14 Março 2017
No governo de Donald Trump, estamos em um momento fora de lógica, inclusive nas percepções do perfil político dos bispos estadunidenses. Ninguém ilustra isso melhor do que o Arcebispo José Gomez, de Los Angeles, há muito tempo considerado conservador, mas agora tido como liberal por sua postura pró-imigração.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 11-03-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Com o governo de Donald Trump, estamos em um momento fora de lógica nos EUA, em que o que era implausível em vários âmbitos tornou-se o novo normal, inclusive a respeito do perfil político dos bispos católicos dos Estados Unidos. Provavelmente, ninguém ilustra melhor esta questão do que o arcebispo José Gómez, de Los Angeles.
Na quarta-feira desta semana, Gómez estava em Washington para falar em um simpósio do Instituto Napa, considerado um dos principais fóruns de pensamento católico conservador no país. Seu tema, no entanto, foi tudo menos uma história conservadora como qualquer outra: por que a reforma da imigração precisa acontecer agora.
"A imigração está próxima do meu coração e os imigrantes estão há quase 40 anos no coração do meu ministério, como padre e agora como bispo", disse Gómez ao grupo.
"A imigração também é um tema profundamente pessoal para mim", disse ele. "Nasci em Monterrey, no México, e vim para os Estados Unidos como imigrante. Tenho parentes que moram onde agora fica o Texas desde 1805, quando ainda estava sob domínio espanhol, e por isso tenho profundas raízes imigrantes.”
"Sinto que nosso grande país se perdeu nesta questão", afirmou Gómez. "Na minha opinião, a imigração é o teste de direitos humanos da nossa geração."
A partir daí, Gómez passou a analisar criticamente cada um dos argumentos habituais para a repressão à imigração, apontando, por exemplo, que "a grande maioria dos que são deportados não são criminosos violentos”.
"Ninguém contesta que devemos deportar criminosos violentos", disse ele, "ninguém. As pessoas têm o direito de viver em bairros seguros. Mas qual é a finalidade das políticas públicas que tiram o pai de alguma menina ou a mãe de algum menino?".
Seu principal argumento é que uma reforma global é esperada há anos. E ele deixou claro que não acredita que as medidas do governo Trump estejam se aproximando de realizá-la até agora.
Quem não conhece mais nada sobre Gómez, pode se inclinar a concluir que ele seja um católico tipicamente de centro-esquerda, no estilo paz e justiça, muito de acordo com o ethos da era Francisco.
O engraçado é que na maior parte de sua carreira, Gómez, na verdade, foi conhecido como um forte conservador.
Em partes, isso se deve ao fato de que ele é membro da Opus Dei - organização católica com um perfil conservador tanto em questões de teologia quanto de política secular – e foi vigário do grupo no Texas. Em partes, também, é porque ele começou sua trajetória episcopal como protegé de Charles Chaput - que, na época, era arcebispo de Denver e agora atua na Filadélfia -, considerado um herói pela ala conservadora da Igreja estadunidense e algo como um bête noir para os liberais.
Lembro-me vividamente que quando Gómez foi nomeado arcebispo de San Antonio em 2004, sucedendo o carismático arcebispo Patrick Flores, considerado um herói dos direitos civis, havia o medo entre os mais progressistas da igreja local de que Gómez faria algum tipo de expurgação. O mesmo aconteceu em 2010, quando ele foi nomeado para Los Angeles, após o cardeal Roger Mahony, mais liberal.
Certamente houve momentos ao longo do caminho que reforçaram essas impressões. Em 2008, por exemplo, ele veio a público para expressar sua insatisfação de que a Universidade de St. Mary, em San Antonio, recebesse Hillary Clinton, que na época estava em campanha.
"Instituições católicas são obrigadas a ensinar e promover os valores católicos em todas as instâncias", disse ele. "Isto é especialmente importante quando as pessoas voltam-se às nossas universidades e faculdades católicas para fornecer liderança e clareza ao discurso político, muitas vezes complicado e conflituoso.”
"As nossas instituições católicas devem promover a compreensão clara das nossas profundas convicções morais sobre temas como o aborto, um ato que a Igreja considera 'crime abominável' e questão não negociável", insistiu.
Não é exatamente o discurso, digamos, de um típico liberal.
Recentemente estive com Gómez durante o Congresso Anual de Educação Religiosa de Los Angeles em um vídeo para a Crux e perguntei se ele considera estranho que as pessoas costumavam considerá-lo arquiconservador e agora muitos o veem como um liberal inflamado."É surpreendente", admitiu.
"É difícil para as pessoas entenderem que a Igreja Católica se importa com ambos os lados na política. Tendem a rotular as pessoas, como se estivéssemos de um ou de outro lado", disse ele, concordando que, na verdade, ele é basicamente o mesmo que sempre foi.
A questão é que, em alguns aspectos importantes, José Gómez é o que a maioria dos estadunidenses consideraria "conservador". Um de seus principas argumentos sobre a carreira de seus bispos sempre foi a catequese, por acreditar que as pessoas precisam ser melhor educadas nos princípios básicos da fé. Ele é guiado pelo 'preto no branco' quando se tratam de questões de doutrina e prática litúrgica e não é quem vem à mente quando se pensa em um reformador de visão ampla.
No entanto, ele também acredita profundamente nos ensinamentos da Igreja sobre questões como os imigrantes, os refugiados e os pobres e apoia totalmente a liderança do Papa Francisco a respeito desses temas.
Em outras palavras, Gómez ilustra uma importante visão do ensino social católico: ele não vem simplesmente a calhar para a dinâmica binária da política estadunidense e se seus expoentes são "conservadores" ou "liberais" geralmente tem mais a ver com as questões da cultura em um dado momento do que com o que essas pessoas realmente acreditam.
A boa notícia é que o arcebispo José Gómez não parece terrivelmente preocupado sobre se as pessoas o consideram mais de esquerda ou direita. Ele está avançando, abordando de frente o claro desafio católico na defesa da população imigrante dos Estados Unidos.
"Como pastor, não acho que seja uma resposta moralmente aceitável dizer 'que pena, é culpa deles mesmos', ou 'é o que acontece por infringirem as nossas leis'. Eles ainda são pessoas, filhos de Deus, não importa o que fizeram de errado", disse ele no simpósio do Napa.
"Ao olhar nos olhos de uma criança cujo pai ou cuja mãe sofreu uma deportação - e tenho tido que fazê-lo mais do que eu gostaria -, percebe-se o quanto todas as nossas desculpas são inadequadas."
Dada a política da era Trump, isso deve ser mais do que suficiente para que alguns digam que Gómez é porta-voz da esquerda. O que quer que as pessoas pensem, no entanto, não parece que ele vai parar de dizer isso.
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Arcebispo de Los Angeles ilustra a política às avessas de Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU