11 Junho 2019
Professor da FAU e do IEA, José Pedro de Oliveira Costa diz que ataques ao setor são ‘uma falsa polêmica’ e que grande parte dos produtores e empresários defendem a natureza e sabem da importância disso para os negócios do País lá fora.
A entrevista é de Sonia Racy, publicada por O Estado de S. Paulo, 10-06-2019.
Os amigos o chamam simplesmente de Zé Pedro. Na academia, sua fama é a de “um ambientalista de resultados”, daqueles que, quando pegam uma causa pra valer, “o melhor é sair da frente”. Como fez o ministro Raul Jungmann, que se divertia, no governo Temer, dizendo ter aprovado a criação de uma área de proteção, certa vez, só para se livrar dele. “O Zé não é só obstinado, ele atormenta. Os amigos, prefeitos, deputados, governador, presidente…”, brinca seu velho amigo Eduardo Muylaert.
Arquiteto e professor da FAU há 41 anos e atuando agora no Instituto de Estudos Avançados da USP, José Pedro de Oliveira Costa, paulista de Taubaté, é um dedicado colecionador de batalhas ambientais. Sua mais recente “conquista” foi o título de patrimônio mundial dado a Paraty. Sua tese de doutorado na USP sobre Aiuruoca, na Mantiqueira, virou livro e resultou na criação do Parque Estadual do Papagaio. Em sua antiga casa no Bom Retiro nasceu a SOS Mata Atlântica. Sua tese na Universidade da Califórnia foi “A História da Destruição das Florestas Brasileiras”. Em Paris foi assessor especial de patrimônio da Unesco. Mas olhando, à sua volta, ações do governo que segundo ele “não cabem num sentido lógico”, resume seu estado de espírito: “Estamos assustados. Pois a imagem do Brasil para o exterior se faz muito em função da nossa potencialidade, da biodiversidade”.
O ambientalista está agora às voltas com a Operação Primatas, um esforço de ambientalistas e empresários para salvar as 35 espécies de macacos ameaçadas de extinção no País – das quais 5 ou 6 já em perigo real. Macacos, aliás, são uma paixão antiga: ele tem cerca de 600 estátuas e imagens deles e quer criar um Museu do Macaco em SP. Na quarta passada, Dia do Meio Ambiente, Zé Pedro recebeu em seu apartamento, em Higienópolis, o repórter Gabriel Manzano. Aqui vão trechos da conversa.
Qual o seu balanço, na questão ambiental, deste início do governo Bolsonaro?
Repito o que disse Fernando Henrique Cardoso numa reunião, há dias, de forma diplomática, para festejar o Dia da Mata Atlântica: estamos assustados. Porque são muitas as informações – ou desinformações – sobre o meio ambiente que não cabem dentro de um sentido lógico. Isso está deixando tanto brasileiros quanto doadores estrangeiros surpresos. A imagem do Brasil para o exterior se faz muito em função da nossa potencialidade, da biodiversidade, da Floresta Amazônica, e é triste ver como isso tem sido objeto de um ataque sistêmico.
O senhor se refere à guerrinha ideológica entre equipes ambientais e de outro lado o atual ministério. Como analisa isso?
A questão ambiental é fruto de uma decorrência científica. Se o homem é entendido como parte integrante da natureza e fruto dela, a interdependência desses dois lados é completa. Mas veja, no passado não havia essa disputa. No debate da Constituição de 1988, criou-se uma Frente Parlamentarista Ambientalista e ela teve participação e apoio tanto da direita quanto da esquerda. Em 1981, no regime militar, a aprovação da Lei Nacional do Meio Ambiente foi feita tanto pela Arena quanto pelo MDB. Militares e esquerda juntos na causa.
O ambientalismo conseguia ser uma causa aglutinadora…
Ambientalismo é como a saúde. Saúde não é de esquerda nem de direita. Com a ciência, a mesma coisa. Aí, começou-se a dizer que a defesa do meio ambiente é coisa de esquerda. Ora, o movimento ambiental tem apoio de classes produtoras, dos meios empresariais, vemos isso no dia a dia. O ministro Blairo Maggi, com quem tive o privilégio de conversar, costuma dizer que o Brasil precisa agregar o valor ambiental ao seu produto rural porque isso vai torná-lo mais competitivo. Aliás, o Ministério do Meio Ambiente só não foi extinto por pedido e sugestão da bancada ruralista esclarecida. Em suma, acho toda essa guerrinha uma coisa desproporcional, é uma falsa polêmica. Daí a nossa perplexidade.
Como avalia a ação do atual ministro do meio ambiente?
Tomo como exemplo a avaliação dele de que as áreas protegidas do País foram criadas sem nenhum critério. Isso fere a realidade científica. O Brasil desenvolveu todo um trabalho de identificação de áreas prioritárias para conservação que é inédito no mundo. Foi desenvolvido pelas maiores universidades. O Brasil tem uma grande responsabilidade na proteção da biodiversidade porque é o país que tem a maior quantidade de plantas e animais no mundo. Isso é importante para nossa soberania, nossa economia, nossa produção agrícola, de remédios, de cosméticos…
O Acordo de Paris começou sendo questionado, depois o governo recuou.
Estamos numa era de mudanças no clima e isso significa transtorno geral. A rapidez do ritmo de extinção da biodiversidade prenuncia um prejuízo tremendo. Nessa questão, aliás, me espanta ver a atuação da bancada evangélica no Congresso, que é um dos pilares do atual governo. Porque toda essa natureza, a biodiversidade, é obra de Deus, a criação das plantas e animais… Não bastasse o aspecto científico, temos também o religioso. A natureza tem o direito de existir. O homem não tem o direito de extingui-la. O que você tem, de fato, é 1% dos cientistas que não acreditam que as mudanças climáticas estejam ocorrendo por causa da ação humana. Os outros 99% acreditam.
Como vê a polêmica em torno do Fundo da Amazônia?
Na Amazônia temos três abordagens. Ela é a maior floresta do mundo. É um repositório de biodiversidade. E, ao mesmo tempo, é um fator regulatório do clima. Veja, eu não estou propondo uma Amazônia intacta, apenas defendendo que não haja desmatamento ilegal. Mas o fato é que estava havendo um acordo entre vários países que hoje chega a US$ 3 bilhões… e essa transferência está sendo objeto de polêmica agora. Mas a Amazônia não é uma responsabilidade só da América do Sul, é uma responsabilidade planetária. Espero que haja um entendimento no sentido amplo.
Que acha do debate sobre o Código Florestal?
Eu resumiria assim: o mundo ruralista produtor moderno está fazendo o que a lei determina, mas existe uma minoria predadora e de grileiros, gente que se apropria do bem público e pressiona para que o código seja anulado. Isso não pode acontecer. É preciso entender que em política e economia tudo são construções, e neste caso elas devem convergir ao mesmo tempo para a produção e para a biodiversidade.
É forte a queixa de que há proteção demais, que o País precisa produzir mas os ambientalistas o impedem, são radicais.
Esse discurso só tem uma serventia, a de embrulhar as coisas e criar confusão. É poeira nos olhos. Essa questão entre meio ambiente e desenvolvimento já aconteceu no século passado – e Cubatão foi um exemplo concreto de como o desenvolvimento pode ser destrutivo. Tanto que destruiu a floresta e a serra desabou em cima da própria indústria. Matou a galinha dos ovos de ouro. Esse conflito ambiente-desenvolvimento está resolvido desde a Rio 92 – a conferência mundial sobre o tema, que teve o desenvolvimento sustentável como foco central.
O que decidiu a Rio-92?
O conceito de desenvolvimento sustentável desenvolvido então foi o de que nós precisamos, sim, do desenvolvimento, não há como voltar, viver em comunidades no meio do mato. Todos precisamos da produção e da indústria. Mas modernizar não é usar agrotóxicos nocivos à saúde humana, coisas já proibidas em países desenvolvidos. Concretamente, a Rio-92 apresentou três documentos importantes. A Convenção da Biodiversidade, a Convenção do Clima e um plano de implementação dessas metas. Esse plano andou pouco, foi diluído – mas a ideia de desenvolvimento sustentável permaneceu.
O senhor tem lutado pela proteção de espécies, em especial os macacos. Pode falar dessa luta?
Sim, fico assustado quando vejo certas coisas. Veja, o Brasil tem 150 espécies de primatas e 35 delas estão ameaçadas. Destas 35, há 6 em situação crítica. Já foram desenvolvidos e aprovados planos para salvá-las, envolvendo ICMBio e Centro Brasileiro de Primatologia. Temos um exemplo maravilhoso, a recuperação do mico leão dourado. Chegamos a ter só 400, e depois de 30 anos temos 2.500 deles na natureza. No entanto, o decreto e aqueles planos estão há um longo tempo parados em alguma gaveta do Executivo, e não acontece nada.
Existe em andamento uma operação mais ampla em defesa dos macacos.
Sim, estamos lutando para criar a Operação Primatas, ou Operação Macaco. Temos trabalhos governamentais, científicos, mais o apoio da Anglo American, uma grande mineradora, e da Fundação Getúlio Vargas… O grupo inclui o ICMBio, a Associação Brasileira de Primatologia, o Instituto de Estudos Avançados da USP, a União Internacional de Conservação da Natureza, a SOS Mata Atlântica, a WWF… Uma reunião de dia inteiro desse grupo vai acontecer ainda este mês.
Outra campanha é pela defesa das árvores ameaçadas na Mata Atlântica.
Sim, e o principal exemplo é o jequitibá, a a árvore símbolo da Mata Atlântica, símbolo do Estado de São Paulo, que chega aos 50, 60 metros de altura. Está ameaçada de extinção e a gente não consegue que se tomem medidas para protegê-la. Precisamos de uma campanha em defesa do jequitibá, precisamos de ajuda da população para isso.
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‘A biodiversidade é decisiva na imagem do Brasil’, diz ambientalista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU