26 Mai 2019
Votação é vitória histórica de povos indígenas sobre Bolsonaro. MP 870 ainda precisa passar pelo Senado, mas tendência é que redação seja mantida porque medida perde validade em 3/6.
A reportagem é de Oswaldo Braga de Souza, publicada por Instituto Socioambiental - ISA, 23-05-2019.
Os povos indígenas tiveram uma vitória histórica – ainda não definitiva – contra o único governo eleito, nos últimos 30 anos, que anunciou que não oficializaria mais Terras Indígenas (TIs). De acordo com o relatório da Medida Provisória (MP) 870/2019 aprovado pelo plenário da Câmara, na noite desta quarta (22), a Fundação Nacional do Índio (Funai) volta a ter a competência de demarcar essas áreas e a ser subordinada ao Ministério da Justiça.
A MP prevê a reorganização das competências e estruturas dos ministérios e foi editada no primeiro dia do governo Bolsonaro. Ela reduziu o número de pastas na administração federal de 29 para 22.
O texto ainda tem de ser referendado pelo plenário do Senado e pelo presidente da República. Não estão descartadas alterações, mas a tendência é que os senadores ratifiquem a redação saída da Câmara. Se a proposta for alterada por eles, terá de ser apreciada mais uma vez pelos deputados. A questão é que a medida precisa ser aprovada até o dia 3/6 ou perderá validade.
Mais difícil é saber se Jair Bolsonaro vai sancionar ou não, total ou parcialmente, o Projeto de Lei de Conversão da MP. O Congresso tem a prerrogativa de analisar os vetos do presidente. Daí o assunto não estar encerrado.
A votação dos destaques com emendas à MP não foi concluída e uma nova sessão foi marcada para a manhã desta quinta (23). Restam três destaques a ser apreciados. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também resolveu convocar nova sessão na sequência, à tarde. Nesse caso, está na pauta a MP 867, que muda o Código Florestal.
Há dúvidas se as votações continuarão ainda esta semana em função do clima de guerra entre Congresso e governo. Maia suspendeu as sessões nesta quarta por causa do bate-boca entre membros do Centrão e do PSL, partido de Bolsonaro. Se a sequência da votação da MP 870 ficar para a próxima semana, aumenta o risco dela caducar.
A comissão mista especial que analisou a MP 870 aprovou o relatório do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), no início do mês, com uma série de alterações à redação original. Ela previa a transferência da Funai do Ministério da Justiça ao recém-criado Ministério da Família, Mulher e dos Direitos Humanos. Além disso, colocou a competência de formalizar as Tis nas mãos do Ministério da Agricultura (Mapa), comandado pelos ruralistas, inimigos históricos das pautas indígenas.
Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro repetiu várias vezes que paralisaria de vez as demarcações. A transferência da atribuição ao Mapa faz parte do plano para cumprir a promessa.
“O retorno da Funai ao Ministério da Justiça, com todas as suas atribuições, é nada mais do que a manutenção dos direitos indígenas. Ele reafirma o respeito ao espírito da Constituição no sentido de resguardar esses direitos de qualquer ingerência do agronegócio”, comentou Luís Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígena do Brasil (Apib).
O advogado avalia que a votação de hoje também é fruto da pressão do movimento indígena, que lutou pela alteração da MP desde o primeiro dia do novo governo. O tema foi um dos motes do Acampamento Terra Livre (ATL), manifestação que reuniu quase quatro mil indígenas, em Brasília, no final de abril.
“Acho que essa vitória mostrou nossa capacidade de articulação dentro do Congresso”, afirmou a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira parlamentar federal indígena eleita na história do país. Ela lembrou que a mobilização para reverter o texto da MP contou com o apoio das lideranças indígenas, das organizações indigenistas e dos servidores da Funai. Joênia frisou, no entanto, que os direitos indígenas estão longe de estar consolidados e que a mobilização tem de continuar. A deputada foi uma das parlamentares que liderou a costura do acordo que permitiu a manutenção do relatório que saiu da comissão mista nesse ponto (veja vídeo abaixo).
Ao longo de todo o dia, circularam informações sobre a pressão da bancada ruralista para tentar antecipar a votação, com o objetivo de surpreender a oposição, e reverter as mudanças no relatório de Bezerra. Ao final de horas de negociações e embates, os ruralistas concordaram em manter a redação sobre a questão indígena, mas exigiram a retirada da emenda que previa o retorno do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) à órbita do Ministério do Meio Ambiente (MMA). A MP subordinou o órgão, que controla o estratégico Cadastro Ambiental Rural (CAR), ao Mapa.
Além do tema indígena, Bolsonaro sofreu outras derrotas importantes na votação desta quarta. A principal delas foi a previsão de que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) fique vinculado ao Ministério da Economia, e não ao Ministério da Justiça, comandado pelo ex-juiz Sérgio Moro. O assunto foi o alvo das principais polêmicas no plenário e é considerado ponto de honra pelo PSL. Parlamentares da legenda informaram que vão acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão, se ela for confirmada pelo Senado.
Apesar disso, o governo teve algumas vitórias. O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) não foi desmembrado nas pastas de Integração Regional e Cidades. Tampouco foram recriados os ministérios da Cultura e do Trabalho.
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Câmara aprova texto que retorna demarcações e Funai ao Ministério da Justiça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU