professor dirá que a repetição é a chave efetiva da comunicação – se você quer que as pessoas absorvam alguma coisa, você tem que mantê-las dizendo isso ou fazendo isso, de novo e de novo, até isso se tornar uma memória muscular.
O mesmo ponto aplica-se aos bispos católicos dos EUA, que da mesma forma devem defender os direitos dos imigrantes como uma das suas principais prioridades.
Em 2014, o cardeal Sean O’Malley, de Boston, liderou um grupo de bispos dos EUA até Nogales, Arizona, com o destaque à celebração de uma missa na cerca da fronteira com participantes de ambos lados. A comunhão foi distribuída pelas frestas, dando uma dramática representação espiritual solidariedade com outras pessoas que transcendem as fronteiras nacionais.
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Sean O'Malley distribuindo comunhão pelas frestas da fronteira dos Estados Unidos com o México, em 2014, em Nogales. Foto: Arquidiocese de Boston
Similarmente, cardeal Daniel DiNardo, de Galveston-Houston, e o arcebispo Jose Gomez, de Los Angeles, respectivamente o presidente e vice-presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, lideraram um grupo de prelados a San Juan, no Texas, para visitar a fronteira, em 2018. No início dessa semana, dom Mark Seitz, de El Paso, Texas, escoltou um grupo de migrantes que requeriam asilo para atravessar a fronteira EUA/México.
Os cínicos podem se perguntar se tudo isso é som e fúria significando nada, já que os gestos dramáticos de Francisco não impediram os italianos de votarem no feroz antiimigrante Matteo Salvini, e que nem Francisco nem os bispos dos EUA impediram os americanos de eleger Donald Trump.
Ainda, o que esses momentos icônicos fizeram foi, pelo menos, tornar clara a posição da Igreja. A frente de um novo ciclo eleitoral nos EUA, os bispos do país precisam também assumir o papel do seu chefe e continuar insistindo, encontrando novas maneiras de tornar interessantes os repetitivos gestos.
Essa é apenas uma ideia, dentre inúmeras possibilidades.
Supondo que cinco bispos aceitassem fazer uma viagem à fronteira juntos: arcebispo Wilton Gregory, de Washington D.C.; Gomez, de Los Angeles; arcebispo Bernie Hebda, de Minneapolis-St. Paul, Minnesota; DiNardo, de Galveston-Houston; e dom Gerald Vincke, de Salina, Kansas.
Por que eles?
Primeiro, os representantes de Washington e Los Angeles representam as costas leste e oeste, Minneapolis a fronteira do nordeste e Houston do sudeste, enquanto Saline é a diocese que inclui o centro geográfico dos Estados Unidos. Essa seria uma forma de dizer que do leste ao oeste, do norte ao sul, e em todo lugar, os bispos estão unidos.
Pensando graficamente, alguém poderia desenhar linhas horizontais e verticais sobre um mapa estadunidense para mostrar de onde são os bispos participantes – e pronto, se tem uma cruz sobreposta aos Estados Unidos, uma lembrança das cruzes que os imigrantes frequentemente carregam.
Finalmente, cada um dos cinco bispos tem uma história a contar sobre imigração e diversidade cultural nos EUA. Gregory é afro-americano, Gomez o mais velho prelado hispânico no país, DiNardo o descendente de imigrantes italianos, Hebda de imigrantes poloneses, e Vincke cresceu como parte de uma família rural de imigrantes germânicos.
Com esses cinco nbispos como catalisadores, outros bispos e proeminentes líderes católicos poderiam pensar um evento, como uma Marcha pela Vida, que acontece anualmente com missa de vigília na noite anterior para mostrar a unidade contra o aborto. Um benefício colateral para os prelados dos EUA para melhorarem sua relação com o papa Francisco e sua equipe, a qual tem sido, às vezes, nitidamente morna.
Na verdade, alguns prelados podem ser tentados a pensar que este não é o momento de tentar fazer grandes declarações sociais e políticas, devido ao dano causado pela crise de abuso clerical à autoridade moral da Igreja. Contudo, como qualquer técnico esportivo dirá, a única maneira de voltar ao jogo é voltar ao jogo.
Se tal assembleia é viável, ninguém sabe, mas o ponto é que os EUA precisarão pensar criativamente sobre como continuar enviando sua mensagem além-fronteiras – especialmente, talvez, no momento da história estadunidense que a uma grande parcela da população não parece ansiosa para escutá-los.
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Como cinco bispos poderiam criar um poderoso gesto pró-imigrantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU