13 Mai 2019
Se depender do rapper Emicida, o povo preto será retratado exalando poder, felicidade e vitória. Em seu novo single Eminência Parda, lançado nesta quinta-feira (9), o artista paulistano desconstrói a narrativa histórica e repleta de estereótipos, feita sob o ponto de vista do homem branco, de que negros só ocuparão a parte inferior da pirâmide social.
A reportagem é de Felipe Mascari, publicada por Rede Brasil Atual-RBA, 11-05-2019.
O artista da zona norte paulistana ainda conta em seu lançamento com participação de Jé Santiago, do rimador português Papillon e da poeta Dona Onete. O single é o carro-chefe do novo ciclo de disco do rapper: Permita Que Eu Fale, ainda sem data de lançamento, e sucessor de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, álbum de 2015.
O videoclipe feito em parceria com o diretor mineiro Leandro HBL é a materialização da crítica que o rapper trouxe na letra: o estereótipo mata. Neste contexto, o rapper aponta a forma com que a população negra é vista e tratada de forma discriminatória, sem poder ocupar os mesmos espaços da classe média branca, seja na escala social ou em determinados locais.
O trabalho audiovisual exemplifica isso. O clipe traz uma família negra, que comemora o ingresso na faculdade, indo jantar em um restaurante caro e cheio de pessoas brancas. Apesar de ostentarem felicidade, a presença deles resulta em olhares racistas por parte dos outros clientes, com assimilações de estereótipos negativos, colocando-os como ladrões e escravos. O fim é trágico, com corpos negros estirados no chão.
“A partir do momento que você encontra uma família não branca fora do perfil do estereótipo que você espera, mas ainda os vê dentro desse estereótipo, você é cúmplice do apertar do gatilho. Na mentalidade de várias pessoas, a vida deles (negros) não importa”, explicou Emicida.
A provocação feita pelo artista já começa pelo título. O nome Eminência Parda é inspirado no termo em francês éminence grise, porém, utilizado de maneira depreciativa no século 17.
Segundo o próprio rapper, a eminência parda, em política, é o nome que se dá quando determinado sujeito não é o governante supremo de tal reino ou país, mas é o verdadeiro poderoso. “É uma música sobre grandeza autêntica”, acrescentou ele.
A música ainda é recheada de influências e linhas quentes. Ele lembra que sua vitória na vida “nunca foi sorte, sempre foi Exu” e afirma que vai “foder com a história branca” até que “chamem de colonização reversa” – uma ironia aos que acreditam no tal "racismo reverso".
As participações também mostram que o rapper é atemporal. Emicida, que se diz “tubarão voraz” em uma das linhas, trouxe a autora de Festa de Tubarão: Dona Onete, para representar o passado e o canto dos ancestrais. A poetisa abre a música com um trecho do Canto II, tema do álbum Canto dos escravos, de Clementina de Jesus.
Já o futuro é reproduzido nas vozes do brasileiro Jé Santiago, integrante do grupo Recayd Mob, e do lusitano Papillon. Ambos jovens promissores talentos do rap em seus países.
Dentro de um instrumental e uma estética mais moderna, feito pelo produtor Nave Beatz, o chefe do selo Laboratório Fantasma também se mostra atualizado e em sintonia com as novas demandas do rap nacional, o que faz ele mesmo se classificar como “Jesus 2.0”, ao mesclar três tipos de flows em seu verso.
“Jé Santiago é um artista talentoso que nasce em uma ramificação mais jovem da nossa música chamada trap, porém somos todos tentáculos de um mesmo monstro. Acho o desafio (de fazer algo atual) instigante e vou atrás de buscar jogo”, disse.
Se antes, Emicida ainda tinha dúvidas de como poderia se expressar, após seis discos lançados. As reações do público e os milhares de visualizações alcançadas em minutos, mostram que as pessoas permitem – e pedem – que o rapper da zona norte fale. O seu novo lançamento faz jus a frase que sempre precede seus novos trabalhos: “o zica voltou”.
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Emicida dá mais um golpe no estereótipo racista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU