O líder norte-americano da "direita alternativa" recruta aliados católicos para colocar as pessoas contra o papa.
O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 21-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Entre todos os líderes políticos e sociais do mundo, o Papa Francisco está cada vez mais sozinho como uma força máxima em favor da paz e da estabilidade global.
Agradecemos a Deus - e aos cardeais que o elegeram em março de 2013 - que o jesuíta argentino seja o atual bispo de Roma. Em uma época em que os populistas da direita alternativa se disfarçam de cristãos e usam símbolos religiosos para amedrontar os fiéis e fazê-los aceitar o racismo, a xenofobia, a islamofobia e o ultra-nacionalismo - todos tão fortemente em conflito com o evangelho, entre outras coisas - Francisco desempenhou um papel indispensável na prevenção de uma espiral perigosa em direção a um conclamado choque de civilizações. Isso porque há pessoas tresloucadas como os populistas também em outras correntes. Um outro papa poderia não ter tido a coragem, a força de espírito ou uma fé profunda e genuína para se opor a tudo isso e evitar ser ele próprio cooptado na causa dos soberanistas cristãos.
E enquanto Francisco, com seus oitenta e dois anos, não conseguiu convencer eleitores suficientes para rejeitar os populistas, evitou que a maioria dos bispos, cardeais e outros líderes católicos os apoiassem publicamente. Isso não é pouca coisa. Os populistas afirmam que sua intenção é defender a herança judaico-cristã do mundo ocidental e, infelizmente, isso é muito sedutor para aqueles para quem o catolicismo é, essencialmente, uma ideologia filosófica e um código moral eurocêntrico. Aos católicos "tribais" do tipo "não há salvação fora da Igreja romana" agrada essa mensagem. E o homem que os arrolou é Steve Bannon.
O populista milionário norte-americano que pragueja contra as elites. Principal estrategista da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos e cofundador do site de extrema direita Breitbart News, Bannon, de 65 anos, é o mais famoso boss do movimento populista da direita alternativa baseado na política do medo. Ele teve grande sucesso em espalhar notícias falsas e convencer pessoas, normalmente racionais, que aqueles fatos eram verdadeiros. Caso contrário, como poderia um ex-consultor financeiro da Goldman-Sachs, cuja riqueza pessoal (segundo a Forbes) varia de 9,5 a 48 milhões de dólares, construir um movimento inteiro sobre o pressuposto de que seus adversários são as "elites" que querem destruir a classe trabalhadora?
O principal adversário de Bannon é agora o Papa Francisco
Faz tudo o que pode para colocar as pessoas contra o Papa. E ele recebe ajuda de determinados católicos que não gostam do papa atual, e eventualmente ocorre desses católicos serem jornalistas.
Um deles é Thomas Williams, ex-Legionário de Cristo, que escreve para Breitbart. Deixou há tempo aquela congregação religiosa, afundada em escândalo, para se casar com a filha do ex-embaixadora dos EUA na Santa Sé, Mary Ann Glendon, com quem havia tido secretamente um filho quando ainda era padre. Williams é um grande amigo e aliado de Bannon.
Depois há Edward Pentin. Ele talvez seja o mais influente dos jornalistas que apoiam Bannon, simplesmente porque ele é o correspondente do Vaticano para o National Catholic Register, um jornal de grande circulação e conservador, nos EUA, e frequentemente escreve para um jornal similar na Grã-Bretanha, o Catholic Herald.
A entrevista de Bannon na imprensa católica. Em um artigo recente no Registro ("Papa Francisco e populismo europeu: é necessário maior diálogo?"), Pentin deu carta branca a Bannon para atacar o papa.
O líder soberanista criticava Francisco por sua recusa em se encontrar com o vice-primeiro ministro italiano Matteo Salvini (populista, anti-imigrantes), sarcasticamente dizendo que o papa sempre fala sobre diálogo, então por que não dialoga com os populistas? Na realidade, Salvini admitiu que ele nunca pediu um encontro com Francisco, algo que Pentin oportunamente omitiu.
Bannon também se lançou contra o papa porque tinha ousado criticar a política dos muros de Trump na fronteira entre os EUA e o México durante a campanha presidencial de 2016. "Ele nunca foi realmente censurado por isso", o acusava Bannon. Censurado pelo quê? Por ter defendido os princípios do Evangelho e repetido as famosas palavras que até mesmo João Paulo II (um heroi para Bannon) havia dito: "Construir pontes, não muros"?
Pentin observa que o que Bannon considera "mais perturbador" em Francisco é que o papa está "essencialmente do lado das elites globais, não dos pobres".
Evidentemente, por causa de sua orientação conciliatória sobre a imigração, que, segundo Bannon, fere as "pessoas da classe trabalhadora" na Europa meridional e no sul dos EUA. Novamente, há a carta do medo. Imigrantes tiram o trabalho. E se o medo é a arma mais poderosa na política, como todos sabem, ela não tem poder contra um Papa Francisco que parece não ter medo de nada.
O Papa Francisco acusado de ser um político do Partido Verde e marxista. Pois bem, devemos agora reconhecer a Pentin, ou talvez a seus editores no Register, não ter publicado as partes mais estúpidas e de mais feroz difamação em sua entrevista telefônica com Bannon de 4 de junho. E há certamente muita difamação e muitas afirmações equivocadas.
Mas Pentin, de fato, tornou pública cada pequena parte da entrevista - em seu blog pessoal e em um site chamado European Conservative, uma revista mensal que apoia as ideias políticas conservadoras de Bannon. O entrevistador faz algumas perguntas tendenciosas e é claramente da mesma opinião do entrevistado. "(Francisco) basicamente assumiu ser o verdadeiro líder do partido de Davos, indo contra o movimento soberanista ... Mente sobre suas ações em tratar a pior crise existencial que, eu acredito, a Igreja já teve ... sobre abusos sexuais ... agora inextricavelmente ligada a este papa", diz Bannon. Ele zomba de Francisco pelo fato de que "tem uma fixação em temas como a mudança climática", solta golpes nele afirmando que "fez um acordo secreto com o Partido Comunista Chinês", o acusa de ser um líder do Partido Verde "de extrema esquerda" e fundamentalmente o rotula como um marxista. Ele também adverte que Francisco está levando a Igreja a um cisma.
Há todo tipo de lixo naquela entrevista, mas não vou mencionar mais nada. Eu provavelmente nem teria visto a coisa toda, porque o National Catholic Register - que não é exatamente a publicação mais entusiasta em favor de Francisco - teve o bom senso de não a publicar nem fazer uma ligação.
Mais partidários católicos de Bannon e dos populistas
Foi outro jornalista que trouxe toda a entrevista de Bannon para a atenção de muitos de nós. Foi Robert Moynihan, fundador e editor-chefe do Inside the Vatican, uma revista católica conservadora que publica dez edições por ano.
Moynihan envia regularmente as suas "Cartas" e, numa das edições mais recentes, ofereceu a entrevista com Bannon, defendendo a opinião de que o Papa Francisco precisa urgentemente dialogar com os populistas para evitar - segurem-se firmes! - um cisma na Igreja Católica, justamente como Bannon adverte.
Bob Moynihan é um cara inteligente. Mas tende a ser um pouco apocalíptico, facilmente disposto a acolher as mensagens premonitórias de Nossa Senhora de Fátima. Não surpreende que seja um católico eurocêntrico profundamente inspirado e formado pelos textos e pela pessoa de Joseph Ratzinger-Bento XVI.
Mas acho que ele cometeu um erro ao levar as invectivas erráticas e controversas de Bannon a sério. Ou, digamos assim: esperando que o Papa Francisco se precipitasse a ter um diálogo com Bannon e seus apoiadores.
Que, aliás, inclui um discreto número de cardeais. Alguns deles, como Raymond Burke, são abertamente solidários. (Nota de IHU: O cardeal Burke, nesta semana, rompeu com Bannon). Outros, como o húngaro Pèter Erdő (por causa de sua própria ambição, e daquela de outros, de ser ele o sucessor de Francisco como papa), são mais discretos no apoio.
Outra figura católica que compartilha a maioria das opiniões de Bannon é Newt Gingrich, ex-porta-voz da Câmara dos Representantes dos EUA e um dos políticos mais controversos de nossos tempos. Sua esposa é embaixadora de Donald Trump na Santa Sé, mas é Newt que desempenha o papel de olhos e ouvidos (e, de fato, de enviado) do presidente no Vaticano.
Os católicos devem escolher. O papa Francisco fez do "diálogo" um dos princípios mais importantes de seu pontificado e está tentando converter toda a Igreja a esse método de comprometimento com o mundo, ao tratar com os outros e ao resolver problemas. Mas o tipo de diálogo e de discurso de que o Papa fala têm o propósito de unir e agregar as pessoas; integrar os migrantes; lutar por uma distribuição mais equitativa da riqueza e dos bens da terra; trabalhar juntos para proteger "nossa casa comum", toda a criação de Deus; derrubar os mal-entendidos entre as várias religiões e construir paz e harmonia com base na nossa comum humanidade como filhos do único Deus.
Bannon e os tipos como ele, por outro lado, estão determinados a dividir e excluir os outros. Enfatizam as diferenças de raça, religião e nacionalidade. Favorecem o darwinismo social que recompensa os mais fortes e os mais inteligentes, em detrimento dos fracos e dos pobres. E a lista pode continuar ... O catolicismo mostra o seu melhor lado quando não favorece a exclusão, quando acolhe o "tanto ... quanto ..." em vez de reduzir tudo ao "ou ... ou ...". Mas neste caso, os católicos devem fazer uma escolha. Ou estão com Francisco, ou estão com Bannon.